Em defesa dos direitos humanos do trabalhador na era da globalização

AutorOcélio de Jesús Carneiro de Morais
Páginas135-142

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1. Introdução

O problema de estudo desse artigo é a defesa dos direitos humanos do trabalhador na Era da globalização, justificado basicamente por dois fatores: um, a crescente eliminação dos postos formais de trabalho como efeito da globalização econômica; outro, a monetização utilitarista dos direitos humanos do trabalhador em subs-tituição à ideia gênesis do princípio informador desses direitos, a garantira jurídica de sua inviolabilidade.

Objetiva-se oferecer elementos técnicos à compressão do problema dos direitos humanos do trabalhador e apresentar proposições que possam contribuir ao fortalecimento das garantias jurídicas ao exercício desses direitos e de outros direitos humanos sociais do trabalhador que venham a ser reconhecidos.

Para cumprir essa tarefas, três temas compõem a estrutura do artigo: direitos humanos e direitos humanos do trabalhador; sistema internacional de proteção aos direitos humanos do trabalhador e direito brasileiro, e defesa dos direitos humanos do trabalhador na era da globalização.

O método da pesquisa é teórico, balizado por um referencial teórico legislativo, jurisprudencial e dados panorâmicos da realidade envolvente do problema da proteção dos direitos humanos do trabalhador na atualidade.

2. Desenvolvimento
2.1. Direitos humanos e direitos humanos do trabalhador

Pelos campos e rios amazônicos, lá estão trabalhadores da pesca, da agricultura, da agropecuária e da lavoura. Pelas cidades, arguem-se prédios, constroem-se vias e sistemas de transportes, e as cidades são funcionais pelas mãos operárias. Os Estados-nações abrem suas fronteiras e nelas circulam trabalhadores em busca do trabalho.

O mundo gira em torno do trabalho humano – do trabalho rústico ao tecnológico. E assim as sociedades humanas se organizam e se desenvolvem, pelas mãos do trabalho humano.

A pessoa humana e o trabalho são indissociáveis. São unos para o primeiro, último e principal significados da integração digna do indivíduo na vida social. Essa integração é lógica porque, como já afirmou Durkheim (2010, p. 88), “a sociedade não está ausente dessa esfera jurídica [...]”, visto que “o direito é uma coisa social por excelência e tem um objeto bem diferente dos interesses dos litigantes”.

Assim, o trabalho humano é objeto do direito, porque este lhe confere a proteção jurídica como algo inerente à regulação da própria estrutura social.

De regra geral, então, são os direitos a principal garantia dessa unicidade pessoa humana e trabalho, pois os direitos ocupam e preenchem os espaços desprotegidos, além de cumprirem a tarefa sociojurídica de ordenar o que deve ser ordenado.

E na ambiência restrita do complexo do mundo do trabalho, os direitos são categorias jurídicas que assumem o papel emancipatório da condição social diante das desigualdades geradas pela falta de valorização plena do trabalho humano, pela má distribuição salarial e pelas consequências do meio ambiente do

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trabalho inseguro, que retiram do trabalhador a fruição justa e digna dos frutos do seu trabalho – questão última que, por certa medida, remete ao princípio do proveito do trabalho, que Eclesiastes (Cap. 3, v. 9) já questionava diante da exploração do trabalho humano no regime macedônico dos Ptolomeus do Séc. III
a.C: “Que proveito tem o trabalhador naquilo em que trabalha?”.1

No regime macedônico dos Ptolomeus identifica-se a remota raiz do princípio do trabalho humano digno e da fruição justa dos frutos do trabalho, princípio incorporado à estruturação dos direitos humanos do trabalhador na contemporaneidade.

Mas essa principiologia não é encontrada nos modelos econômicos relevantes que a humanidade construiu na Antiguidade Clássica e na Idade Média.

E mesmo na era atual da globalização econômica hegemônica – com o seu o fog jurídico e subordinação estrutural do trabalhador2 – a ideia dos direitos do trabalhador como princípio de dignificação humana sofre restrição por força da crescente concepção da monetização indenizatória empregada aos fundamentos dos direitos dos trabalhadores em detrimento da ideia dos direitos humanos como base dos princípios de uma sociedade decente e justa.

A ideia da monetização dos “direitos humanos fundamentais”3 está ligada à necessidade de que “os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito” e ainda como freio “para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”, (DUDH, Preâmbulo, 1948). Isto é, o Estado, com o objetivo de proteger os direitos humanos, institui leis e tribunais judiciais que assegurem “remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei” (DUDH, art. 8º).

O “remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais” é justificado como princípio ou objetivo de “assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.” (DUDH, § 2º, art. 29). Por isso, o “remédio efetivo” traz como corolário a imposição sancionatória lícita, legítima e justa.

Desse modo, a partir da DUDH, a ideia sancionatória tem por princípio a garantia dos direitos humanos fundamentais. Portanto, esse é o princípio protecionista e garantista dos direitos humanos dos trabalhadores na era moderna.

Note-se que dos direitos humanos matrizes (inviolabilidade à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança) reconhecidos na DUDH, inspirada no espírito iluminista da Declaração francesa de Direitos do Homem e do Cidadão (Séc. XVIII), nasce e sedimenta-se a ideia do discurso universalizante de que “o reconhecimento da dignidade humana e de seus direitos iguais e inalienáveis” constituem “o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (DUDH, 1948).

Inexistirão, portanto, direitos humanos do trabalhador sem o reconhecimento dos direitos humanos lato sensu fundados na dignidade humana e dos direitos da igualdade.

Assim, o trabalho livre, a saúde, a proteção previdenciária, o emprego digno e em condições justas, igual remuneração por igual trabalho, o repouso, o lazer e férias remuneradas são enunciados como direitos humanos universais do trabalhador, conforme podem ser constados nos arts. 23, 24 e 254 da DUDH.

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Por isso mesmo que os direitos humanos do trabalhador, reconhecidos pela DUDH, são direitos de ín-dole social, porque são ferramentas de inclusão social.

Esse princípio relativo ao trabalho livre, que é corolário do trabalho seguro, a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH – Pacto de San José da Costa Rica – 1969)5 transforma numa espécie de plataforma humanitária contra o trabalho ou serviço escravo, a servidão e o trabalho forçado de qualquer natureza, ao mesmo tempo em que declara que o exercício dos direitos fundamentais da pessoa humana, entre eles, o direito a saúde, não pode ser restringido pela lei.6

Por essa conjugação do valor do trabalho humano com os direitos ao trabalho e aos frutos do trabalho, é seguro sustentar que os direitos humanos do trabalhador são espécies do gênero direitos humanos, mas, estes – para além da ideia utilitarista adotada por alguns modelos de sociedades não democráticas – são concebidos, como já disse Santos (2013, p. 13) “como princípios reguladores de uma sociedade justa”.

Nessa perspectiva, os direitos humanos do trabalhador também são tomados como princípios estruturais das relações laborais saudáveis e seguras na contemporaneidade, isto é, se contrapõem ao retoricismo das políticas de mercado antissociais da globalização econômica hegemônica, e assumem o papel garantista à efetividade do princípio da dignidade humana.

Mas como se relacionam os direitos humanos do trabalhador reconhecidos pela ordem jurídica internacional com a ordem de direitos do sistema jurídico brasileiro? E como esses direitos assumem tarefa de garantista à efetividade do princípio da dignidade humana?

É o que se verá a seguir.

2.2. Sistema internacional de proteção aos direitos humanos do trabalhador e o direito brasileiro

Os direitos humanos do trabalhador no sistema jurídico internacional são colocados, sob o ponto de vista jurídico, como garantias individuais, coletivas e difusas inerentes à dignidade humana.

Assim está assegurado pela DUDH, quando declara que, de modo geral, “Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados” (DUDH, art. 28); na CADH, quando proíbe o trabalho escravo, a servidão, o trabalho forçado, o tráfico de escravo7, e pelos tratados e convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com efeitos vinculantes aos países-membros que os ratificam8, específicos à garantia e à proteção do trabalho humano.

Trata-se de sistema que não exerce controle pecuniário, nem judicial, apenas controle moral em relação aos Estados-membros, até porque a concepção e existência desses órgãos vincula-se à necessidade cooperação recíproca para integração das normas internacionais relativas aos direitos humanos em geral (civis, políticos, religiosos, culturais) e, em específico, aos direitos humanos do trabalhador (os direitos sociais decorrentes do trabalhado humano, por exemplo, previdência, saúde, assistência à velhice, trabalho seguro e saudável etc.).

Os tratados, convenções, recomendações são os principais marcos regulatórios desse sistema. Os tratados, convenções, que não são aprovados e ratificados pelo Estado-membro, adquirem a natureza de fonte

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material ao Direito internacional e ao Direito nacional...

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