O empregado

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas378-442

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I Introdução

Empregado é toda pessoa natural que contrate, tácita ou expressamente, a prestação de seus serviços a um tomador, a este efetuados com pessoali-dade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.

A noção de contrato é importante, uma vez que acentua a dimensão do animus contrahendi que subjaz à relação jurídica formada. Essa intenção de se vincular empregaticiamente, como visto (animus contrahendi), é que confere (ou não), do ponto de vista subjetivo, onerosidade empregatícia ao vínculo instituído entre as partes.

Por outro lado, à medida que esse contrato pode ser tácito (caput dos artigos 442 e 443 da CLT), a simples prestação de serviços, sem qualquer formalização, não é óbice a que se considere pactuado um vínculo empregatício entre tomador e prestador de trabalho (desde que presentes os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, obviamente).

No conceito acima encontram-se os cinco elementos fático-jurídicos da relação de emprego (trabalho por pessoa física, com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e sob subordinação ao tomador). Reunidos, portanto, esses cinco elementos, será empregado o prestador de serviços.

O conceito legal de empregado está lançado no art. 3º, caput, da CLT: toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. O preceito celetista, entretanto, é incompleto, tendo de ser lido em conjunto com o caput do art. 2º da mesma Consolidação, que esclarece que a prestação pelo obreiro há de ser pessoal. Acoplados nos dois preceitos, encontram-se reunidos os cinco elementos componentes da figura sociojurídica de empregado.

Empregado e Conteúdo de sua Prestação Principal — O empregado não se distingue de outros trabalhadores em virtude do conteúdo da prestação realizada, conforme já enfatizado.

O conteúdo da prestação (tipo de trabalho) consubstancia, em geral, dado relativamente irrelevante à configuração do vínculo de emprego, uma vez que, em princípio, qualquer obrigação de fazer, física e juridicamente possível, pode emergir como objeto de um contrato de emprego.

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O que distingue a relação de emprego, o contrato de emprego, o empregado, de outras figuras sociojurídicas próximas, repita-se, é o modo de concretização dessa obrigação de fazer. A prestação laborativa há de se realizar, pela pessoa física, pessoalmente, subordinadamente, com não eventualidade e sob intuito oneroso. Excetuado, portanto, o elemento fático-jurídico pessoa física, todos os demais pressupostos referem-se ao processo (modus operandi) de realização da prestação laborativa. Essa específica circunstância é de notável relevo para a precisa identificação da figura do empregado (e, portanto, da existência de relação de emprego), no universo comparativo com outras figuras próximas e assemelhadas de trabalhadores.

II Empregados de formação intelectual: tratamento justrabalhista

A Constituição da República proíbe distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos (art. 7º, XXXII, CF/88). A partir dessa vedação expressa, o tema referente a trabalhadores intelectuais perde maior relevância, por não se encontrar diversidade legislativa a partir desse específico critério. O princípio, na verdade, é clássico na tradição constitucional do país, inserindo-se na Constituição de 1934 (art. 12, § 2º), de 1946 (art. 157, parágrafo único) e mesmo nos textos constitucionais de 1967/69. Insculpe-se também no art. 3º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Não contrariam o princípio isonômico acima as inúmeras regulamentações legais existentes acerca de profissões intelectuais distintas: médicos e cirurgiões-dentistas (Leis ns. 3.999/61, 6.932/81 e 7.217/84); músicos (Lei
n. 3.857/60);1 jornalistas (CLT, art. 302; Dec.-lei n. 972/69; Leis ns. 5.696/71,
6.612/78 e 6.727/79)2; professores (CLT, arts. 317 a 324); químicos (CLT, art. 325, e Lei n. 5.530/68); engenheiros, arquitetos, agrônomos e veterinários (Lei n. 4.950-A/66); artistas (Lei n. 6.533/78); economistas (Leis ns. 1.411/57,

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6.021/74 e 6.537/78); técnico de administração (Leis ns. 4.769/65 e 6.642/79); advogado (antigas Leis ns. 4.215/63 e 6.889/80; hoje, Lei n. 8.906/94); psicó-logo (Lei n. 4.119/62 e Decreto n. 53.464/64), etc.3

Constituição de 1988 e Regulação de Profissões: compatibilização
O Texto Máximo, ao tratar dos Direitos e Garantias Fundamentais (Título
II), os desdobra em direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I do Título II), ao lado dos direitos sociais (Capítulo II do Título II). O exercício de atividade profissional pela pessoa humana pode abranger essas duas dimensões, que implicam graus diferenciados de intervenção da norma jurídica.

A Constituição assegura ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º, XIII, CF/88; grifos acrescidos). A regra constitucional, na verdade, abrange três situações diferenciadas, fática e juridicamente: os tipos de trabalho, ofício ou de profissão não regulados especificamente por regra jurídica (em geral, labores mais simples, ou ofícios essencialmente artesanais ou pessoais, ou ainda ofícios significativamente novos, por exemplo); os tipos laborativos regulados por regras legais, quer por necessidade profissional ou social, quer por conveniência de idêntica natureza; finalmente, os tipos laborativos regulados por regras legais ainda mais intensas, por corresponderem também a tipo jurídico trabalhista específico, inerente à relação de emprego.

As três situações são inteiramente harmônicas à Constituição, traduzindo graus diferenciados de integração civilizatória do indivíduo que trabalha no conjunto social e econômico circundante. Na verdade, a regulação tende a traduzir patamar superior de inserção civilizatória, uma vez que afirma não somente a regra do art. 5º, XIII, do Capítulo I do Título II da Constituição (ou seja: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”), como também enfatiza condições superiores de exercício profissional, conferidas pelo patamar civilizatório mais elevado garantido pelo Direito do Trabalho (arts. e do Capítulo II do Título II da Constituição).

O Direito do Trabalho, portanto, configura muitas vezes regulação de atividades profissionais, porém em nível usualmente superior ao verificado na dinâmica econômica, traduzindo manifesta elevação nas condições de pactuação do labor humano na vida econômico-social. Nessa medida consagra a garantia do art. 5º, XIII, da Constituição em dimensão potencializada, mediante notável rol de proteções e vantagens impostas ao tomador de serviços — que se enquadra, juridicamente, como empregador. Por isso é que o Direito do Trabalho constitui ramo jurídico que concretiza, no plano da vida real, diversos decisivos princípios constitucionais, tais como da dignidade da pessoa humana,

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da valorização do trabalho e do emprego, da justiça social, da segurança e do bem-estar social, da subordinação da propriedade à sua função socioambiental.

Não se pode, dessa maneira, realizar uma interpretação fragmentada da regra do art. 5º, XIII, da Constituição para se alcançar resultado interpretativo contrário ao conjunto da Lei Magna da República, especialmente seus princípios, institutos e regras humanísticos e sociais.4

III Altos empregados: situações específicas e tratamento justrabalhista

A organização interna do sistema de trabalho, na empresa, leva à elaboração de minuciosa e abrangente hierarquia entre setores e, particular-mente, cargos e funções. Nesse universo interno de distribuição assimétrica de poderes e prerrogativas, surgem determinadas diferenciações entre empregados, com fulcro na concentração em alguns deles de prerrogativas de direção e gestão próprias ao empregador.

Tais empregados, ocupantes de posições internas de chefias, funções de gestão ou outros cargos de elevada fidúcia, recebem da legislação obreira um tratamento relativamente diferenciado perante o parâmetro genérico dos demais trabalhadores da organização empresarial.

A temática dos chamados altos empregados envolve, na verdade, quatro situações diferenciadas.

Em primeiro lugar, a situação jurídica dos empregados ocupantes de cargos ou funções de gestão ou de confiança, objeto de tratamento pelo artigo 62 da CLT. Essa situação abrange todo o mercado de trabalho e respectivas categorias profissionais, excetuado apenas o segmento bancário.

Em segundo lugar, surge exatamente a situação jurídica especial dos empregados ocupantes de cargos ou funções de confiança do segmento bancário, objeto de tratamento pelo artigo 224 da CLT.

Em terceiro lugar, no polo mais elevado da estrutura de poder nas empresas, desponta ainda a temática da qualificação jurídica da figura do diretor. Esta hipótese analítica abrange quer o diretor recrutado externamente, quer o empregado alçado à posição de diretor na mesma entidade...

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