Ele Não Queria Apenas Fazer Parte de um Movimento Juvenil. Uma Interpretação do Direito Livre de Hermann Kantorowicz

AutorAndreas Funke
Páginas133-156
Rev. direitos fundam. democ., v. 25, n. 1 p. 133-156, jan./abr. 2020.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v25i11797
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
ELE NÃO QUERIA APENAS FAZER PARTE DE UM MOVIMENTO JUVENIL. UMA
INTERPRETAÇÃO DO DIREITO LIVRE DE HERMANN KANTOROWICZ.1
HE DIDN'T JUST WANT TO BE PART OF A YOUTH MOVEMENT.
AN INTERPRETATION OF HERMANN KANTOROWICZ’S FREE LAW.
Andreas Funke
Professor Catedrático de Direito Público e Filosofia do Direito na Friedrich-Alexander-
Universität Erlangen-Nuremberg, Alemanha.
Resumo
Para Hermann Kantorowicz (1877-1940), a filosofia jurídica era parte
natural de sua impressionante formação jurídica acadêmica. No
entanto, seu trabalho sobre filosofia jurídica é fragmentário e precisa
ser reconstruído. Fazendo isso, o conceito “clássico” de direito livre
de Kantorowicz aparece sob uma nova luz. Ele sempre teve
dificuldades em afirmar exatamente o que realmente é o direito livre.
Nos últimos trabalhos de Kantorowicz, o conceito de dogmas assume
a posição que ocupava o direito livre nos primeiros trabalhos.
Dogmas e direito livre são funcionalmente equivalentes. O direito não
é simplesmente comandos, ou seja, ordens ou normas autorizativas,
ou seja, declarações que são percebidas como obrigatórias. O direito
é acima de tudo dogma, isto é, um corpo de entidades significativas
atuando por meio de uma lógica específica de acomodação
coerente. O conceito de dogma supera, portanto, a oposição
tradicional entre reconhecer e inventar o direito. Kantorowicz enfatiza
como a ciência jurídica e os tribunais também são, em certo sentido,
parte do direito, apenas argumentando razoavelmente de maneira
jurídica.
Palavras-chave: Direito livre; Kantorowicz; Dogmática jurídica;
Conceito de Direito; Raciocínio jurídico.
Abstract
For Hermann Kantorowicz (1877-1940), legal philosophy was a
natural part of his impressively broad academic legal education. Yet
his work on legal philosophy is fragmentary and needs
reconstruction. Doing this, Kantorowicz’s “classic” concept of free law
1 Tradução de Marcos Augusto Maliska do original em alemão publicado em Ino Augsberg/Saskia
Lettmaier/Rudolf Meyer-Pritzl (Orgs.), Hermann Kantorowicz’ Begriff des Rechts und der
Rechtswissenschaft, Tübingen: Mohr Siebeck.
ANDREAS FUNKE
134
Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 25, n. 1, p. 133-156, jan./abr., de 2020.
appears in a new light. He has always had difficulties in stating exactly
what the free law actually is. In Kantorowicz’s late work, the concept
of dogmas takes on the position that occupied free law in the early
works. Dogmas and free law are functionally equivalent. The law is
not simply the commands, i.e., authoritative orders, or norms, that is,
statements that are perceived as mandatory. The law is above all
dogma, that is, it is a body of meaningful entities processing via a
specific logic of coherent accommodation. The concept of dogma
therefore overcomes the traditional opposition of recognizing and
inventing the law. Kantorowicz emphasizes how legal science, and
the courts as well, are in a certain sense part of the law, solely by
arguing reasonably in the legal mode.
Keywords: Free law; Kantorowicz; Legal doctrine; Concept of law;
Legal reasoning.
A. Como podem ser lidos os fragmentos jurídico-filosóficos de Kantorowicz?
Para Kantorowicz, a filosofia do direito era uma parte evidente de sua
impressionante formação jurídica acadêmica. Ele ofereceu regularmente cursos de
filosofia do direito, revisou e escreveu ensaios. Mas a filosofia do direito também era
um projeto acadêmico: Kantorowicz planejou uma “filosofia do direito” fechada, tendo
relatado isso em cartas2 e anunciado em publicações.3 O livro não foi concluído.
Qualquer pessoa que se aproxime do trabalho de Kantorowicz com interesse na
filosofia do direito deve, portanto, se contentar com as publicações frequentemente
incompletas e relacionadas à ocasião. Meu primeiro interesse em Kantorowicz, para
começar com uma observação pessoal, chegou a lugar nenhum: em minha
dissertação, sob o título de “Teoria Geral do Direito”, lidei com a teoria jurídica alemã
do início do século XX e tentei extrair um campo de pesquisa da complexa discussão
da época que buscou desenvolver uma teoria jurídica analítica estruturante.
2 Em suas cartas a Gustav Radbruch, Kantorowicz menciona ocasionalmente o trabalho sobre uma
“filosofia jurídica”. Quando foi declarado capaz de servir em campo durante a guerra, ele organizou o
manuscrito “por precaução” para que sua esposa pudesse publicá-lo (carta de 26 de maio de 1916,
Konvolut Universitätsarchiv Freiburg, Caderno 161). Em 25 de janeiro de 1918, ele escreveu: “Eu
trabalho todos os dias em minha filosofia jurídica, que se transforma em, e ganha corpo como, um ser
vivo" (Konvolut Universitätsarchiv Freiburg, Caderno 174). Na carta de 21 de maio de 1918 (mesmo
Caderno), ele relata outros trabalhos sobre o assunto.
3 Karlheinz Muscheler, Relativismus und Freirecht. Ein Versuch über Hermann Kantorowicz, Heidelberg
1984, p. 38.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT