Emotional labor and gender: dimensions of labor in Social Work/Trabalho emocional e genero: dimensoes do trabalho no Servico Social.

AutorBolzan, Debora de Paula
CargoTexto en portugues

Introducao

As emocoes fazem parte de toda a historia da vida humana; no entanto, constituiram-se como novo campo de estudos somente na decada 1970. Este campo foi resultado de um processo de renovacao teorica iniciado nos Estados Unidos, que promoveu uma releitura da tradicao sociologica e antropologica, contribuindo para o surgimento da sociologia e da antropologia das emocoes como novas disciplinas. Assim, situando as emocoes como uma importante categoria para a reflexao da inter-relacao entre individuo e sociedade (KOURY, 2014). Esta nova abordagem recorreu, principalmente, a filosofia francesa de Derrida e Foucault e a filosofia social de Simmel, entre outros autores.

Naquele pais, o campo das emocoes conheceu um forte desenvolvimento a partir de meados dos anos 1980, com uma diversidade de pesquisas e publicacoes, como a desenvolvida por Lutz (1990), ao refletir sobre o lugar da emocao no pensamento do Ocidente. A autora identificou um discurso ocidental associando as emocoes ao genero feminino, ou seja, as emocoes vistas como sinais de fraqueza e voltadas a mulher, ao contrario da racionalidade, relacionada ao homem (LUTZ, 1990).

Ainda no contexto norte-americano dos anos 1980, Arlie Hochschild (1983), embasada na perspectiva dramaturgica de Goffman (1959), tornou-se uma grande referencia na sociologia das emocoes ao definir o conceito de trabalho emocional (TE). Este pode ser compreendido como a gestao das emocoes ou a atuacao da pessoa sobre os sentimentos, no trabalho, para produzir um resultado em si mesmo e nos outros, criando uma expressao facial e corporal observavel e desejada pela organizacao. Isso significa que no TE e necessario administrar e articular mente e sentimentos, alem dos trabalhos fisicos e mentais ja inerentes as tarefas desempenhadas neste ambiente.

Desde que o conceito de trabalho emocional foi formulado por Hochschild (1983), passou a orientar diversas pesquisas no Ocidente. Valquiria Padilha (2013) registra a publicacao de mais de 300 artigos empregando o conceito de TE, o que indica que este tema se encontra em intenso debate em diferentes paises.

No contexto brasileiro, a tematica ganha reconhecimento e consolidacao quase duas decadas depois, nos anos 1990 (KOURY, 2014). O interesse por ela tem contribuido para a discussao sobre as emocoes no consumo (ALMEIDA; NIQUE, 2004), nas compras on-line (COSTA; FARIAS, 2004) e nas mais diversas profissoes (PADILHA, 2013; NUNES, 2011; VILELA; ASSUNCAO, 2007). Dessa maneira, estimula grupos de pesquisa, como o Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia da Emocao (Grem), da Universidade Federal da Paraiba, fundado em 1994 e liderado por Mauro Koury, um dos primeiros brasileiros a realizar reflexoes sociologicas e pesquisas sobre as emocoes. Este grupo produz o periodico academico intitu lado Revista Brasileira de Sociologia das Emocoes, trazendo abordagens e contribuicoes aos campos da sociologia e da antropologia das emocoes. Alem disso, ha, desde 1998, o Grupo de Pesquisa Transformacoes da Intimidade, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), e o Grupo de Pesquisa Cultura, Sociabilidades e Sensibilidades Urbanas, instituido desde 2010 na Universidade Federal da Bahia.

No ambiente de trabalho, em especial no setor de servicos (1), espera-se a demonstracao de emocoes que muitas vezes nao existem. Desta maneira, os trabalhadores devem possuir a capacidade de desenvolver a gestao dos seus proprios sentimentos para serem capazes de realizar o trabalho e expressar emocoes, como sorrir e ser cordial, mesmo sem vontade de faze-lo. E o que se espera, por exemplo, do trabalho de recepcionista de hipermercado, dos operadores de caixa, comissarios de bordo em linhas aereas e em diversas profissoes do setor de servicos (HOCHSCHILD, 1983).

Este setor representa, por excelencia, a ocupacao laboral feminina no mercado de trabalho, sendo marcado por interacoes que exigem novas formas de controle, de gerenciamento e de administracao das emocoes constituidas nessas interacoes (SORJ, 2000). De acordo com Hochschild (1983), o trabalho emocional em servicos envolve um componente altamente sexuado, apresentando um carater fortemente ligado a atributos construidos socialmente como femininos. Assim, a analise do trabalho emocional no Servico Social torna imprescindivel um vies de genero (2), uma vez que o Servico Social esta entre as profissoes brasileiras que mais empregam mulheres.

Na decada de 1970, o Servico Social era a segunda profissao com maior concentracao de mulheres no pais; nos censos de 1980, 1991 e 2000 foi assumido como a profissao de nivel superior mais feminina do Brasil (SIMOES, 2012). Desse modo, Servico Social, Enfermagem, Pedagogia e Biblioteconomia sao as quatro profissoes mais influenciadas pelo genero no mercado de trabalho brasileiro. Tais profissoes revelam que as desigualdades entre os generos persistem historicamente e posicionam a mulher em uma situacao desigual, construida a partir da divisao sexual (3) do trabalho e que ganha concretude no mercado de trabalho, sobretudo no setor de servicos (SORJ, 2000). Nesse contexto, o trabalho no Servico Social apresenta particularidades, principalmente porque a atividade e constituida por marcadores de desigualdade: e uma profissao historicamente feminizada, instalada no setor de servicos e que nao ocupa lugar de destaque na hierarquia das profissoes. Portanto, torna-se importante identificar como a apropriacao do trabalho emocional e feita no Servico Social.

Dados da pesquisa

A pesquisa (4) ora apresentada analisou o trabalho emocional como uma das diferentes dimensoes e exigencias do trabalho no Servico Social. Para tanto, propos uma discussao da tematica, pouco conhecida no Servico Social, e tracou o objetivo de identificar como a apropriacao do trabalho emocional e feita nessa profissao.

A metodologia (5) privilegiou as abordagens qualitativas, com base em levantamento de literatura pertinente, analise documental e observacao sistematica. A pesquisa de campo envolveu a realizacao de entrevistas semiestruturadas, utilizando elementos tecnicos de entrevistas narrativas (FLICK, 2004) com os assistentes sociais da regiao metropolitana de Goiania (GO). As narrativas objetivam obter experiencias mais subjetivas e dados de maior profundidade do que nos relatos da entrevista semiestruturada (FLICK, 2009). Atraves das formas narrativas, os profissionais falaram de si, das suas praticas, trajetorias, crencas e experiencias laborais e de formacao. Desse modo, foi permitido dar voz aos assistentes sociais entrevistados (DUBAR, 2012).

As entrevistas semiestruturadas foram empregadas como um guia, por meio de roteiro pre-elaborado; no entanto, permitiram o surgimento espontaneo de outras questoes sobre os objetivos pesquisados. Estas enfocaram as experiencias biograficas, possibilitando o contato com a realidade vivida pelos sujeitos. Como procedimento metodologico, as entrevistas sao um metodo especifico de coleta de dados, enfocando as experiencias biograficas e permitindo ao pesquisador estudar topicos e contextos mais amplos. A entrevista pode, ainda, ser considerada como uma tecnica de pesquisa por excelencia na investigacao social, de modo a proporcionar a obtencao de dados sobre os mais diversos aspectos da vida social, alem de dados em profundidade acerca da vida do entrevistado (LAPERRIERE, 2008).

Ja a tecnica de entrevista narrativa foi empregada nao no sentido restrito desse tipo de tecnica qualitativa, mas indiretamente, com o objetivo de obter relatos baseados nas trajetorias biograficas, oferecendo espaco para que os entrevistados narrassem suas historias com pouca ou nenhuma intervencao da pesquisadora. As narrativas sao um metodo especifico para coleta de dados particularmente interessante na pesquisa qualitativa. Isto porque apresentam experiencias mais profundas e detalhadas da vida do entrevistado, estimulando os sujeitos a narrarem questoes de sua vida e pontos de vista que interessam a pesquisa (FLICK, 2009). Compreende-se as historias de vida como construcoes sociais, ou seja, as narrativas fornecidas revelam as construcoes culturais da vida dos entrevistados (DUBAR, 2012).

Foram realizadas 15 entrevistas entre maio de 2013 e fevereiro de 2014, com 13 mulheres e dois homens entre 30 e 70 anos. As areas de atuacao desses profissionais sao diversificadas: assistencia social, saude, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Ministerio Publico (MP), Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Semdus) e Organizacao Nao Governamental (ONG). Os tipos de vinculos caracterizam-se por estatutarios efetivos (municipio, Estado ou Uniao), contratos por tempo determinado, cargo comissionado e trabalho voluntario.

A amostra constituida (6) para a realizacao de entrevistas foi heterogenea, intencional e nao probabilistica, composta por profissionais de ambos os sexos, com idades variadas, tipos de vinculo/contrato de trabalho diferenciados, locais de trabalho distintos e caracteristicas sociodemograficas diversas. Dessa forma, foram selecionados profissionais formados apos o ano de 1993, utilizado como demarcador temporal, pois nesse periodo foi implementado um novo Codigo de Etica com novos parametros e referencial teorico, com orientacao teorico-pratica inspirada na tradicao marxista, objetivando posicionar etica e politicamente os profissionais frente aos usuarios das politicas publicas.

No entanto, houve excecoes. Duas entrevistas de pessoas que se formaram em 1984 e em 1990 foram mantidas. Isto porque o perfil destas entrevistadas foi extremamente interessante para a pesquisa: uma contribuiu para a fundacao de um grupo feminista em Goiania; a outra, por sua vez, participou de varias gestoes do Conselho Regional de Servico Social (Cress) em anos anteriores. O ano de 1993 tambem marca a aprovacao da Lei Organica de Assistencia Social (LOAS--Lei no 8.742/93), a regulamentacao da profissao sob a Lei no 8.662/93 e a implementacao de Novas Diretrizes...

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