A Responsabilidade Civil do Empregador e o Acidente do Trabalho: Uma Discuss ão Face à Proteção do Acidentado

AutorFernando Basto Ferraz - Elizabeth Alice Barbosa Silva de Araujo - William Paiva Marques Júnior
Páginas127-146

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Introdução

O crescimento da economia brasileira verificada nos últimos anos ocasionou um incremento significativo das atividades produtivas e um consequente aumento do número de trabalhadores, tem acarretado também uma maior preocupação com a questão do acidente trabalhista tanto na área de prevenção quanto na área objeto da responsabilização judicial e posterior reparação dos danos materiais e morais sofridos pelos obreiros.

No campo jurídico, tal responsabilização é tratada no âmbito da responsabilidade civil a qual significa que subsiste para aquele que causou ou deu causa a um dano contra outrem o dever de repará-lo. Ou seja, objetiva-se com esse instituto que o paciente da ação danosa retorne ao seu status quo; para tanto, ataca-se o patrimônio do agente como forma de efetivação da obrigação reparadora.

No entanto, o ataque ao patrimônio, como forma de reparação, como se tem hoje consolidado, nem sempre foi a forma de compensação adotada pelas civilizações ao longo da história. Observa-se que no início o que prevalecia era a noção de vingança, fazendo o causador passar pelo mesmo dano sofrido pela vítima.

Somente num segundo momento, a sociedade passou a adotar a reparação pecuniária com mecanismo de compensação dos danos sofridos, a qual era mediada pelo Estado no que tange à quantificação do prejuízo a ser remediado. Há nessa etapa a inserção do elemento culpa como fator motivador da obrigação de indenizar.

O dano moral, ou seja, aquele que não tem um caráter patrimonial, é doutrinariamente conceituado como uma dor, vexame, sofrimento, desconforto, humilhação, resumidamente tido como uma "dor da alma". Justamente pela sua intangibilidade e extrema subjetividade encontra grandes divergências quanto a sua aferição e posterior quantificação.

Observa-se que a referida espécie danosa ganhou força no ordenamento pátrio com a Constituição de 1988 consagrando em seu texto o princípio da dignidade da pessoa humana - base dos valores morais e dos direitos personalíssimos - passando este a ser considerado um fundamento do Estado Democrático de Direito.

A responsabilização subjetiva está inicialmente prevista, para a seara trabalhista, na Constituição Federal em seu Art. 7º, XXVIII, quando imputa ao

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empregador a obrigação de indenizar os danos sofridos pelo trabalhador quando verificada e existência de dolo ou culpa em sua conduta na concretização de acidente de trabalho. Observa-se aqui a não delimitação das espécies de dano aplicáveis nas relações de trabalho. Dessa forma, torna-se indispensável a definição da figura acidente de trabalho. Para tanto se recorre à conceituação prevista em lei, a qual basicamente considera-o como sendo um infortúnio ocorrido pelo exercício do trabalho, o qual provoca lesões do tipo físico ou psíquico ao trabalhador, incluindo-se, ainda, o evento morte. Equipara-se ao acidente de trabalho as doenças profissionais ou do trabalho e os acidentes in itinere.

Não obstante o preceito constitucional, se tem observado na prática sua mitigação pelos julgadores em detrimento da aplicação de preceito infraconstitucional que autoriza a aplicação da teoria da imputação civil objetiva quando da ocorrência de acidentes decorrentes da relação de trabalho, utilizando como justificativa a teoria do risco do empreendimento. Tal fato ainda é bastante controverso, tanto na doutrina quanto nos Tribunais, assim como é bastante discutível a quantificação do dano e o montante a ser garantido à vítima do mesmo.

1. aspectos gerais sobre responsabilidade civil

A responsabilidade civil constitui instituto da ciência jurídica que busca, basicamente, o retorno do paciente de uma ação danosa ao seu status quo anterior ao cometimento de ato ilícito; para tanto se utiliza do ataque ao patrimônio do agente causador do dano como forma de efetivação da obrigação reparadora.

No entanto, tal ataque patrimonial, como se tem hoje pacificado, nem sempre foi a forma de compensação adotada pelas civilizações ao longo da história. Observa-se que nos primórdios da humani-dade o que prevalecia era a noção de vingança, ou seja, havia uma reação instintiva, imediata e brutal da vítima contra seu ofensor sem a existência de regras ou limitações. Evidenciava-se, portanto, a chamada vingança privada conforme palavras de Alvino Lima1: "forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal".

Contudo, caso a ofensa não pudesse ser imediatamente vingada, passou a vigorar, em um segundo momento, agora já na forma de regramento, a chamada Lei de Talião, que tinha como ponto fundamental a máxima: "olho por olho, dente por dente", onde buscava fazer com que o causador de um dado sofresse os mesmos males causados por ela à sua vítima. Desta feita, se alguém sofresse um dano material ou físico em decorrência da ação de outrem estaria, pessoalmente ou juntamente com seu grupo familiar, legalmente autorizado a agir da mesma forma contra o causador.

Num outro momento, nasce a ideia de substituição do ato vingativo pela compensação econômica, estando ainda a critério da vítima tal desejo.

Somente mais tarde, quando se observa uma maior autoridade do Estado, é que se observa a vedação da possibilidade da justiça ser efetivada pela vítima, tornando-se assim obrigatória a composição econômica do ilícito baseada em leis, como no caso da Lei das XII Tábuas.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves2, a partir dos tempos romanos, obtém-se uma distinção entre a pena e a reparação, onde a primeira ficaria a cargo exclusivamente do Estado para fins de repressão dos delitos públicos com os valores pecuniários destinados aos cofres públicos, enquanto a segunda destinava-se aos ilícitos privados, regulamentada pelo Estado, mas com os valores entregues pelo ofensor à sua vítima.

Vislumbra-se, desde então, a regra da composição materializada na reparação pecuniária onde o Estado age como garantidor e mediador. Refere-se neste momento à Lei Aquília, expressão embrionária da utilização do elemento culpa como fator determinante do dever de reparar e impondo ao patrimônio do ofensor o suporte ao ressarcimento da vítima.

1.1. Definições doutrinárias importantes na reponsabilidade

Necessário se faz, para uma melhor compreensão acadêmica, a inserção de conceitos formulados por alguns expoentes da doutrina nacional, iniciando-se pela noção básica do que seja responsabilidade e, num segundo momento, adentrando, especificamente, em sua espécie civil.

Nas palavras de Cavalieri Filho3, a responsabilidade pode ser expressa no sentido etimológico ou

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jurídico. Senão vejamos: "[...] Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge a essa ideia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico.[...]".

Tratando-se de responsabilidade, Sílvio de Salvo Venosa4 afirma que a mesma nasce quando alguma pessoa, seja essa natural ou jurídica, em virtude de um ato, fato ou negócio danoso por ela causado deve arcar com as suas consequências. Dessa forma, ainda segundo o autor, toda atividade humana pode gerar o dever de indenizar.

Segundo José de Aguiar Dias5, a ideia de obrigação é a que mais se aproxima do conceito de responsabilidade, tendo em vista o vocábulo conter a raiz latina spondeo. Segundo o autor, uma fórmula conhecida, pela qual se ligava solenemente o devedor, nos contratos verbais do direito romano. Então vejamos:

[...] responsável, responsabilidade, assim como, enfim, todos os vocábulos cognatos, exprimem ideia de equivalência de contraprestação, de correspondência. é possível, diante disso, fixar uma noção, sem dúvida ainda imperfeita, de responsabilidade, no sentido de repercussão obrigacional (não interessa investigar a repercussão inócua) da atividade do homem [...].

Quando se adentra no tema responsabilidade civil, deve-se ressaltar que o vocábulo "civil" traduz um caráter patrimonial da reparação de um dano efetivado, objetivando retornar a vítima ao seu estado de antes do cometimento do ilícito. Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho6, a responsabilidade civil seria o instituto capaz de implementar o sentimento de justiça, ressarcindo a vítima de ato ilícito onde tal compensação deverá ser de forma integral. E assim assevera:

O anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que ser procura fazer relocando o prejudicado no status quo ante. Impera neste campo o princípio da restitutio in integrum, isto é, tanto quanto possível...

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