A Emancipação Pedagógica de Jacques Rancière e o Teatro do Oprimido como re-partilha do sensível

AutorPedro Augusto Boal Costa Gomes - Josaida de Oliveira Gondar
CargoMestrando no Programa de pós-graduação em Memória Social na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil - Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Páginas192-208
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2015v12n1p192
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
A EMANCIPAÇÃO PEDAGÓGICA DE JACQUES RANCIÈRE E O TEATRO DO
OPRIMIDO COMO RE-PARTILHA DO SENSÍVEL
Pedro Augusto Boal Costa Gomes
1
Josaida de Oliveira Gondar
2
Resumo:
O objetivo deste artigo é mostrar como as teorizações sobre pedagogia,
emancipação intelectual, estética e política de Jacques Rancière podem servir de
base para entender o Teatro do Oprimido como uma forma de “re-partilha” do
sensível na sociedade contemporânea. As práticas do Teatro do Oprimido, dispostas
a promover uma emancipação social e política através de recursos estéticos, podem
também renovar as próprias formas de apropriação sensível, bem como os recortes
pertinentes a essa apropriação. A pressuposição da “igualdade das inteligências”,
aliada aos muitos mecanismos que conferem ao oprimido os meios de produção da
arte, será exposta aqui como voz facultada a responder aos desafios
contemporâneos da emancipação política. O artigo visa articular uma
interdisciplinaridade, tendo em vista que trabalha com concepções da política,
filosofia, teatro e educação.
Palavras-chave: Teatro. Oprimido. Boal. Rancière. Emancipação
1 INTRODUÇÃO
2 JACOTOT E A EXPERIÊNCIA DO “ENSINO UNIVERSAL”
Jacques Ranciére (2013), em busca de exemplificar com a devida exatidão
suas ideias sobre a emancipação intelectual, evoca a trajetória e a obra de um
professor francês chamado Joseph Jacotot, em O Mestre Ignorante. Este pedagogo,
nascido na França e tendo vivido no início do século XIX, possuiu uma posição
intelectual deveras excêntrica. Foi autor de um método pedagógico intitulado “Ensino
Universal” (p.38) que propunha a total perda de hierarquias entre mestre e aluno,
1
Mestrando no Programa de pós-graduação em Memória Social na Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: pedroaugustoboal@gmail.com
2
Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, doutorado sanduíche
na Université Paris VII, França e pós-doutorado em Psicologia pela Universidad de Deusto, Espanha.
Professora associada da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ,
Brasil. E-mail: jogondar@uol.com.br
193
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.12, n.1, p.192-208, Jan-Jun. 2015
subvertendo as concepções tradicionais promotoras de uma pedagogia tida por ele
como estagnante.
O “Ensino Universal”, tal como entendido por Rancière, propõe que o mestre
pode ensinar aquilo que ele mesmo não sabe. Ou seja, pode fazer com que o aluno
construa por si mesmo as prerrogativas e mecanismos de seu aprendizado. Há,
logicamente, a ruptura com o preceito tradicional de que o conhecimento pode ser
transmitido tal como é em si mesmo, ou melhor, de que o conhecimento é um objeto
a ser entregue pelo mestre ao aluno na forma pela qual foi originalmente concebido.
Para esta vertente de pensamento, embrutecedora aos olhos de Rancière, foi
designada a alcunha de “O Velho” (p.34). “O Velho” não é nada mais do que a
personificação das mentalidades retrógradas e embrutecedoras, capazes de
estancar o fluxo de pensamento e criatividade necessários ao aprendizado
verdadeiro. Como fica evidente pelo que foi mostrado acima, o aprendizado
verdadeiro, para Rancière e Jacotot, é inextrincavelmente um processo criativo.
“O Velho” enseja uma concepção “explicadora” (p.20) do mundo, que se
estenderia da família à escola. Esta concepção pressuporia igualmente uma
desigualdade e uma distância. Uma desigualdade das inteligências que legitima a
transmissão de algo não construído pelo aluno que, afinal, não teria mesmo muitas
capacidades para fazê-lo; e uma distância necessária para que o professor,
enquanto explicador, não seja afetado pelo processo de aprendizado do aluno,
fazendo com que somente o aluno seja modificado neste mesmo processo em
função de verdades pré-moldadas. A suposta incapacidade que o aluno teria de
apreender determinado conteúdo não mais aparece como um problema a ser
resolvido por uma metodologia pedagógica, mas torna-se a “ficção estruturante”
(p.23) de um sistema falho de ensino e que é, segundo Rancière, bastante atual.
Enquanto concepção pedagógica (e de mundo), “O Velho” é designado po r
Rancière como “embrutecimento” (p.24). O “embrutecimento” seria, para o autor,
uma categoria oposta à de emancipação: ele se refere ao intelecto condicionado a
receber verdades prontas, refratário às mudanças de concepção e desacostumado
ao agir criativo característico e necessário ao sujeito emancipado. Para exemplificar
estas categorias é necessário acessar diretamente a experiência de ensino
praticada por Jacotot e sorvida como exemplo por Rancière para enaltecer a
potencialidade emancipatória da criatividade. Esta experiência de ensino foi, mais
particularmente, uma experiência de tradução.

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