Elementos normativos posteriores ao julgamento da negociação coletiva dos servidores pelo Supremo Tribunal Federal

AutorAlessandra Damian Cavalcanti
Páginas63-85

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Após o julgamento da ADI n. 492, ocorrido em 1992, surgem novos elementos normativos relacionados à temática da negociação coletiva no âmbito do serviço público que merecem uma análise, pois trazem novos dados e paradigmas para a discussão. Neste terceiro capítulo, analisar-se-á como o cenário jurídico e a realidade social foram alterados em razão destes elementos e de que forma afetam a questão da compreensão da negociação coletiva no serviço público.

A Emenda Constitucional n 45/2004

A Emenda Constitucional n. 45/2004, com as alterações constitucionais promovidas no que tange à competência da Justiça do Trabalho, remete ao tema da negociação coletiva e repercute no setor público. O dissídio coletivo constitui forma de solução de conlitos trabalhistas coletivos, frustradas a negociação coletiva e a arbitragem, busca-se na esfera judicial a decisão para o conlito.158

Destaca-se, de início, que a Emenda Constitucional n. 45 surge em um contexto político e social em que se evidenciavam dados sobre morosidade e ineicácia de decisões judiciais — tomadas depois de longuíssimos anos de tramitação dos processos — demonstrando que essa demora na prestação jurisdicional é causa de atrasos no desenvolvimento nacional, desestimula investidores, não garante efetivamente os direitos dos cidadãos e prejudica a democracia.159A Emenda Constitucional n. 45/2004 promoveu então significativas mudanças no Poder Judiciário, em especial na Justiça do Trabalho, com a ampliação de sua competência, em razão da alteração no art. 114 da Constituição Federal.160

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Para Amauri Mascaro, as modificações introduzidas pela Emenda Constitucional n. 45/2004 atenderam a:

[...] um imperativo de coerência do sistema como um todo, porque havia dispersão da competência fracionada e agora unificada da Justiça do Trabalho, tanto para questões de direito individual como de direito coletivo, quando antes muitas destas eram coniadas ao Judiciário Comum.161

Conforme previsão constitucional, o dissídio coletivo constitui a forma de resolução dos conlitos, após a tentativa prévia de negociação coletiva. A negociação coletiva é o caminho primeiro, nas sociedades democráticas, para as soluções dos conlitos oriundos da relação de trabalho, pois é anterior ao dissídio coletivo e à greve.

Assim, com a alteração promovida pela Emenda Constitucional n. 45/2004 ocorre uma necessidade de reexaminar o tema da negociação coletiva. Para Enoque Ribeiro dos Santos, a Emenda Constitucional n. 45/2004 privilegia a negociação coletiva de trabalho e sobre o poder normativo dos tribunais destaca:

É nosso entendimento que o poder normativo deva ser aperfeiçoado no sentido de se restringir à interpretação de normas e cláusulas dos instrumentos coletivos de trabalho e julgamento de lides eminentemente jurídicas, remetendo à negociação coletiva de trabalho os conlitos de natureza econômica, envolvendo salários, condições de remuneração, pacotes de benefícios e produtividade.162

Nítida a intenção do legislador em fortalecer e ampliar o alcance da negociação coletiva com a nova redação dada ao parágrafo segundo do art. 114 da Constituição Federal, ressalvando expressamente que deverão ser respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.163

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Ademais, o texto anterior previa expressamente que competia à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre “trabalhadores e empregadores”. Um dos obstáculos apontados pelos ministros no julgamento da ADI n. 492/DF foi justamente que a previsão contida na alínea “e” do art. 240 da Lei n. 8.112/90, quando previu o direito de ajuizamento de dissídio individual e coletivamente frente à Justiça do Trabalho, teria ofendido ao art. 114 da Constituição Federal que não contemplava esse tipo de dissídio, pois o entendimento predominante era de que o referido artigo — com a redação vigente em 1992, quando ocorreu o julgamento da ADI n. 492/DF — apenas dizia respeito aos dissídios pertinentes aos trabalhadores, ou seja, para aqueles regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e não aos servidores regidos pelo regime estatutário. Consignou-se, no julgamento, que a Constituição Federal distingue o trabalhador do servidor público, por isso tratou dos trabalhadores da inciativa privada e dos servidores públicos em separado e atribuiu a cada categoria direitos e obrigações diferentes.164

O Ministro Carlos Velloso destacou que, em relação à redação do art. 114 da Constituição Federal, que estava em vigor na época, trabalhador é, em regra, o que mantém relação de emprego e empregador é, em regra, o ente privado, compreendendo que pode haver, no serviço público, trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas e o Poder Público, neste caso, será o empregador e assevera:

À Justiça do Trabalho compete, pois, conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, incluídos entre estes os entes de direito público externo e interno. Quer dizer, conciliará e julgará os dissídios entre trabalhadores e empregadores. Se, conforme vimos de ver, o conceito de trabalhador não é o mesmo de servidor público, a Justiça do Trabalho não julgará dissídios de servidor público.165

Ainda que a competência da Justiça do Trabalho tenha sido ampliada com a Emenda Constitucional n. 45/2004, a interpretação do novo dispositivo icou a cargo do Supremo Tribunal Federal, que se pronunciou acerca do tema em diversos processos, em especial, na ADI n. 3.395, cuja liminar foi dada pelo Ministro Nélson Jobim, suspendendo ad referendum toda e qualquer interpretação dada ao inciso I, do art. 114 da Constituição Federal, na redação dada pela EC n. 45/2004 que inclua na competência da Justiça do Trabalho as ações entre servidores públicos regidos pelo regime estatutário e o Estado.

O Supremo Tribunal Federal entendeu que a proposta originária do art. 114 da Constituição Federal excluía da competência da Justiça do Trabalho as causas que envolvessem servidores públicos estatutários e que essa ressalva apenas não foi publicada no artigo por um erro no processo legislativo de aprovação da Emenda, que suprimiu a expressão indevidamente, não fazendo qualquer ressalva a respeito da competência da Justiça do Trabalho quanto aos sujeitos da relação jurídica. Assim, em razão do entendimento preconizado pelo STF, quando os servidores públicos federais forem contratados com base no regime celetista, será de competência da Justiça do Trabalho o julgamento das demandas em que estes igurem no polo passivo; com relação aos servidores estatutários, a competência será

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da Justiça Federal. Isto porque, conforme entendimento adotado pelo STF, nas demandas ajuizadas por servidores públicos estatutários, os princípios constitucionais aplicáveis são diferentes dos princípios aplicados às relações de trabalho regidas pela Consolidação das Leis Trabalhistas.

Entendeu-se que, no caso dos empregados regidos pela CLT, o que caracteriza a relação é a hipossuiciência do empregado perante o empregador, enquanto na Administração Pública tem-se a aplicação do princípio da supremacia do interesse público, o qual prevalece no momento do julgamento. Assim, para o STF, em relação aos servidores públicos estatutários da Administração Pública Estadual e Municipal também segue a mesma lógica, restando à Justiça Comum julgar as demandas que envolvam estes servidores, pois, neste caso, o vínculo não é contratual.

As convenções internacionais

As convenções internacionais de direitos humanos conferem à atividade laboral humana o status de direito fundamental, que deve ser exercido com dignidade e protegido dos abusos. Como o setor público responde por uma parcela significativa de trabalhadores, na maioria dos países do mundo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) promove normas internacionais para garantir relações de trabalho saudáveis também nesse setor.

Na Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948 consta o direito de sindicalização, conforme art. 23, inciso IV166, mas foi a partir da década de 1960 que a sindicalização no setor público se consolidou ainda mais no cenário internacional, fomentada pelas Convenções da OIT sobre o tema sindicalização e negociação coletiva.167

A OIT confere à negociação coletiva de trabalho, assim como à sindicalização, o status de direito fundamental social dos trabalhadores e dispõe que todos os Estados-membros, ainda que não tenham ratificado as convenções, têm o compromisso de respeitar e dar concretude aos princípios relativos aos direitos fundamentais dos trabalhadores, sobretudo, o direito à liberdade sindical e de negociação coletiva de trabalho.168

A negociação coletiva para os trabalhadores da iniciativa privada surge juntamente com a OIT169, a constituição de organizações de trabalhadores e a possibilidade de dotá-los de ferramentas aptas a defender os interesses de seus membros é o objetivo da liberdade sindical, que constitui elemento gerador de justiça social proclamado pela OIT e reiterado em convenções, recomendações e resoluções que constituem uma importante fonte do direito internacional, amplamente acolhido por vários países.

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Não obstante o esforço normativo por parte da OIT, com ênfase na liberdade sindical, nem todas as convenções foram ratificadas pelo Brasil170. A Convenção n. 87171 assegurou aos trabalhadores e empregadores, sem qualquer distinção entre trabalhadores do setor privado ou servidores públicos, o direito de constituírem organizações e de se iliarem, trata de liberdade sindical e da proteção ao direito sindical172. Na sequência, a Convenção n. 98173, trata...

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