Em defesa de uma criminologia da libertação animal

AutorAdrian Barbosa E Silva
CargoDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) em período sanduíche (bolsa PDSE/CAPES) no Dipartimento di Scienze Giuridiche da Università di Bologna (UNIBO, Itália)
Páginas82-105
Revista Brasileira de Direito Animal, e-issn: 2317-4552, Salvador, volume 14, numero 02, p. 82-105, Mai-Ago 2019
82
82
Adrian Barbosa e Silva
Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará
(UFPA) em período sanduíche (bolsa PDSE/CAPES) no
Dipartimento di Scienze Giuridiche da Università di Bo-
logna (UNIBO, Itália). Mestre em Direito pela Universida-
de Federal do Pará (UFPA) e Mestrando em Sociologia Ju-
rídico-Penal pela Universitat de Barcelona (UB, Espanha).
Especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto
de Criminologia e Política Criminal (ICPC). Professor da
Graduação e da Pós-Graduação do Centro Universitário
do Estado do Pará (CESUPA) e da Graduação da Facul-
dade Estácio do Pará (FAP). Coordenador do Grupo Ca-
bano de Criminologia. Advogado Criminalista. E-mail:
adrian_abs26@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/7970641455074001
EM DEFESA DE UMA CRIMINOLOGIA DA LIBERTAÇÃO ANIMAL1
In defense of an animal liberation criminology
Recebido:10.01.2019 Aceito: 30.03.2019
Resumo: Ao resgatar o debate teórico sobre o criticismo, o estudo se propõe a situar a rejeição
do debate criminológico com relação à questão animal, problemática situada no eixo estrutu-
ral capitalista, a despeito dos avanços cientícos provenientes com a apropriação do referente
material. Buscando a adequação do objeto de análise, para além da noção de crime, propõe-se a
incorporação da categoria heurística do dano social (social harm), desenvolvida nas mais recentes
investigações em sociologia jurídico-penal, como forma de se refundar epistemologicamente a
lupa de análise e, a partir dessa nova ferramenta, visibilizar violências invisibilizadas no contex-
to atual. Dessa forma, se gênero, raça e classe constituem hoje variáveis imprescindíveis para a
reconstrução de um saber emancipatório sobre a questão criminal, fundamental que, no exercício
da autocrítica (atividade inerente ao pensamento crítico), o saber criminológico incorpore proble-
matização sobre a variável espécie, particularmente quanto ao especismo e seus desdobramentos
nas relações de poder. Assim, visando a consolidação de um novo campo de análise para o debate
brasileiro, a hipótese sustentada, com base nas criminologias alternativas (em especial, a green
criminology), é a de que a criminologia de matriz crítica precisa ir além, se comprometendo não
apenas com a libertação humana, mas também com a libertação animal.
PalavRas-chave: Criminologia crítica; especismo; dano social; green criminology; libertação ani-
mal.
abstRact: In recovering the theoretical debate on criticism, the study proposes to situate the
rejection of the criminological debate regarding the animal question, problematic situated in the
capitalist structural axis, in spite of the scientic advances coming from the appropriation of the
material referent. Seeking the adequacy of the object of analysis, in addition to the notion of crime,
it is proposed to incorporate the heuristic category of social harm (social harm), developed in the
Il cambiamento necessario è talmente profondo che si dice sia
impossibile, talmente profondo che si dice sia inimmaginabile.
Ma l’impossibile arriverà e l’inimmaginabile è inevitabile. Del
resto cosa era più impossibile e più inimmaginabile, la schia-
vitù o la ne della schiavitù? Il tempo dell’animalismo è quel-
lo dell’impossibile e dell’inimmaginabile. Questo è il nostro
tempo: l’unico che ci rimane” (Paul B. Preciado, Manifesto
animalista, Internazionale, 1 ottobre 2014).
83
83
Revista Brasileira de Direito Animal, e-issn: 2317-4552, Salvador, volume 14, numero 02, p. 82-105, Mai-Ago 2019
Adrian Barbosa e Silva
most recent investigations into criminal-legal sociology, as a way to refound epistemologically
the magnifying glass of analysis and, from this new tool, to make visible invisible violence in the
current context. Thus, if gender, race and class constitute essential variables for the reconstruc-
tion of an emancipatory knowledge on the criminal question, fundamental that, in the exercise
of self-criticism (activity inherent in critical thinking), the criminological knowledge incorporates
problematization on the species variable, particularly with regard to speciesism and its unfolding
in power relations. Thus, in order to consolidate a new eld of analysis for the Brazilian debate,
the hypothesis based on alternative criminologies (in particular, green criminology) is that crimi-
nology of critical matrix needs to go beyond, not compromising only with human liberation, but
also with the animal liberation.
KeywoRds: Critical criminology; speciesism; social harm; green criminology; animal liberation.
sumáRio: 1. Introdução: breve recapitulação teórica sobre a reconstrução de um saber crítico sobre
a questão criminal – 2. Consolidação, fragmentação e heterodenição do objeto criminológico – 3.
Da criminologia da libertação humana à criminologia da libertação animal: a hipótese da green
criminology e do dano social – 4. Conclusão – 5. Referências bibliográcas.
1 intRodução: bReve RecaPitulação teóRica sobRe a ReconstRução de um sabeR cRítico
sobRe a questão cRiminal
Conforme sustentado pelas investigações contemporâneas sobre a história crítica da
questão criminal2, o percurso dos saberes e das narrativas sobre o crime e o controle penal
não se desenvolve de forma cronológica, linear e progressiva. Pensar dessa forma implica-
ria, necessariamente, incorrer no vício metodológico que ignora a complexidade que é pró-
pria da atividade historiográca. Nesse sentido, a própria criminologia, tal qual qualquer
outro saber, não pode ser analisada a partir dessa premissa em vista das constantes ruptu-
ras e permanências presentes em seu desenrolar político, cientíco, teórico e metodológico,
conforme as especicidades situacionais do local de sua programação discursiva.
Não à toa, na esteira da estratégia de leitura da questão criminal a partir do curso de
seus discursos, Zaffaroni compreende a criminologia como saber e arte de despejar perigos dis-
cursivos3, isto é, sustenta que os discursos criminológicos não são neutros e assépticos, mas
politicamente forjados, implicados e direcionados, e, portanto, convivendo em constante
tensão, devendo assim, sem ingenuidade, serem compreendidos. Além do mais, é funda-
mental perceber que, ao m e ao cabo, o saber criminológico, através de seus vocábulos
estruturantes, propicia um conjunto de “articulações discursivas nas quais tramitam (...)
racionalidades, programas e tecnologias governamentais sobre a questão criminal”4.
A partir desse terreno de análise, tendo-se por base a retomada do limiar do último
século no recorte do mundo ocidental, é possível constatar o predomínio de um discurso
criminológico tornado ocial, tanto na realidade de países centrais (Europa e Estados Uni-
dos) quanto na conjuntura do sul global (América Latina), notadamente de caráter causal-
-positivista que, não obstante, passa a ser contrastado a partir da década de 60, e com maior
força na década de 70, pela insurgência de um conjunto de abordagens heterogêneas que
conformaram uma certa unidade contestatória às formas institucionais de controle social
(controle centralizado no sistema de justiça penal e suas respectivas agências), buscando
romper com modelos consensuais de sociedade e pensar a questão criminal com base no
paradigma do conito e da reação social, sobretudo a partir da sociologia interacionista e
fenomenológica norte-americana e do referente materialista dialético, condições de possibi-

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT