Embargos Infringentes 'Obrigatórios' no Novo CPC

AutorFlávio Renato Correia de Almeida
CargoProfessor de Direito Processual Civil (Universidade Estadual de Ponta Grossa e na Escola da Magistratura do Paraná). Juiz no Paraná. Mestrando (PUC - São Paulo)
Páginas6-16

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1. Introdução

O sistema recursal brasileiro sempre foi objeto de enorme preocupação, especialmente pela doutrina, mas também por todos os que se interessam pela ativi-dade jurisdicional (tanto aqueles que litigam ou já litigaram, como também a imprensa, sociólogos etc.). Alvo de críticas, algumas delas absolutamente procedentes, já foi apontado como a principal causa da indesejável morosidade processual.

Há muito a doutrina vem expressando essa preocupação, como menciona João Bonumá1:

O que é incompatível com os supremos princípios norteadores da doutrina do processo é a proliferação dos recursos de primeira instância, no curso da preparação da causa e com virtude de interromper a marcha do procedimento, nem a existência de recursos de terceira e quarta ins-tância, com devolução integral do conhecimento do feito, porque esses serão, a despeito dos nomes com que os batizem, recurso de recurso, novas e sucessivas apelações, tão condenáveis como as que entorpeciam o processo medieval e o tornavam tão demorado que, aos litigantes era mais fácil chegar ao fim da vida do que alcançar o termo final da demanda.

Não se trata de exagero. No sistema do revogado código de 1973, com a ampla recorribili-dade das decisões interlocutórias por exemplo, era comum se deparar com processos que se prolon-gavam por anos a fio. Ainda que, por regra, o recurso a elas cabível, o agravo, não tivesse efeito suspensivo, na prática o que se via era a prodigalidade de concessão de efeito suspensivo, e em muitas vezes de molde a "travar" o desenvolvimento procedimental, gerando indesejável e inaceitável demora em se alcançar a efetiva prestação jurisdicional.

É certo que o código revogado sofreu inúmeras alterações (as denominadas "reformas do código"), mas que não foram su-ficientes para impactar significa-tivamente na demora processual. Sobre isso, a sempre respeitável palavra de Humberto Theodoro Júnior2:

Nada obstante toda essa modernização processual, a justiça brasileira continua desacreditada aos olhos da sociedade pela excessiva demora na solução dos litígios. É a dura e lastimável realidade.

Outra crítica, bastante contundente, diz respeito ao número excessivo de espécies de recursos. Com raras exceções, praticamente qualquer provimento jurisdicional era passível de recurso no sistema do código de 1973. E não apenas a quantidade de recursos existentes sempre foi preocupação da doutrina, mas também sua complexi-dade, que, segundo alguns, levava o processo a delongar-se em razão dos meandros procedimentais do sistema.

Entre os recursos que foram alvos de inúmeras críticas, estavam os embargos infringentes, hoje inexistentes. Sua extinção, no novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 13.105, de

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16 de março de 2015 (NCPC), se deve ao objetivo, claramente expressado na exposição de motivos, de dar celeridade ao processo, demonstrando que o legislador, sensível às críticas ao regime anterior, preocupou-se com o sistema recursal, como expressa Cintia Regina Guedes3:

A Exposição de Motivos deixa claro, ainda, que a grande preocupação do legislador em relação ao sistema recursal foi diminuir a sua com-plexidade, simplificando o sistema e resolvendo problemas de ordem prática que impedem a realização dos direitos. Ou seja, ver o processo como "método de resolução dos confiitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais" (Exposição de Motivos do novo CPC).

Todavia, não parece ter sido alcançado tal propósito. Como adiante se exporá, o que ocorreu em relação ao recurso de embargos infringentes foi o oposto, uma vez que, de facultativo, passou a ser "obrigatório".

2. A posição da doutrina acerca dos embargos infringentes

Nas legislações anteriores, e especialmente durante a vigência do código de 1973, os embargos infringentes sempre foi alvo de acirrada discussão na doutrina. Muitos o criticavam como sendo recurso desnecessário ao perfeito funcionamento do sistema recursal. Outros o entendiam como forma de aprimoramento dos julgamentos, ainda que, em parte, contribuísse para o prolongamento dos processos.

A respeito, comentam Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini4:

Os embargos infringentes são recurso cuja subsistência é muito criticada, porque se considera que, pelo menos em parte, a excessiva duração dos processos no Brasil se deve a recursos como esse, sem os quais o sistema poderia tranquilamente sobreviver, como ocorre em outros países, já que os embargos infringentes são um recurso tipicamente luso-brasileiro. Todavia, a experiência tem mostrado sua importância para o aprimoramen-to da prestação da tutela jurisdicional, na exata medida em que permite nova refiexão a respeito das questões trazidas ao tribunal, a partir do voto divergente obtido no julgamento colegiado.

Aliás, a primeira crítica, contundente, foi do próprio Alfredo Buzaid, que não o desejava no código de 1973, mas cuja opinião não foi acatada pelo legislador, como explica Rogério Lauria Marçal Tucci5, em profundo estudo sobre o tema:

Ainda assim, não faltaram críticas sempre no sentido de obstar a tão almejada celeridade processual. No mais, o próprio Alfredo Buzaid apôs claramente opinião contrária na Exposição de Motivos do Anteprojeto de Código de Processo Civil, especi-ficamente nos itens 35 e 36, os quais não constaram da publicação oficial da Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, uma vez que o recurso foi incorporado ao diploma durante a trami tação no Senado Federal.

Para melhor compreensão, aqui se reproduz o pensamento de Alfredo Buzaid, na exposição de motivos acima mencionada6 (os itens 35 e 36 sequer constam na publicação oficial):

A existência de um voto vencido não basta por si só para justificar a criação do recurso; porque pela mesma razão se deve admitir um segundo recurso de embargos sempre que no novo julgamento subsistir um voto vencido; por esse modo pode-ria arrastar-se a verificação do acerto da sentença por largo tempo, vindo o ideal de justiça a ser sacrificado pelo desejo de aperfeiçoar a decisão.

Por aí se vê que a polêmica sobre a necessidade de subsistência dos embargos infringentes não é nova e divide opiniões, como expressa Marcus Vinicius Rios Gonçalves7, escrevendo sob a égide do revogado código de 1973:

Há muito se cogita da supressão desse recurso de entre o rol do art. 496, sob o argumento de que ele implica um retardamento do proces-so. Mas ficou demonstrado que com muita frequência ele é provido, e se preferiu mantê-lo, impondo deter-minados limites, que reduziram seu cabimento.

Vozes respeitáveis da doutrina alteraram seus posicionamentos: se, em determinado momento, o criticavam como recurso desnecessário, posteriormente passaram a entendê-lo aceitável. É o caso de José Carlos Barbosa Moreira8:

Nas três primeiras edições deste livro, enunciamos conclusão desfavorável à sobrevivência dos embargos infringentes. A experiência judicante levou-nos a atenuar o rigor de nossa posição. Passamos a preconizar que se mantivesse o recurso, mas lhe restringisse o cabimento, excluindo-o em alguns casos, como o de diver-gência só no julgamento de preliminar, ou em apelação interposta contra a sentença meramente terminativa, e também o de haver o tribunal confir-mado (embora por maioria de votos) a sentença apelada, à semelhança do que se dava no sistema primitivo do estatuto de 1939, ante do Dec.-Lei 8.570, de 08.01.1946.

Outros doutrinadores, respeitadíssimos, o defendiam abertamente, como Athos Gusmão Carneiro9:

É interessante esse recurso ordinário, atualmente, ao que saibamos, sem similar em direito processual comparado (excelente notícia histórica em Embargos de nulidade e infringentes do julgado, E. D. Moniz de Aragão, São Paulo: Saraiva, 1965). Propondo sua abolição já se manifestara tempos idos, mestre Alfredo Buzaid, ao redigir a Exposição

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de Motivos do atual Código de Processo Civil (1973), referindo no azo que "a existência de um voto venci-do não basta por si só para justificar a criação de recurso". Apesar disso, os embargos infringentes foram, no Código de Processo Civil de 1973, mantidos no elenco dos recursos, no que, em nosso sentir, bem agiu o legislador, não só pela ancianidade venerável dos embargos (e se tanto tempo persistiram, motivos não terão faltado), como, principalmente, por razões de ordem pragmática. Juiz de segundo grau quase vinte anos, a experiência do signatário foi no sentido de que os embargos infringentes, embora o inconveniente de retardar a decisão final, apresentam-se como um recurso com freqüência provido, e cujo julgamento se reveste de mais amplo debate e confronto de posições, sob maior densidade doutrinária.

Bem equacionando a questão, pondera Pedro Miranda de Oliveira10, fazendo sua análise já sob a ótica do NCPC:

Outro ponto é a extinção dos embargos infringentes. Ao que tudo indica, este recurso foi taxado por al-guns como o grande vilão da demora na entrega da prestação jurisdicional. Tal crítica não procede, haja vista sua incidência ser pequena, sobretudo após o advento da Lei 10.352/2001, que delimitou significativamente o seu cabimento. Mais importante é reconhecer que esse remédio recursal cumpre papel de grande importância no ordenamento jurídico pátrio, qual seja, o de dar sobrevida aos votos divergentes nos tribunais, arejando a jurisprudência.

Vê-se, pois, que a supressão dos...

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