A efetividade da reparação do dano moral coletivo na justiça do trabalho

AutorMarcos Antonio Ferreira Almeida
CargoProcurador do Trabalho. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes - UCAM
Páginas69-105

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1. Considerações iniciais

O fenômeno da globalização, que parece subverter irremediavelmente os paradigmas que alicerçaram o mundo hodierno, a universalização da comunicação entre os povos e do manejo dos fatores de produção (especialmente o capital e o trabalho), tem como principal consequência o advento da massificação das relações havidas entre os homens e o seu mundo.

De fato, a produção dos bens de consumos na sociedade globalizada ocorre de maneira amplificada, os conflitos cada vez mais envolvem coletividades inteiras e a violação aos direitos e interesses das pessoas ocorre de forma massificada.

Por outro lado, o Direito, como instrumento de regulação das relações sociais, não pode ficar alheio a esse evoluir, devendo passar por um processo de adaptação necessária para disciplinar, de forma amplificada, os novos e graves problemas vivenciados pela sociedade.

Na medida em que os interesses coletivos apresentam-se como consectário da amplificação dos valores ou interesses individuais, consolidou-se progressivamente a tendência de compreender o fenômeno jurídico a partir das necessidades da sociedade pós-moderna, de modo que exija soluções jurídicas solidárias, expurgadas de conteúdo meramente privatístico.

Na seara processual, o surgimento dessa sociedade de massas ensejou, por seu turno, a paulatina criação de novas formas de acesso à justiça, aptas a superar, tanto quanto possível, o modelo processual calcado numa concepção jurídica marcadamente individualista.

Sob os influxos dessa nova concepção, tornou-se necessário deflagrar um novo modelo de processo coletivo que promovesse real

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acesso à ordem jurídica justa, permitindo o desafogamento do Poder Judiciário, evitando decisões díspares e discriminatórias e solucionando conflitos notadamente marcados pela extrema dificuldade de identificação precisa da titularidade dos direitos ou interesses postos em litígio.

Para tanto, tornou-se imprescindível oferecer aos operadores jurídicos instrumentos adequados à tutela eficiente desses interesses de natureza metaindividual, a exemplo da ação civil pública, estatuída pela Lei n. 7.347/851, que constitui o objeto mais específico desse breve ensaio.

Com efeito, a ação civil pública, instituída pela Lei n. 7.347/85, surgiu no contexto das ondas renovatórias do direito processual, representando profunda mudança na concepção de processo, anteriormente voltado apenas para as relações individuais2.

Ocorre que o modelo processual brasileiro depara-se com novo problema, vinculado à efetividade da prestação jurisdicional oferecida pelo Estado, e que se consubstancia, sobretudo, na otimização de práticas jurisdicionais condizentes com a natureza dos direitos envolvidos nos litígios, de forma que atenda plenamente os anseios da socie-dade contemporânea.

Noutro falar, percebe-se que a preocupação atual dos processualistas consiste em “descobrir meios capazes de garantir uma prestação jurisdicional capaz de satisfazer o titular das posições jurídicas de vantagem que busca, no Judiciário, abrigo para suas lamentações e pretensões”3.

No âmbito do processo coletivo, tal questão revela-se ainda mais problemática nas hipóteses em que, pela aplicação dos recursos decorrentes de uma condenação em sede de ação civil pública, resta impossível alcançar, de logo, a reparação satisfatória dos bens lesados pela conduta danosa.

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Vale dizer, a efetividade da tutela jurisdicional coletiva depende fundamentalmente da obtenção de adequados resultados de proteção dos interesses tutelados, razão pela qual se pode concluir que as soluções corriqueiramente utilizadas pela comunidade jurídica muitas vezes não atendem aos próprios fins estabelecidos pelo legislador.

Ocorre que, no campo dos interesses trabalhistas, essa efetividade mostra-se ainda mais ameaçada, em virtude da carência de diplomas específicos aptos a disciplinar a matéria.

Destarte, pretende-se, no presente trabalho, trazer à baila possíveis soluções para a busca da efetividade dos instrumentos de tutela jurisdicional coletiva na seara laboral, especialmente no tocante à destinação das indenizações a título de dano moral coletivo.

Registre-se, por fim, que não se busca aqui esgotar a matéria ou apontar a melhor solução sobre o assunto. Apenas se tentará, sem maiores pretensões, trazer algumas sugestões que possam contribuir para o debate sobre tão importante temática no âmbito laboral.

2. Objeto da ação civil pública trabalhista

Nos termos do art. 3º da Lei n. 7.347/85, a ação civil pública poderá ter como objeto a condenação em dinheiro, através da fixação de indenização para compensar os danos considerados irreparáveis (provimento condenatório genérico, de natureza reparatória), ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, a fim de inibir ou cessar a conduta lesiva questionada na demanda, sob pena de pagamento de multa (provimento cominatório, de natureza preventiva)4.

Se a ação civil pública for ajuizada antes da ocorrência ou repetição da conduta danosa, tem-se uma tutela jurisdicional inibitória,

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de natureza nitidamente preventiva, com o escopo de inibir o advento ou repetição de determinada conduta capaz de comprometer o interesse jurídico a ser preservado, através da prolação de um provimento jurisdicional voltado para o futuro, a condenar o infrator ao cumprimento de obrigações de fazer e não fazer, de acordo com a natureza — comissiva ou omissiva — da conduta ilícita a ser evitada.

Na esfera trabalhista, não raro ocorre a propositura de ação coletiva baseada em tutela jurisdicional preventiva, com o objetivo de impedir que determinada postura nefasta aos interesses dos obreiros, reveladora de grave infração à ordem jurídica e aos objetivos fundamentais do Estado, continue a se repetir. É o caso, por exemplo, de determinada demanda coletiva onde se requer a abstenção da prática do assédio moral no âmbito da empresa, sob pena de pagamento multa (astreinte), ou ainda de ação onde se pleiteia a interdição de determinado estabelecimento comercial ou industrial, até que o empregador cumpra obrigações atinentes à preservação da saúde dos trabalhadores.

Por outro lado, caso o dano coletivo já tenha ocorrido, caberá o manejo da tutela repressiva, consubstanciada no pagamento de uma indenização de caráter genérico.

É que, não raro, a conduta danosa encerra um dano genérico, de abrangência muitas vezes difusa, que não se confunde, em absoluto, com o dano meramente individual sofrido por cada trabalhador5. Trata-se, em verdade, de um prejuízo moral que atinge toda a coletividade

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de trabalhadores ou a própria sociedade, decorrente da violação de bens jurídicos de valor inestimável, a justificar o pagamento de uma indenização de caráter mais amplo.

Com efeito, não se pode olvidar que qualquer coletividade apresenta um plexo axiológico próprio, que, uma vez desrespeitado, enseja uma indenização a título de dano moral coletivo6.

Destarte, o restabelecimento da ordem jurídica envolve, além da suspensão da continuidade da lesão, a imposição de condenação pecuniária que propicie, ao menos de forma indireta, a reparação do dano social emergente do intento do infrator em burlar todo o arcabouço de princípios e normas, constitucionais e infraconstitucionais, que disciplinam as relações de trabalho.

Nessa esteira, o legislador inseriu no art. 13 da Lei n. 7.347/85 a possibilidade de ser cobrada indenização reversível a um fundo criado com a finalidade de proteção dos bens lesados. Assim determina o citado artigo:

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

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Portanto, confirmada a ocorrência de dano coletivo, impõe-se a adoção de medida judicial capaz de sancionar o infrator e defender os interesses metaindividuais aviltantemente desrespeitados, alcançando uma função preventivo-pedagógica e punitiva, apta a inibir novos comportamentos de idêntica estirpe, bem como reparar o dano jurídico social emergente das condutas ilícitas vergastadas.

Em outras palavras, quando desrespeitadas reiteradamente as normas trabalhistas de caráter protetivo, especialmente aquelas ligadas ao princípio da dignidade da pessoa humana, justifica-se a reparação genérica, mediante o pagamento de uma indenização pelo dano moral coletivo, não só pela dificuldade de se reconstituirem os prejuízos já impingidos à coletividade, mas também para desestimular a prática de futuras condutas congêneres7.

De fato, torna-se imprescindível que, nesses casos, o magistrado arbitre o valor da condenação pecuniária a partir de um juízo de equi-dade e bom senso, observando, em sua fixação, o...

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