A Eficácia Vinculativa dos Verbetes Sumulares do Supremo Tribunal Federal (Primeiras Considerações Sobre a Lei nº 11.417/2006)

AutorDaniel Ustárroz
Ocupação do AutorAdvogado no Rio Grande do Sul, Mestre em Direito pela UFRGS, Professor da Ulbra/RS, Membro e Professor da ABDPC.
Páginas111-134

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A Eficácia Vinculativa dos Verbetes
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Introdução

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Analisar o procedimento para a edição, alteração e cancelamento de verbetes sumulares é o objetivo deste sucinto estudo. O foco do trabalho é a Lei nº 11.417/06, que regulamentou o art. 103-A da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04.1A exposição principia pelo papel da jurisprudência em nosso ordenamento e pelas recentes alterações constitucionais-processuais e desenvolve-se com o cotejo da Lei nº 11.417/06, com a indicação de possíveis caminhos a serem adotados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no amadurecimento do “novo” instituto, dentro da perspectiva de uma saudável separação dos poderes, preservação do ideal federativo e realização de direitos fundamentais.

Parte-se da perspectiva de que a segurança (idealizada pela jurisprudência uniforme) e a justiça material (alcançada pela apreensão do ineditismo do caso concreto) são valores que se complementam em

* Advogado no Rio Grande do Sul, Mestre em Direito pela UFRGS, Professor da Ulbra/RS, Membro e Professor da ABDPC.

1 Não se debaterá neste trabalho o procedimento legislativo que resultou na edição da lei (“análise da publicação”), mas sim a substância da norma e sua adequação constitucional.

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SUMÁRIO: Introdução. 1 A Valorização da Jurisprudência pelo Direito Brasileiro. 2 A Eficácia Vinculativa dos Verbetes Sumulares. 3 Inovações Procedimentais da Lei nº 11.417/06. Conclusões.

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prol da afirmação da cidadania. Não há segurança com a multiplicação de demandas repetitivas e resultados discrepantes, bem como não se pode falar em justiça com a eternização das controvérsias. Almeja-se, assim, conciliar tais postulados, a partir da interpretação e da aplicação das normas constitucionais.

O ponto de partida do presente trabalho, portanto, afina-se com a conclusão do professor Paulo Otero: “a verdade, porém, é que a justiça exige sempre segurança, não se podendo imaginar uma sociedade justa sem um mínimo de segurança: a justiça pressupõe a segurança já instaurada, nunca a podendo dispensar. Há aqui, por conseguinte, uma idéia de complementaridade entre tais valores, sem embargo de possíveis situações dilemáticas para o legislador na composição dos delicados equilíbrios das soluções normativas respeitantes aos diferentes problemas materiais que disciplina. Essa complementaridade entre a segurança e a justiça, expressando a já mencionada relação dialética entre os dois valores, traduzse na circunstância de que a justiça assenta sempre no pressuposto da segurança, tal como a segurança apenas se pode colocar quando as normas jurídicas não negam em absoluto a justiça. Por isso mesmo, potenciais conflitos entre a segurança e a justiça podem acabar por ser, em boa verdade, conflitos da justiça consigo mesma, ou, pelo menos, conflitos de diferentes perspectivas de tutela jurídica do valor da justiça na sua relação indissociável com a segurança”.2Analisadas essas premissas, dentro da realidade brasileira, concluise que a edição de verbetes vinculativos não atrita com a Constituição e pode colaborar, em alguma medida, para a resolução de demandas repetitivas que envolvem matéria constitucional controvertida entre os órgãos do Judiciário ou entre estes e a grande devedora das promessas constitucionais, a Administração Pública.

1 A Valorização da Jurisprudência pelo Direito Brasileiro 1 A Valorização da Jurisprudência pelo Direito Brasileiro1 A Valorização da Jurisprudência pelo Direito Brasileiro 1 A Valorização da Jurisprudência pelo Direito Brasileiro1 A Valorização da Jurisprudência pelo Direito Brasileiro

A admissão da jurisprudência enquanto fonte do direito brasileiro sempre foi debatida. Ao contrário de outros sistemas, que deferem ao Judiciário um comportamento mais ativo na “produção-construção” do Direito, o Brasil – no plano teórico – costumou relegar à jurisprudência um papel secundário frente à legislação, insistindo na distinção entre o legislador

2 Lições de Introdução ao Estudo do Direito, v. 1, p. 220. Lisboa, 1998.

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A EFICÁCIA VINCULATIVA DOS VERBETES SUMULARES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL... 113 positivo e negativo. Caberia ao Judiciário, consoante tais premissas, apenas o papel de extirpar do sistema aquelas normas inconstitucionais, ao passo que o Legislativo seria o verdadeiro criador dos mandamentos de conduta.3 Essa nomenclatura (legislador positivo-negativo) é observada em inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal.4Contudo, mesmo Hans Kelsen admitia que a Corte Constitucional exercesse função legislativa, no aspecto positivo. Apresentava o exemplo da declaração de inconstitucionalidade de uma norma que havia revogado lei pretérita. Nessa hipótese, estaria revigorada a legislação pretérita por força da decisão da Corte Constitucional (a decisão da Corte assemelhavase a uma lei ab-rogatória). E tal proceder estaria legitimado, na medida em que os membros do Verfassungsgerichthof não eram nomeados pelo Executivo ou necessariamente juízes de carreira, porém eleitos pelo próprio Parlamento. Daí a legalidade da “função legislativa” conferida à Corte.5 Passadas algumas décadas, admite-se que a pretensão de eficácia erga omnes a determinadas interpretações constitucionais da Suprema Corte em certa medida exige uma revalorização das tradicionais funções do Legislativo e do Judiciário.

De toda sorte, a despeito da inexistência de institutos como o stare decisis e o precedente, floresceu no Brasil, ao longo do último século, uma cultura propícia à valoração da norma jurisprudencial, especialmente a partir da constatação – consciente ou não – de que, em última análise, também os magistrados participavam da difícil missão de precisar os contornos das normas, ao aplicá-las aos múltiplos casos concretos e debatêlas no plano abstrato. Logo, o sistema jurídico passou a ser moldado com a colaboração não apenas negativa, mas também ativa do Judiciário.63 A afirmação do constitucionalismo permitiu significativos avanços na cultura jurídica. Dentre tais conquistas: a constatação de que o ato de interpretar envolve apresentar significados-sentidos às normas. A hermenêutica, nesse passo, irá contribuir decisivamente para a consagração da jurisprudência enquanto fonte do Direito.

4 AgRg no AI 142.348/MG, Rel. Min. Celso de Mello, j. 02.08.1994.

5 O Controle Judicial de Constitucionalidade (um estudo comparado das Constituições austríaca e norte-americana), p. 306. In: Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

6 Na inesquecível Oração aos Moços, Rui Barbosa já advertia para a magnífica função a ser executada pelos juízes, “em um país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento da maioria, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem, e dispõem, as que mandam, e desmandam em tudo”. Nesse contexto, somente a “moderação, a inteireza e a eqüidade, no aplicar das más leis, as poderiam em certa medida escoimar da impureza, dureza e maldade, que encerrarem”.

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Um dos fatores que colaboraram decisivamente para a evolução do Direito pela jurisprudência foi o controle difuso de constitucionalidade, admitido desde a primeira Constituição Republicana. A autorização para que cada magistrado perquirisse a adequação constitucional de normas, incidentalmente aos variados processos em tramitação, ampliou a expectativa social depositada no Judiciário. Nessa linha, deve ser sempre sublinhado que um dos deveres mais relevantes dos juízes, em todo e qualquer litígio, é avaliar a constitucionalidade das normas legais prejudiciais debatidas no feito.7Pertinente o debate, contudo, quanto a melhor forma de exercitar esse controle: pela não aplicação em primeiro grau e pela suscitação do incidente em segundo (em ambos os casos com a devida fundamentação constitucional, art. 93, IX, CF).8Deve ser sublinhado que Hans Kelsen, conquanto favorável ao controle concentrado na Áustria recém federativa, diante das particularidades daquele momento histórico, não descartou por completo os sistemas de controle incidental e mesmo difuso. A doutrina desenvolvida por Hans Kelsen e incorporada na Constituição Austríaca de 1920 ocupavase precipuamente do sistema concentrado, porém não olvidava as vantagens do controle difuso em países que desconheciam a jurisdição administrativa (como os EUA).9E permitia, dentro de qualquer processo inter partes, a suscitação de ofício pela Corte Constitucional da questão referente a constitucionalidade de normas, além do aconselhamento preventivo às Casas Legislativas, mediante pareceres do Tribunal Constitucional.

As críticas de Hans Kelsen ao sistema difuso (eficácia inter partes da pronúncia da inconstitucionalidade, risco do decisionismo judicial, inadequada tutela aos princípios federativos, etc.), contudo, foram

7 Assim como os demais ramos do Direito, cumpre ao processo aproximar-se das premissas constitucionais, sob pena de frustração dos ideais do Estado Constitucional. Sobre o tema, na literatura recente, Luiz Guilherme Marinoni. Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT...

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