Embargos de declaração

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas61-111
Cadernos de Processo do Trabalho n. 25 61
Capítulo VII
Embargos de declaração
1. Antecedentes históricos
Os embargos de declaração não eram conhecidos no direito romano; em
verdade, a origem do instituto é lusitana.
Estava, com efeito, no texto das Ordenações Afonsinas de 1446: “Pero nam
tolhemos, que se o Julguador der alguuma Sentença duvidosa, por ter em sy
alguumas palavras escuras, e intrincadas, porque em tal caso as poder bem
declarar, e interpretar qualquer Sentença por elle dada, ainda que seja denitiva,
se duvidosa for; e nem somente a esse Julguador, que essa sentença deu, mas
ainda o seu sobcessar, que lhe sobcedeo o Ocio de Julguar”.
Essa disposição foi, depois, reproduzida com pequenas nuanças de literali-
dade pelas Ordenações Manuelinas de 1512 (§ 5.º do Título 50) e pelas Filipinas
de 1603, cujo § 6.º do Título 66 estabelecia: “Porém, se o Julgador der alguma
sentença denitiva, que tenha em si algumas palavras escuras e intrincadas, bem
poderá declarar; porque outorgado é por Direito do Julgador, que possa decla-
rar e interpretar qualquer sentença por ele dada, ainda que denitivamente, se
duvidosa for. E não somente a esse Julgador, que a sentença deu, mas ainda ao
que lhe sucedeu no Ofício de Julgar”.
Esclareça-se que a sentença denitiva, várias vezes mencionada pelas Orde-
nações reinóis portuguesas, não correspondia à coisa julgada material (conceituada
pelo legislador moderno como “a autoridade que torna imutável e indiscutível a
decisão de mérito não mais sujeita a recurso” (CPC, art. 502), e sim à sentença não
interlocutória, que era proferida ao nal de cada “instância” judiciária, vale dizer,
era a sentença que punha m ao processo com exame do mérito.
O Assento de 1.º de março de 1783, a propósito, declarou, em interpreta-
ção ao mencionado § 6.º do Título 66 das Ordenações Filipinas, que a sentença
denitiva tornava-se irrevogável após a sua publicação, não podendo o julgador
em consequência, substituí-la por outra, antagônica à anterior. Proibição dessa
ordem é encontrada também no texto das outras Ordenações, valendo reprodu-
zir o que estatuíam as Filipinas: “E depois que o Julgador der uma vez sentença
denitiva em algum feito, e a publicar ou der ao Escrivão, ou Tabelião, para
lhe pr o termo da publicação, não tem mais poder de a revogar, dando outra
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contrária, a segunda ser nenhuma, salvo se a primeira fosse revogada por via de
embargos, tais que por Direito pelo neles alegado ou provado a devesse revogar”.
O teor das disposições transcritas revela que ao tempo daquelas Ordena-
ções lusitanas as hipóteses de solicitação de sentença declaratória se restringiam
às de existência de pontos duvidosos (“se o Julguador der alguma Sentença
duvidosa”) ou obscuros (“ter em sy alguumas palavras escuras, e intrincadas”)
no texto, não se cogitando das eivas de contrariedade e de omissão previstas
pelos modernos códigos processuais.
No direito brasileiro incipiente vamos localizar os embargos de declaração
(já então com perl mais próximo do que caracteriza o instituto na atualidade)
no famoso Regulamento n. 737, de 25 de novembro de 1850, que dispunha: “Os
embargos de declaração só terão lugar quando houver na sentença alguma
obscuridade, ambiguidade, ou contradição, ou quando se tiver omitido algum
ponto sobre que deveria haver consideração” (destacamos). Os pressupostos de
admissibilidade dos embargos declaratórios, como se constata, foram amplia-
dos pelo Regulamento n. 737, comparativamente àqueles contemplados pelo
texto das Ordenações reinóis. Esse Regulamento era, em rigor, o Código de
Processo Comercial que o Governo Imperial fez publicar em 1850, juntamente
com o Código Comercial, este ainda em vigor. Desta maneira, na época, as causas
comerciais eram regidas pelo Regulamento n. 737, ao passo que as causas civis
continuaram a ser disciplinadas pelas Ordenações. Proclamada, porém, a Repú-
blica, o Governo Provisório, por intermédio do Decreto n. 763, de 19 de setem-
bro de 1890, determinou que o referido Regulamento fosse também aplicado às
causas civis, com o que restabeleceu a primitiva unidade processual.
Dos embargos declaratórios cuidou, igualmente, o Decreto n. 3.083, de 5 de
novembro de 1858 (Parte III, arts. 682, 683 e 687).
Embora com um tratamento inadequado, a matéria de embargos estava
também inserida na “Praxe Brasileira” de Joaquim Inácio Ramalho, de 1869,
que a ela não dispensou mais que breves linhas: “Quando se dirigirem a fazer
declarar a sentença que omitiu algum ponto, ou se acha escura, duvidosa, ou
contraditória”.
A Constituição republicana de 1891, por seu art. 34, n. 23, combinado com
o art. 65, n. 2, atribuiu competência aos Estados-membros para legislarem sobre
direito processual. Em razão disso, os embargos de declaração foram introduzi-
dos no texto dos diversos Códigos estaduais; dentre eles, o do Rio Grande do Sul
(Lei n. 15, de 16-1-1908, art. 510); o da Bahia (Lei n. 1.121, de 21-8-1915, arts. 1.239
a 1.241); o Código de Processo Civil e Comercial de Minas Gerais (arts. 1.439 a
1.441); o do Distrito Federal (Dec. n. 16.752, de 31-12-1924, art. 1.179); o de São
Paulo (Lei n. 2.421, de 15-1-1930, art. 335); o do Rio de Janeiro (Lei n. 1.580, de
20-1-1919, art. 2.333); o de Pernambuco (arts. 1.434 a 1.438); o Código Judiciário
de Santa Catarina (art. 1.385); o do Ceará (art. 1.401); o do Paraná (Lei n. 915,
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de 23-12-1920, arts. 697 e 756). Observa Alcides de Mendonça Lima (“Intro-
dução aos Recursos Cíveis”, São Paulo: Edit. Rev. dos Tribs., 1974, pág. 35)
que o Código paranaense não é de 1892, conforme armou Eliézer Rosa, pois
naquela data o que ocorreu foi mera “autorização legislativa para ser elabo-
rado o Código, que nunca se concretizou”. Somente em 1920 é que o Código
de Processo Civil e Comercial do Paraná veio a lume.
O Texto Constitucional de 1934, entretanto, reservou à União a compe-
tência exclusiva para legislar sobre direito processual, pondo m, com isso, à
competência que era atribuída aos Estados-membros.
Conseguintemente, o Governo Federal editou o Decreto-Lei n. 1.608, de 18
de novembro de 1939, instituindo o primeiro código processual unitário.
Após viger por mais de três décadas, o Decreto-Lei n. 1.608/39 foi revogado
pela Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que instituiu um novo CPC, no qual
os embargos declaratórios se encontram regidos pelos arts. 535 a 538. Posterior-
mente, vem à tona outro CPC (Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015), que cuida
dos embargos declaratórios nos arts. 1.022 a 1.026).
2. Os embargos de declaração na CLT
Até o advento da Lei n. 2.244, de 23 de junho de 1954, não havia no corpo
da CLT qualquer referência à gura de que estamos a tratar. É de lembrar-se que
essa Lei deu redação, dentre outros artigos, ao 702, II, e § 2.º, “d”, estabelecendo
serem oponíveis tais embargos aos acórdãos proferidos pelo Pleno ou pelas
Turmas do TST. Esse artigo, porém, foi revogado pela Lei n. 7.701, de 21 de
dezembro de 1988 (arts. 2.º, II, “d”; 3.º, III, “d”; 5.º, “d”).
Por evidente deslize técnico, entretanto, o legislador somente previu o cabi-
mento dos embargos declaratórios a acórdãos proferidos pelo TST, silenciando
quanto à possibilidade de utilização dessa medida em relação às decisões profe-
ridas pelo Tribunais Regionais e pelas Varas do Trabalho. Essa omissão, como
era de se esperar, rendeu ensejo ao surgimento de dúvida, mais ou menos gene-
ralizada, no âmbito da doutrina trabalhista quanto ao cabimento dos embargos
de declaração no âmbito do primeiro e segundo graus de jurisdição. Superada,
no entanto, essa fase inicial de compreensível hesitação, rmou-se a doutrina no
sentido de admiti-los para todos os pronunciamentos jurisdicionais desta Justiça
Especializada, pouco importando qual fosse o grau de jurisdição a que perten-
cesse o órgão emissor.
A Lei n. 2.244/54 limitou-se, todavia, a introduzir na CLT a gura dos
embargos declaratórios sem cuidar – como seria desejável – de sistematizá-la e
de estabelecer o correspondente procedimento; com isso, permitiu a aplicação
supletiva das normas do processo civil concernentes à matéria, do que decor-
reu, por sua vez, o surgimento de controvérsias acerca da compatibilidade de

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