A eficácia normativa do art. 14, § 9o, da Constituição FederalCarlos Alberto Garcete de Almeida

AutorDaniel Castro Gomes da Costa
Páginas243-260

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1. Introdução

Como de sabença comum entre os operadores do Direito, a constituição de um país é reputada sua lei fundamental ou, nas palavras de José Afonso da Silva, é o modo de ser do Estado1, conceitualismo que açambarca o viso político, sociológico e jurídico, pois, para o festejado professor, seu objetivo é estabelecer a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma de seu exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias dos indivíduos, fixar o regime político e disciplinar os fins sócio-econômicos do Estado, bem como os fundamentos dos direitos econômicos, sociais e culturais2.

Apanágio de uma constituição rígida, no que toca à sua estabilidade, há de ser, de sorte invariável, a sua supremacia, pela qual se estabelece o fundamento de vali-dade de toda a estrutura estatal, tendo em linha de conta, é claro, a realidade social cambiante.

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Nessa senda, a Constituição de 1988 principia-se pelo preceptivo de que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (art. 1º). Trata-se de primado procedente dos movimentos constitucionais em sentido moderno e que acabaram por caracterizar o denominado constitucionalismo3.

À sequência ordenada, traz reluzente a cláusula de que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (Parágrafo único do art. 1º). Veja que, nesse sentido, a soberania popular é (e será sempre) exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular (art. 14).

Oportuno lembrar que o predito art. 14 da Constituição da República Federativa do Brasil posta-se, dentro do topologia constitucional, encartado no Título II, que cuida dos Direitos e Garantias Fundamentais, e, mais especificamente, no Capítulo IV, atinente aos Direitos Políticos.

Por corolário, é estreme de dúvidas, pelo que se depreende sem necessidade de maior esforço exegético, que o Estado brasileiro é, marcantemente, um Estado Democrático de Direito, isto é, um estado que está, cotidianamente, a inspirar e aflar a democracia4.

Exsurge, imperioso, pois, encetar este ensaio animado pela observância do arquétipo constitucional no qual foram inseridos os direitos políticos. Neste sentido, imprescindível não deslembrar o significado constitucional dos direitos e garantias fundamentais.

2. Dos direitos e garantias fundamentais

Em um estado de essência democrática e submetido ao Estado de Direito, é imprescindível que ele seja pautado, isonomicamente, por direitos e garantias fundamentais de seu povo. Eis o exemplo disso em nosso texto constitucional:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)" [art. 5º, cabeça]

De adscrever que o Brasil tem a pedra angular no princípio da legalidade, pois se fundamenta na submissão e no fiel respeito à Constituição e às leis vigentes, na medida

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em que a Constituição Federal de 1988 está a asseverar que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II).

De resto, a clareza constitucional do § 2º do art. 5º, do qual se lê que os direitos e garantias previstos neste artigo não excluem outros decorrentes dos princípios e do regime adotado pela Constituição e dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, o que dá mostras do color receptivo de qualquer direito fundamental que constitua avanço ao Estado Democrático de Direito.

3. Do Direito Eleitoral

Embora de larga similitude com o Direito Político, bem é de ver-se que este tem conceito mais amplo e abstrato do que o Direito Eleitoral.

O Direito Eleitoral deve ser considerado como o ramo do Direito Público que estuda o conjunto de normas que regulam o processo de alistamento, de filiação partidária, de convenções partidárias, registro de candidaturas, propaganda política eleitoral, votação, apuração, proclamação dos eleitos, prestação de contas de campanhas eleitorais e diplomação, bem como as formas de acesso aos mandatos eletivos por meio dos sistemas eleitorais (Marcos Ramayana, 20085), ou, ainda, o ramo do Direito Público que trata dos institutos relacionados com os direitos políticos e das eleições, em todas as suas fases, como forma de escolha dos titulares dos mandatos eletivos e das instituições do Estado (Joel José Cândido, 20086).

Enfim, o Direito Eleitoral norteia-se, em breve síntese, pelas seguintes fases do processo eleitoral: alistamento, votação, apuração e diplomação dos eleitos. Impõe-se constar, por oportuno, outra nova fase que emerge, hodiernamente, mercê da instituição do que se convencionou denominar de fidelização partidária no ordenamento jurídico pátrio.

4. Dos direitos políticos

Os direitos políticos são, por assim dizer, o plexo de regras que se colocam a disciplinar o direito eleitoral. Sob tal enfoque, conforme Rosah Russomano, os direitos políticos, visualizados em sua acepção restrita, encarnam o poder de que dispõe o indivíduo para interferir na estrutura governamental, através do voto7.

Força concluir, desse modo, que os direitos políticos estão balizados em dois pi-lares, a saber: direito de votar e de ser votado. Nessa ênfase, dividem-se em direitos políticos positivos e direitos políticos negativos. Os primeiros, consistentes no feixe de normas assecuratórias do direito subjetivo público de participação no processo político. Os segundos, no magistério de José Afonso da Silva, são aquelas determinações constitucionais que, de uma forma ou de outra, importem em privar o cidadão do di-

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reito de participação no processo político e nos órgãos governamentais. São negativos precisamente porque negam, ao cidadão, o direito de eleger, ou de ser eleito, ou de exercer atividade político-partidária ou de exercer função pública8.

Oportuno tempore, escorreito não equivocar quanto à distinção de direitos políticos positivos e negativos com as capacidades eleitorais ativa e passiva, uma vez que estas dizem respeito à aptidão para o direito de votar e de ser eleito e se incluem no espectro dos direitos políticos positivos.

4.1. Dos direitos políticos positivos

Trata-se do conjunto de normas que garantem ao cidadão o direito subjetivo público de participação no processo eleitoral, assegurando-lhe o direito de voto nas eleições, nos plebiscitos, nos referendos e nos direitos alusivos à iniciativa popular, assim como os direitos de elegibilidade (direito de ser votado).

São fundamentos da capacidade de sufrágio ou da capacidade eleitoral:

Ser sujeito de direitos e deveres na órbita do Direito Eleitoral. 

Capacidade de eleger e de ser eleito. 

É possível demarcar os direitos políticos positivos em capacidade eleitoral ativa e capacidade eleitoral passiva.

4.1.1. Da capacidade eleitoral ativa

A capacidade eleitoral ativa é o direito de votar, ou seja, a alistabilidade. Dispõe a Constituição Federal, em seu art. 14, caput, da CF, que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: 1) plebiscito; 2) referendo; e 3) iniciativa popular.

Por outro lado, à base do mesmo artigo, no parágrafo primeiro, o alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros maiores de 18 anos9e facultativos para os brasileiros: i) analfabetos; ii) maiores de 70 anos de idade; iii) maiores de 1610e menores de 18 anos de idade.

O alistamento e o voto são vedados: i) aos estrangeiros; ii) aos brasileiros durante o período de serviço militar obrigatório (conscritos)1112; iii) aos que não saibam expri-

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mir-se na língua nacional; iv) aos que estejam privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos.

Outras regras que dispensam a obrigatoriedade. Quanto ao alistamento: i) os inválidos; ii) os que se encontrem fora do país; iii) maiores de 70 anos de idade. Quanto ao voto: i) os enfermos; ii) os que se encontrem fora do seu domicílio; iii) os funcionários civis e os militares em serviço que os impossibilite de votar; iv) os maiores de 70 anos de idade.

Deve-se lembrar que são várias as consequências do não-exercício do voto, entre as quais: i) impossibilidade de inscrever-se em concurso público, investir-se ou empossar-se neles; ii) impossibilidade de receber vencimentos; iii) impossibilidade de participar de licitações; iv) impossibilidade de obter empréstimos em entidades estatais ou de cuja administração o governo participe ou tenha celebrado contrato; v) impossibilidade de obter passaporte ou carteira de identidade; vi) impossibilidade de renovação de matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; vii) impossibilidade de participar de qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

4.1.2. Da capacidade eleitoral passiva

Refere-se ao direito de ser votado, isto é, à...

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