Pesquisa empírica em direito no Brasil: o estado da arte a partir da plataforma Lattes e dos encontros do Conpedi

AutorRoberto Fragale Filho - Rodolfo Noronha
Páginas97-144
CAPÍTULO 3
Pesquisa empírica em direito no Brasil:
o estado da arte a partir da plataforma Lattes
e dos encontros do Conpedi
ROBERTO FRAGALE FILHO
RODOLFO NORONHA
Pesquisa empírica em direito no Brasil: afinal, isso existe? A resposta é necessa-
riamente positiva, ainda que ela possa ser qualificada de residual, periférica e
incompreendida. Com efeito, os métodos empíricos de investigação são absolu-
tamente residuais na pesquisa jurídica, já que percebidos pelo campo acadêmi-
co jurídico como estranhos ao seu ofício, como inadequados à especificidade
de seu objeto. Na verdade, a resistência oferecida pelo campo à exploração em-
pírica encontra-se associada a uma aversão mais ampla (e mais antiga) à utiliza-
ção de estratégias metodológicas próprias a outras áreas do saber, como, aliás,
pode-se constatar nos anais da Reunião Anual de 1994 do Conselho Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi), quando houve quem afir-
masse ser “uma verdadeira heresia, um verdadeiro absurdo introduzir no di-
reito a metodologia das ciências sociais” (Conpedi, 1994:131). Essa resistência
não impediu, contudo, que o movimento ali desenvolvido em favor de uma
estruturação institucional da área descortinasse o importante debate em torno
da especificidade da pesquisa jurídica, indicando que sua existência está articu-
lada com “a seleção e a construção de problemas para a investigação” (Conpedi,
JUSTIÇA EM FOCO
98 1994:118). Em outras palavras, a inadequação dos métodos empíricos dizia res-
peito, na verdade, aos problemas selecionados e construídos para análise no
campo acadêmico jurídico, pois, na medida em que dizer o que é o direito era
percebido como mais importante que dizer o que ele faz na sociedade, os pro-
blemas selecionados terminavam por versar (e ainda versam) essencialmente
sobre a dogmática, objeto hegemônico do campo. Assim, a compreensão da es-
trutura normativa, sua interpretação e aplicação constituíam a tônica da área,
que era ainda insuflada, nos primeiros anos de institucionalização do Conpedi,
por uma forte preocupação em torno do processo de redemocratização do país.
Em suma, o esforço empírico ainda era tímido e incipiente, constituindo uma
aberração na área.
Quase duas décadas depois, o universo da pós-graduação em direito expan-
diu-se (Fragale Filho, 2005), ampliando sua agenda de pesquisas. Os estudos
interdisciplinares e a incorporação de métodos empíricos ganharam corpo e
deixaram de ser completamente estranhos ao campo jurídico (Fragale Filho e
Veronese, 2004). Ainda assim, a resistência à abordagem empírica não desapa-
receu. Na verdade, o que parece ter se alterado é o processo de “seleção e cons-
trução de problemas”. Com efeito, na esteira de uma trajetória de consolidação
dos estudos sobre os sistemas de Justiça na área das ciências sociais (Sadek,
2002), a preocupação com diagnósticos mais precisos sobre o funcionamento
do aparato judicial, pautados em dados idôneos e construídos com inequívo-
co rigor científico, ganhou corpo e contaminou uma parcela da produção do
campo acadêmico jurídico, ainda que ela permaneça residual. A dificuldade
em romper esse isolamento pode ser dimensionada pelos três grandes desafios
que enfrentam os pesquisadores que adotam o trabalho empírico como estra-
tégia de abordagem: (a) a necessidade de quebra de um paradigma fortemente
estabelecido, que concebe a pesquisa jurídica como levantamento bibliográfico
e a análise crítica como confronto de teses, (b) o estranhamento diante de mé-
todos quantitativos e qualitativos aparentemente inapropriados para a análise
de questões jurídicas, e (c) a difícil objetivação do problema examinado, quase
sempre percebido de forma fluida e, portanto, dificilmente constr uído em tor-
no de hipóteses aferíveis a partir de “implicações observáveis”.
PESQUISA EMPÍRICA EM DIREITO NO BRASIL
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Ainda assim, este quadro tem sido paulatinamente alterado, em especial
porque a reforma do sistema de Justiça demanda dados empíricos idôneos para
orientar a formulação de políticas públicas adequadas e a produção de um
arcabouço legislativo aderente às reais necessidades dos tribunais e da popula-
ção. Nesse sentido, no âmbito da Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ) do
Ministério da Justiça (MJ), importantes diagnósticos têm sido oferecidos para
uma melhor compreensão da Defensoria Pública, dos Juizados Especiais Cíveis,
dos cartórios judiciais e de mecanismos processuais tais como a tutela coletiva
e as execuções fiscais. Mapear os pesquisadores envolvidos em tais esforços por
meio de uma “porta de entrada” objetivada, isto é, despida dos subjetivismos
próprios a quem também se postula como integrante do campo, é o desafio
aqui enfrentado com o propósito de contribuir para o desenvolvimento de
uma comunidade científica que compartilhe métodos e estratégias empíricas
no campo acadêmico jurídico.
Construindo os parâmetros do levantamento
Quando falamos em pesquisa empírica, a primeira impressão costuma reme-
ter a estudos estatísticos, ou seja, estudos que envolvem “a utilização de téc-
nicas estatísticas de inferência a largos corpos de dados em um esforço para
detectar importantes regularidades (ou irregularidades) que não tenham sido
previamente identificadas ou definidas” (Schuck, 1989). Entretanto, é possível
ampliar o alcance de tal definição e imaginar que estudos empíricos dizem res-
peito a pesquisas construídas a partir da observação do mundo, isto é, dados,
que podem ser tanto quantitativos quanto qualitativos. Quando aqui se fala
em pesquisa empírica, está-se a examinar um tipo de investigação cujas premis-
sas não dizem respeito ao mundo idealizado do dever-ser, mas constroem suas
análises a partir do mundo do ser. O trabalho empírico não é, portanto, aqui
pensado tão somente em termos quantitativos, mas engloba toda e qualquer
investigação cujo ponto de partida é o que efetivamente ocorre no mundo ju-
rídico.

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