A empresa: novo instituto jurídico

AutorJorge Lobo
Páginas29-40

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§ 1° A polemica interminável

Condillac, refletindo sobre a arte de raciocinar, afirma, categórico, que o homem, ao invés de atentar para as coisas que pretende conhecer, as imagina e, de suposição falsa em suposição falsa, extravia-se do caminho certo, entre uma infinidade de erros, os quais, com o tempo, se transformam em preconceitos. Aliada ao preconceito, a paixão faz respeitar mais o erro do que a verdade.1

No estudo do conceito jurídico de empresa, em que, muitas vezes, o preconceito e a paixão se sobrepõem à verdade, tem-se, amiúde, sensação igual à experimentada com a leitura do Sofisia de Platão, quando Teeteto leva o estrangeiro à conclusão de que "dois é um",2 crítica, aliás, que, de certa forma, sobre este intrincado e assaz polémico tema, fazem Barassi, Car-nelutti, Rocco, Rontodi, Ferrara e Evaristo de Moraes Filho.3

A imprecisão do conceito jurídico de empresa, bem assinalou Ripert,4 decorre de

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uma série infindável de fatores, que vão desde a aplicação do vocábulo a situações extremamente diferentes até o uso indiscriminado da palavra pelo legislador, estrangeiro e brasileiro.5

Por isso, qualquer estudo, por mais despretensioso que seja, da teoria, da noção, do conceito jurídico de empresa obriga a uma torrente de citações, que se repetem, às vezes; anulam-se, com frequência; pouco acrescentam, ao final.6

§ 2° O conceito de empresa no século XVIII

Durante o século XVIII, não chegou a esboçar-se o conceito jurídico de empresa porque ainda predominavam o pequeno comércio e as indústrias de manufaturados de poucos empregados, permanecendo a agricultura como principal fonte de riqueza das nações.

A par disso, (a) o conflito entre produtores e industriais, (b) os monopólios estatais e (c) o controle estatal das indústrias prejudicaram sobremodo o comércio e as indústrias nascentes, e, em consequência, que se desse a devida atenção à empresa, de que são exemplos marcantes: a) do conflito entre produtores e industriais: o pedido dos produtores de lã da Prússia ao Rei Frederico Guilherme I para que fosse abolida a Lei de 1700 que proibia a exportação de seu produto e a resposta vazada nestes termos: "Sua Majestade o Rei da Prússia (...) considera necessário manter a proibição de exportação de lã (...) pois a experiência mostra que outras potências, particularmente a Inglaterra, que também não permitem a exportação de lã, com isso estão agindo bem, e o país enriquece";7 b) dos monopólios estatais, na crítica de Joseph Tucker, em 1749: "nossos monopólios, companhias públicas e companhias por ações são um prejuízo e destruição para o comércio livre (...). Toda a nação sofre em seu comércio, e fica privada do comércio com mais de três quartos do globo, para enriquecer alguns diretores ambiciosos. Eles se enriquecem dessa forma, ao passo que o público se torna mais pobre";8 c) do controle estatal da indústria, tão bem re-tratados nesta página de Leo Huberman: "Era de esperar que a oposição à restrição e regulamentação mercantilista surgisse mais acentuadamente na França, pois foi nesse país que o controle estatal da indústria atingiu o máximo. A indústria estava ali cerceada por uma tal rede de 'pode e 4não pode' e por um exército de inspetores abelhudos que impunham os regulamentos prejudiciais, que é difícil compreender como se conseguia fazer qualquer coisa. As regras e regulamentos das corporações já eram bastante prejudiciais. Continuaram em vigor, ou foram substituídos por outros regulamentos governamentais, ainda mais minuciosos, e que se destinavam a proteger e ajudar a indústria da França. De certa forma, ajudaram. Mas, ainda quando tinham utilidade, aborreciam aos industriais. Podia o fabricante de tecidos, por exemplo, fabricar o tipo de fazenda que lhe agradasse? Não. Os tecidos tinham de ser de uma qualidade determinada, e nada mais. Podia o fabricante de chapéus atrair a procura do consumidor, produzindo chapéus feitos de uma mistura de castor, pele e lã? Não. Só podia fazer chapéus todos de castor ou todos de lã, e nada mais. Podia o fabricante usar uma ferramenta nova e talvez melhor na produção de suas mercadorias? Não. As

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ferramentas tinham que ser de determinado tamanho e forma, e os inspetores apareciam sempre para verificar isso".9

Esses freios à atividade produtiva livre levaram à luta pela abolição completa e definitiva da tutela do Estado e ao extremo oposto - nenhum controle-que culminou no lema, cunha por Gournay, laissez-faire.

§ 3° O conceito de empresa no século XIX

No século XIX, a situação não se modificou muito, porquanto, apesar das inúmeras invenções da época, do liberalismo económico e da divisão do trabalho, ainda poucas e isoladas eram as fábricas, voltadas quase exclusivamente para o setor têxtil e metalúrgico, não obstante já se registrasse uma novel indústria mineira, florescente desde meados do século XVIII, bastando, contudo, naquela época, para dirimir eventuais divergências entre patrões e empregados, o recurso aos arts. 1.780 e 1.781 do Código Napoleão, sem ser preciso formular nenhum conceito jurídico para compreensão do fenómeno que, ao longo do século XIX, se expandiu10 e atingiu seu apogeu no nosso século.

Por isso, Sylvio Marcondes adverte que, "no quadro de codificação operada no século passado, sob influência do sistema francês, os comercialistas não lograram fixar uma segura concepção unitária da empresa, em nítidos termos jurídicos".11

§ 4° O conceito unitário de empresa

Debatendo-se por um conceito unitário (o económico igual ao jurídico), pontificaram Vivante: "a empresa é um organismo económico que põe em jogo os elementos necessários para obter um certo produto destinado à troca, com risco do empresário. O Direito Comercial toma seu este conceito económico";12 Bolaffio: "para o jurista tem grande importância a noção (económica) de empresa, uma vez que ela, considerada objetivãmente, é tida pelo legislador como ato essencialmente comercial, quando tenha conteúdo indicado de-monstrations causa nas categorias consagradas à empresa no artigo 39";13 Broset A. Pont: "o conceito jurídico de empresa deve necessariamente coincidir com o conceito económico, quer dizer, que a Economia e o Direito com o termo empresa devem referir-se ao mesmo fenómeno da realidade social (...). Parece, pois, lógico concluir que para o ordenamento positivo deve ser válido o conceito económico de empresa (...) (o qual deve ser adotado, pois, como conceito jurídico de empresa)",14 dentre muitos outros.15

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§ 5° O Direito Comercial como sendo o Direito das Empresas

Evaristo de Moraes ensina que "coube a Lorenzo Mossa, verdadeiro romântico do conceito de empresa, campeão do seu conceito institucional na Itália, defender a tese de que o direito comercial é direito das empresas, esgotando-se sua tratação no regulá-las, atingindo por aí os atos de comércio. O direito comercial, para ele, é o direito da economia organizada, encontrando seu apogeu na expansão da grande empresa capitalista. A existência da empresa, como seu objeto, constitui o principal argumento a favor da sua própria autonomia, em confronto com o direito comum: 'A empresa, no momento capitalista mais agudo, e agora na passagem para um sistema mais justo, assumiu o motivo próprio da ativida-de económica. As pessoas perdem importância, diante das organizações de bens e de forças vivas por ela criadas. Duram no tempo, aperfeiçoam a iniciativa humana, a perpetuam e renovam no mudar contínuo das pessoas (...). A empresa, como organização e como unidade, é o núcleo não só da forma social mas também da atividade pessoal (...). A empresa é a pessoa económica que o direito comercial regula na sua vida, as uniões de empresas assumem caracteres próprios, e não se assimilam às simples associações de pessoas'".16

Além de Mossa, defendem a ideia de que o Direito Comercial é o Direito das Empresas, dentre outros, Ascarelli, Joaquim Garriguez, J. Escarra, J. Hamel e O. Lagar-de, D. Bessone e Evaristo de Moraes.17

§ 6°. A opinião de Alfredo Rocco

Aproximando ambos os conceitos e censurando aqueles que sustentam que a noção económica e jurídica são idênticas, Rocco declara que é uma "'questão de medida' saber decidir quando, concorrendo na produção o trabalho pessoal do empresário com o trabalho dos outros colaboradores remunerados, existe organização do trabalho alheio e, portanto, uma empresa no sentido do Código Comerciar18 estendendo-se, em nota de rodapé, ao longo de quatro páginas, para explicar que "o conceito de empresa, segundo a lei comercial", parte da ideia de que ela é "um ato de interposição entre o trabalhador e o público", valendo-se o empresário do trabalho de ou-trem, o que, "não ocorrendo, isto é, se o empresário não vier a contar com a cooperação de terceiros trabalhadores", ainda que haja "organização sistemática" dos meios de produção e de intermediação na troca, "não haverá ato de comércio", nem, em consequência, empresa, juridicamente falando.

Após desenvolver sua famosa teoria de atos de comércio,19 Rocco conclui: "Em

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resumo: o conceito de ato de comércio é, segundo o código, mais amplo do que o conceito económico de comércio, muito embora este constitua o seu núcleo fundamental. Economicamente, o comércio é uma interposição nas trocas; e, juridicamente, o ato de comércio também um ato de interposição nas trocas. Simplesmente, este conceito de interposição é estendido pelo direito a outras formas de interposição e outras espécies de...

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