O empregado

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas417-486

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I Introdução

Empregado é toda pessoa natural que contrate, tácita ou expressamente, a prestação de seus serviços a um tomador, a este efetuados com pessoali-dade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.

A noção de contrato é importante, uma vez que acentua a dimensão do animus contrahendi que subjaz à relação jurídica formada. Essa intenção de se vincular empregaticiamente, como visto (animus contrahendi), é que confere (ou não), do ponto de vista subjetivo, onerosidade empregatícia ao vínculo instituído entre as partes.

Por outro lado, à medida que esse contrato pode ser tácito (caput dos artigos 442 e 443 da CLT), a simples prestação de serviços, sem qualquer formalização, não é óbice a que se considere pactuado um vínculo empregatício entre tomador e prestador de trabalho (desde que presentes os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, obviamente).

No conceito acima encontram-se os cinco elementos fático-jurídicos da relação de emprego (trabalho por pessoa física, com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e sob subordinação ao tomador). Reunidos, portanto, esses cinco elementos, será empregado o prestador de serviços.

O conceito legal de empregado está lançado no art. 3º, caput, da CLT: toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. O preceito celetista, entretanto, é incompleto, tendo de ser lido em conjunto com o caput do art. 2º da mesma Consolidação, que esclarece que a prestação pelo obreiro há de ser pessoal. Acoplados nos dois preceitos, encontram-se reunidos os cinco elementos componentes da figura sociojurídica de empregado.

Empregado e Conteúdo de sua Prestação Principal — O empregado não se distingue de outros trabalhadores em virtude do conteúdo da prestação realizada, conforme já enfatizado.

O conteúdo da prestação (tipo de trabalho) consubstancia, em geral, dado relativamente irrelevante à configuração do vínculo de emprego, uma vez que, em princípio, qualquer obrigação de fazer, física e juridicamente possível, pode emergir como objeto de um contrato de emprego.

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O que distingue a relação de emprego, o contrato de emprego, o empregado, de outras figuras sociojurídicas próximas, repita-se, é o modo de concretização dessa obrigação de fazer. A prestação laborativa há de se realizar, pela pessoa física, pessoalmente, subordinadamente, com não eventualidade e sob intuito oneroso. Excetuado, portanto, o elemento fático-jurídico pessoa física, todos os demais pressupostos referem-se ao processo (modus operandi) de realização da prestação laborativa. Essa específica circunstância é de notável relevo para a precisa identificação da figura do empregado (e, portanto, da existência de relação de emprego), no universo comparativo com outras figuras próximas e assemelhadas de trabalhadores.

II Empregados de formação intelectual: tratamento justrabalhista

A Constituição da República proíbe distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos, em norma específica fixada no Capítulo II (“Dos Direitos Sociais”) de seu Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”): efetivamente, ela está expressa no art. 7º, XXXII, da CF/88.

Tais princípio, garantia e regra constitucionais enfatizados no art. 7º, XXXII, se harmonizam ao princípio geral antidiscriminatório brandido, firmemente, pela Constituição de 1988, quer em seu Título I — “Dos Princípios Fundamentais” (art. 1º, III, e art. 3º, IV), quer em seu Título II — “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, inclusive também no Capítulo I — “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos” (art. 5º, caput).

O princípio antidiscriminatório especificado no art. 7º, XXXII, da Constituição de 1988, na verdade, é clássico na tradição constitucional do País, estando presente desde a Constituição de 1934 (art. 12, § 2º). Em seguida, compareceu na Constituição de 1946 (art. 157, parágrafo único) e até mesmo nos textos constitucionais do período autoritário (1967 e 1969). Insculpe-se também no art. 3º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho.

A partir dessa vedação constitucional expressa, o tema referente a trabalhadores intelectuais perderia maior relevância, por não se encontrar, no Direito do Trabalho, até então, contraponto normativo a essa explícita proibição. Porém, a Lei de Reforma Trabalhista de 2017 abriu severa exceção na tradição de respeito ao clássico princípio e garantia constitucionais: de fato, por intermédio da inserção de novo parágrafo único no art. 444 da CLT, a Lei n. 13.467/2017 autorizou a segregação jurídica dos empregados portadores de diploma de nível superior (e que também percebam salário igual ou superior à dobra do teto dos benefícios pagos pelo INSS) — tais empregados poderão se submeter, mediante “livre estipulação”, à profunda

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diminuição de direitos especificada no art. 611-A da CLT, “com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos” (parágrafo único do art. 444, CLT).

Por sua relevância, a nova regra será examinada mais à frente, no item III (“Altos Empregados: Situações Específicas e Tratamento Justrabalhista”), no novo subitem III.5 (“Empregados Portadores de Diploma de Nível Superior e que Percebam Salário Igual ou Superior à Dobra do Teto de Benefícios do INSS: segregação jurídica”).

Torna-se necessário, porém, esclarecer que não contrariam o princípio constitucional antidiscriminatório acima destacado a presença de inúmeras regulamentações legais acerca de profissões intelectuais distintas: médicos e cirurgiões-dentistas (Leis ns. 3.999/61, 6.932/81 e 7.217/84); músicos (Lei n. 3.857/60);1 jornalistas (CLT, art. 302; Dec.-lei n. 972/69; Leis ns. 5.696/71, 6.612/78 e 6.727/79)2; professores (CLT, arts. 317 a 324); químicos (CLT, art. 325, e Lei n. 5.530/68); engenheiros, arquitetos, agrônomos e veterinários (Lei n. 4.950-A/66); artistas (Lei n. 6.533/78); economistas (Leis ns. 1.411/57, 6.021/74 e 6.537/78); técnico de administração (Leis ns. 4.769/65 e 6.642/79); advogado (antigas Leis ns. 4.215/63 e 6.889/80; hoje, Lei n. 8.906/94); psicó-logo (Lei n. 4.119/62 e Decreto n. 53.464/64), etc.3

Constituição de 1988 e Regulação de Profissões: compatibilização — O Texto Máximo, ao tratar dos Direitos e Garantias Fundamentais (Título II), desdobra-os em direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I do Título II), ao lado dos direitos sociais (Capítulo II do Título II). O exercício de atividade profissional pela pessoa humana pode abranger essas duas dimensões, que implicam graus diferenciados de intervenção da norma jurídica.

A Constituição assegura ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º, XIII, CF/88; grifos acrescidos). A regra constitucional, na verdade, abrange três situações diferenciadas, fática e juridicamente: os tipos de

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trabalho, ofício ou de profissão não regulados especificamente por regra jurídica (em geral, labores mais simples, ou ofícios essencialmente artesanais ou pessoais, ou ainda ofícios significativamente novos, por exemplo); os tipos laborativos regulados por regras legais, quer por necessidade profissional ou social, quer por conveniência de idêntica natureza; finalmente, os tipos laborativos regulados por regras legais ainda mais intensas, por corresponderem também a tipo jurídico trabalhista específico, inerente à relação de emprego.

As três situações são inteiramente harmônicas à Constituição, traduzindo graus diferenciados de integração civilizatória do indivíduo que trabalha no conjunto social e econômico circundante. Na verdade, a regulação tende a traduzir patamar superior de inserção civilizatória, uma vez que afirma não somente a regra do art. 5º, XIII, do Capítulo I do Título II da Constituição (ou seja: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”), como também enfatiza condições superiores de exercício profissional, conferidas pelo patamar civilizatório mais elevado garantido pelo Direito do Trabalho (arts. e do Capítulo II do Título II da Constituição).

O Direito do Trabalho, portanto, configura muitas vezes regulação de atividades profissionais, porém em nível usualmente superior ao verificado na dinâmica do mercado capitalista, traduzindo manifesta elevação nas condições de pactuação do labor humano na vida econômico-social. Nessa medida, consagra a garantia do art. 5º, XIII, da Constituição em dimensão potencializada, mediante notável rol de proteções e vantagens impostas ao tomador de serviços — que se enquadra, juridicamente, como empregador. Por isso é que o Direito do Trabalho constitui ramo jurídico que concretiza, no plano da vida real, diversos...

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