Emancipacao por meio do direito?

AutorHolzleithner, Elisabeth

Emancipacao por meio do direito?

O direito e muito visado pelos movimentos sociais. Hoje em dia, lutas por reconhecimento (1) nao sao travadas apenas nas ruas e em projetos de resistencia. Cada vez mais, sao deslocadas para o interior do lobby na producao legislativa e para o interior das salas dos tribunais. Intervencoes juridicas devem impulsionar a emancipacao de grupos desfavorecidos. O direito e, finalmente, um significativo meio de controle da sociedade: e democraticamente legitimado, comprometido com a observancia dos direitos humanos e e imposto de forma institucionalizada, o que constitui seu poder especial. Da aplicacao do direito sao esperadas mudancas justificadas e sustentaveis. As reflexoes a seguir ponderam se essas esperancas sao legitimas.

O apelo ao direito: uma esperanca cetica

0 recurso ao direito pode ser observado tanto no plano nacional como no internacional. Um bom exemplo disso e o movimento "direitos das mulheres sao direitos humanos". Direitos sao compreendidos por suas protagonistas como uma linguagem universal, da qual as mulheres se apropriam e que podem aplicar para a melhoria de sua situacao. A Convencao dos Direitos das Mulheres da ONU, ainda que nao tao observada em contexto nacional, e um importante, potencialmente poderoso impulsionador para tais reformas. (2) Seus amplos dispositivos possuem carater de resposta a um mundo, no qual a diferenca entre sexos ainda e concebida e explorada em detrimento das mulheres. (3) Outras caracteristicas sao tratadas de forma analoga, como origem etnica, classe ou orientacao sexual: violencia, exploracao e marginalizacao social e economica permanecem, como sempre, na ordem do dia. Frente a essa realidade, destacou Wendy Brown, seria impossivel nao querer um direito emancipatorio. (4)

Mesmo o passo feminista em direcao ao direito foi realizado, no entanto, com uma grande porcao de ceticismo, se seria possivel, de fato, alcancar nele um aliado util. (5) Um ponto de vista feminista classico critica o direito enquanto fenomeno de exercicio de poder masculino, que se condensa no sistema juridico e se auto legitima. Quaisquer esforcos por reforma juridica se deparam com o problema de que todas as mudancas proporcionadas por meio do direito devem permanecer imanentes ao seu sistema. Direitos nao superam nem a ordem estabelecida, nem seus mecanismos de reproducao, pois cada direito, mesmo aquele que alguem possui contra o Estado, representa, ao mesmo tempo, um empoderamento do Estado. (6)

Esse Estado e o seu direito possuem, seja quanto ao conteudo, seja quanto a estrutura, uma inclinacao. Por tras de cada norma, que formalmente deve ser aplicada de igual maneira, existem figuras tipicas, que sao tipicamente masculinas, brancas, heterossexuais e nativas. As normas juridicas sao adaptadas conforme suas necessidades, uma vez que sao estes que possuem a maioria nos orgaos que decidem sobre a promulgacao e aplicacao das normas juridicas. Isso representa um enorme obstaculo para todas as tentativas de exigir, por meio do direito, a mesma liberdade para todos os que fazem parte de grupos socialmente desfavorecidos.

Niveis de intervencoes emancipatorias

Para demonstrar os problemas relacionados a essa questao, ha, a principio, tres formas a serem diferenciadas por meio das quais o direito tenta impulsionar a emancipacao de grupos desfavorecidos. A primeira acontece quando o direito revoga discriminacoes juridicas para produzir igualdade formal. Que tais atos juridicos sao necessarios, raramente se discute. (7) No entanto, algumas vezes se questiona se um tratamento juridico desigual representaria uma forma legitima de lidar com as diferencas existentes ou se deveria ser considerado uma discriminacao ilegitima. A questao e controversa quanto ao direito ao casamento de casais do mesmo sexo. Enquanto alguns tribunais veem, na falta de tal possibilidade, uma discriminacao (como recentemente a Suprema Corte da California em sua decisao nos "Marriage Cases" (8)), ainda e adotada corriqueiramente uma interpretacao restritiva, a qual restringe o matrimonio (9) a uma interpretacao heterossexual do direito previsto nas diversas declaracoes de direitos humanos e catalogos de direitos basicos. (10)

O segundo nivel trata da ampliacao da exigencia de tratamento igual para todos ao nivel horizontal, o que significa tambem que individuos privados sao proibidos de discriminar. (11) Por exemplo, proibicoes de discriminacao devido ao sexo sao formuladas de forma neutra em relacao ao proprio sexo, podem ser direcionadas a favor nao apenas das mulheres, mas tambem dos homens, transexuais, (12) e intersexuais. (13) Proibicoes de discriminacao especificas se associam a gravidez e a maternidade e protegem, segundo a compreensao dos dias de hoje, exclusivamente pessoas do sexo feminino. (14) Da mesma forma, neste nivel de regulacao, sao estabelecidos dispositivos que devem proteger contra tipos especificos de violencia, seja no ambiente domestico (como violencia domestica, principalmente contra mulheres e criancas (15)) ou violencia direcionada a pessoa simplesmente pelo fato de que esta (aparentemente) pertence a determinados grupos (por exemplo, homossexuais ou membros de grupos etnicos). (16)

Por fim, em um terceiro nivel, encontram-se as normas que preveem as reivindicacoes dos membros de grupos desfavorecidos. (17) Dentre essas estao, por exemplo, os sistemas de quotas...

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