O empregador

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas443-486

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I Introdução

Empregador define-se como a pessoa física, jurídica ou ente despersonificado que contrata a uma pessoa física a prestação de seus serviços, efetuados com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e sob sua subordinação.

A noção jurídica de empregador, como se percebe, é essencialmente relacional à de empregado: existindo esta última figura no vínculo laboral pactuado por um tomador de serviços, este assumirá, automaticamente, o caráter de empregador na relação jurídica consubstanciada.

Definição da CLT: análise crítica — A definição celetista de empregador conduz a algumas reflexões adicionais. Diz o art. 2º, caput, da CLT que empregador é a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços (art. 2º, CLT). Completa o § 1º do mesmo artigo que equiparam-se (sic!) ao empregador, para efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

O enunciado do caput celetista é, tecnicamente, falho, sendo também falho o parágrafo primeiro do mesmo artigo, por traduzir-se como claramente tautológico.

Na verdade, empregador não é a empresa — ente que não configura, obviamente, sujeito de direitos na ordem jurídica brasileira. Empregador será a pessoa física, jurídica ou ente despersonificado titular da empresa ou estabelecimento.

A eleição do termo empresa, pela CLT, para designar a figura do empregador apenas revela, mais uma vez, a forte influência institucionalista e da teoria da relação de trabalho que se fez presente no contexto histórico de elaboração desse diploma justrabalhista. A propósito, o Estatuto do Trabalhador Rural (Lei n. 4.214, de 1963) e a Lei do Trabalho Rural (n. 5.889, de 1973), ambos construídos em período histórico em que já não vigorava significativa influência dessas velhas correntes teóricas trabalhistas, não definem empregador rural como empresa, porém como pessoa física ou jurídica (caput do art. 3º da Lei n. 4.214/1963 e caput do art 3º da Lei n. 5.889, de 1973)1.

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Efetuadas tais críticas à técnica falha do caput do art. 2º da CLT, há que se aduzir, entretanto, outra vertente de observações acerca desse mesmo dispositivo celetista. É que a falha técnica celetista (ou viés doutrinário) evidenciou, no correr da experiência justrabalhista, um aspecto algo positivo, consubstanciado em sua funcionalidade. De fato, a eleição do termo empresa tem o sentido funcional, prático, de acentuar a importância do fenômeno da despersonalização da figura do empregador. Ao enfatizar a empresa como empregador, a lei já indica que a alteração do titular da empresa não terá grande relevância na continuidade do contrato, dado que à ordem justrabalhista interessaria mais a continuidade da situação objetiva da prestação de trabalho empregatício ao empreendimento enfocado, independentemente da alteração de seu titular. É o que resultará preceituado nos arts. 10 e 448 da mesma CLT (dispositivos a serem examinados no item sucessão de empregadores, à frente).

Passando-se ao exame do § 1º do art. 2º, da CLT, cabe se observar que não existe, do ponto de vista rigorosamente técnico, empregador por equiparação. Na verdade, as entidades especificadas no referido parágrafo primeiro configuram-se como empregadores típicos e não empregadores por equiparação ou extensão legal. São entes sem fins lucrativos, é certo, mas esse aspecto não é relevante à configuração do tipo legal do empregador, por não se constituir em seu elemento fático-jurídico específico.

Não há, portanto, uma qualidade especial deferida por lei a pessoas físicas ou jurídicas para emergirem como empregadores. Basta que, de fato, se utilizem da força de trabalho empregaticiamente contratada. A presença do empregador identifica-se, portanto, pela simples verificação da presença de empregado a seus serviços, e não pela qualidade do sujeito contratante de tais serviços.

Inexistindo na ordem jurídica qualificação específica para que uma entidade seja considerada empregadora (ao contrário do que ocorre com o empregado: apenas pessoa física), disso resulta que até mesmo entes juridicamente despersonificados podem surgir, no plano jurídico, como empregadores, desde que se valendo do trabalho empregatício. É o que se passa com condomínios, espólio e massa falida, por exemplo.

II Empregador - caracterização

Ao se caracterizar a figura da relação de emprego (e do empregado), apreendem-se e se identificam os cinco elementos fático-jurídicos específicos que a compõem, à luz da ordem justrabalhista. O processo de caracterização da figura sociojurídica do empregador é distinto. Tratando-se de conceito estritamente relacional, a caracterização da figura do empregador importa na simples apreensão e identificação dos elementos fático-jurídicos da relação

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de emprego, aduzindo-se que o tipo legal do empregador estará cumprido por aquele que se postar no polo passivo da relação empregatícia formada. É que não existem elementos fático-jurídicos específicos à figura do empregador, exceto um único: a apreensão, por um sujeito de direito qualquer, de prestação de serviços (efetuada por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação ao tomador). Verificados os cinco elementos fático-jurídicos da relação de emprego, pesquisa-se apenas pelo sujeito jurídico que tomou os serviços empregatícios — este será, em princípio, o empregador.

Configurada a relação de emprego e, consequentemente, a existência de um empregador, a ordem justrabalhista determina a ocorrência de alguns efeitos jurídicos universais sobre essa figura do empregador. Não são, contudo, elementos constitutivos de tal figura (elementos sem os quais ela não existiria), mas efeitos jurídicos decorrentes de sua existência. Como se trata de efeitos jurídicos universais — isto é, presentes em praticamente todas as situações sociojurídicas pertinentes à existência do empregador —, a teoria justrabalhista os arrola como aspectos característicos dessa figura jurídica tipificada.

São dois esses efeitos (ou características) da figura do empregador: de um lado, a sua despersonalização, para fins justrabalhistas; de outro lado, sua assunção dos riscos do empreendimento e do próprio trabalho contratado.

1. Despersonalização

A característica da despersonalização da figura do empregador consiste na circunstância de autorizar a ordem justrabalhista a plena modificação do sujeito passivo da relação de emprego (o empregador), sem prejuízo da preservação completa do contrato empregatício com o novo titular.

Note-se que enquanto a pessoalidade é elemento fático-jurídico atávico à figura do empregado (elemento sem o qual não existirá o empregado, juridicamente), ela tende a ser irrelevante na tipificação da figura do empregador. Aqui predomina a impessoalidade, acentuando a lei a despersonalização como marca distintiva do sujeito passivo da relação de emprego.

É interessante perceber que a utilização da expressão empresa, neste momento, serve de instrumento para realçar a despersonalização da figura do empregador. De fato, à medida que a ordem jurídica se reporta à noção objetiva de empresa para designar empregador, em vez da noção subjetiva e às vezes particularíssima de pessoa, obtém o efeito de acentuar o caráter impessoal e despersonalizado com que encara e rege tal sujeito do contrato de trabalho.

A despersonalização do empregador é um dos mecanismos principais que o Direito do Trabalho tem para alcançar certos efeitos práticos relevantes:

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de um lado, permitir a viabilização concreta do princípio da continuidade da relação empregatícia, impedindo que ela se rompa em função da simples substituição do titular do empreendimento empresarial em que se encontra inserido o empregado. De outro lado, harmonizar a rigidez com que o Direito Individual do Trabalho trata as alterações objetivas do contrato empregatício (vedando alterações prejudiciais ao empregado) com o dinamismo próprio ao sistema econômico contemporâneo, em que se sobreleva um ritmo incessante de modificações empresariais e interempresariais.

A presente característica tem crucial importância na estrutura e efeitos de relevante instituto do Direito Individual do Trabalho: a sucessão trabalhista (arts. 10 e 448, CLT). Efetivamente apenas por ser a impessoalidade marca própria ao sujeito empresarial da relação de emprego, marca que autoriza sua modificação subjetiva ao longo da evolução contratual, é que se compreende o sentido e extensão desse instituto justrabalhista (a ser examinado ainda no presente capítulo).

Finalmente, a despersonalização do empregador tem despontado como importante fundamento para a desconsideração do manto da pessoa jurídica, em busca da responsabilização subsidiária dos sócios integrantes da entidade societária, em contexto de frustração patrimonial pelo devedor principal na execução trabalhista. Pela despersonalização inerente ao empregador, tem-se compreendido existir intenção da ordem...

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