A Efetividade do Direito a Ambientes de Trabalho Livres do Tabaco

AutorAdriana Pereira de Carvalho
Páginas26-36

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1. Introdução

Em artigo intitulado O Direito Fundamental a Ambientes de Trabalho Livres do Fumo, demonstramos:

[...] o direito de todo cidadão trabalhador ao meio ambiente de trabalho 100% livre do tabaco como bem difuso e coletivo a ser tutelado, como meio efetivo de prevenção dos riscos inerentes ao trabalho e garantia de saúde, vida digna e trabalho decente, e de meio ambiente adequado, à luz da Constituição Federal e da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco. (CARVALHO, 2011, p. 330.)

Tal ocorre, porque, além de um incômodo, a fumaça do tabaco1 é incontroversamente tóxica e potencialmente cancerígena, e a maior fonte de poluição em ambientes fechados2.

Diante dessa realidade, ao pactuarem as medidas de referência para o controle do tabagismo3, mais de 190 países, sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde, incluíram a promoção de ambientes livres do fumo, como a única forma efetiva para a proteção de todos4 contra a exposição à fumaça.

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É o que dispõe o art. 8º da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco - CQCT, e as Diretrizes5 para a sua implementação:

  1. As Partes reconhecem que a ciência demonstrou de maneira inequívoca que a exposição à fumaça do tabaco causa morte, doença e incapacidade.

  2. Cada Parte adotará e aplicará, em áreas de sua jurisdição nacional existente, e conforme determine a legislação nacional, medidas legislativas, executivas, administrativas e/ou outras medidas eficazes de proteção contra a exposição à fumaça do tabaco em locais fechados de trabalho, meios de transporte público, lugares públicos fechados e, se for o caso, outros lugares públicos, e promoverá ativamente a adoção e aplicação dessas medidas em outros níveis jurisdicionais.

Assim, a presença da fumaça do tabaco no local de trabalho representa risco ocupacional, em afronta ao direito fundamental de todo trabalhador ao meio ambiente de trabalho sadio e adequado, e, portanto, aos arts. 7º, inciso XXII, 39, § 3º, 196 e 225, da Constituição Federal:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...] XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; [...]

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. [...]

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. [...]

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. [...]

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Não obstante, ainda é incipiente no país o reconhecimento do tabagismo passivo no local de trabalho como uma violação ao direito fundamental do trabalhador ao meio ambiente de trabalho adequado, notadamente pela própria classe trabalhadora, muito embora já existente a respectiva garantia no ordenamento jurídico brasileiro.

Sabe-se que alguns direitos trabalhistas são reconhecidos pelos trabalhadores, como é o caso do FGTS e das horas extras. No caso de violação, estes trabalhadores saberão reconhecê-la e buscar os instrumentos eficazes para fazer valer os seus direitos, seja com denúncia ao Ministério Público do Trabalho (MPT), às entidades sindicais ou por meio de ação judicial.

Almeja-se que o trabalhador tenha a mesma consciência no tocante à permissão do fumo em locais de trabalho fechados, identificando este fato como violador do seu direito ao meio ambiente do trabalho seguro e adequado, e fazendo uso dos meios legais para impedir a sua ocorrência, buscando a reparação quando devida. Segundo Fiorillo,

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O meio ambiente do trabalho é o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físicopsíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc. (FIORILLO, 2010, p. 21).

Assim, o presente artigo tem o objetivo de suscitar reflexões sobre a importância deste reconhecimento também pela sociedade, empregadores e operadores do Direito, como meio de promover e garantir a efetividade de ambientes de trabalho sem o risco ocupacional conferido pela presença da fumaça do tabaco.

O tema nos remete aos atributos necessários para a realização efetiva do direito, que, neste caso, é reconhecimento social dos riscos do tabagismo passivo nos locais de trabalho, o que ultrapassa o senso comum do incômodo gerado pela exposição à fumaça do tabaco.

2. Convenção quadro para o controle do tabaco - preâmbulo, art 8º e diretrizes

O governo brasileiro ratificou em novembro de 2005 a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco - CQCT, que, por meio do Decreto n. 5.658, entrou em vigor no país em 1º de fevereiro de 2006.

A CQCT é um tratado internacional de saúde pública que prevê a adoção de um conjunto de medidas para deter a expansão do consumo, produção e exposição à fumaça do tabaco e suas graves consequências, como a proibição da publicidade, promoção e patrocínio de produtos fumígenos, a proteção contra o fumo passivo e aumento de preços e impostos sobre referidos produtos.

O preâmbulo do tratado é leitura obrigatória, por conter as premissas que justificam a sua existência. Nele está expressa a "preocupação da comunidade internacional com as devastadoras consequências sanitárias, sociais, econômicas e ambientais geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco, em todo o mundo", assim como o reconhecimento dos Estados-parte de que a exposição à fumaça do tabaco é causa de mortalidade, morbidade e incapacidade e que as doenças relacionadas ao tabaco não se revelam imediatamente após o início da exposição à fumaça do tabaco. Consta também o reconhecimento de que muitos dos compostos do cigarro e a fumaça que produzem são farmacologicamente ativos, tóxicos, mutagênicos, e cancerígenos.

No preâmbulo consta, ainda, a menção à Constituição da Organização Mundial de Saúde, na qual se reconhece:

que o gozo do mais elevado nível de saúde que se possa alcançar é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, ideologia política, condição econômica ou social.

Há menção também a outros tratados de proteção aos direitos humanos, como fundamento para o seu texto, o que faz da Convenção Quadro um tratado internacional de direitos humanos. Sendo assim, uma vez inserido no ordenamento jurídico pátrio, adquiriria hierarquia de norma supralegal, conforme reiterado entendimento do Supremo Tribunal Federal6. Ainda que assim não se considere, o tratado teria então hierarquia de lei ordinária7.

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A proteção contra a exposição à fumaça do tabaco está prevista no art. 8º da CQCT, e nas suas Diretrizes, que contêm orientações para a implementação de medidas eficazes de proteção contra o fumo passivo.

Nas Diretrizes, reconhece-se que:

Dados os perigos de respirar a fumaça ambiental de tabaco, o dever de proteger da fumaça do tabaco está implícito, entre outras coisas, no direito à vida e no direito ao mais alto padrão de saúde possível, conforme reconhecido em muitos documentos legais internacionais (...)

Alguns Estados-Partes da CQCT (por exemplo, Finlândia e Alemanha) classificaram a fumaça ambiental do tabaco como cancerígena e incluíram a prevenção à sua exposição em ambientes de trabalho em suas legislações de saúde e segurança. Além das obrigações do art. 8º, de agora em diante, as Partes podem ser obrigadas a enquadrar as ameaças decorrentes da exposição à fumaça de tabaco de acordo com a legislação trabalhista já existente ou com outras leis que regulem a exposição a substâncias nocivas incluindo as carcinogênicas. (grifamos)

Dentre os princípios que devem orientar a implementação do art. 8º estão:

· Medidas eficazes para a proteção à exposição requerem a total eliminação do ato de fumar e da fumaça em determinados espaços ou ambientes para se conseguir criar ambientes 100% livres da fumaça de tabaco;

· Não há níveis seguros de exposição e proposições tais como limites máximos aceitáveis para a toxicidade da fumaça ambiental de tabaco deveriam ser rejeitadas;

· Iniciativas para a eliminação total da fumaça de tabaco, como a ventilação, filtragem do ar e o uso de áreas exclusivas para fumar (com ou sem separação por sistemas de ventilação), têm se mostrado ineficientes e há evidências conclusivas, científicas e outras, de que nenhum mecanismo de engenharia consegue proteger da exposição à fumaça de tabaco;

· Todas as pessoas devem ser protegidas da exposição à fumaça de tabaco. Todos os ambientes de trabalho fechados e locais públicos fechados, deveriam ser livres da fumaça de tabaco;

A medida prevista no art. 8º, do tratado, portanto, não admite os chamados fumódromos em locais fechados, ainda que neles haja equipamentos de ventilação ou...

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