Possibilidades de Efetiva ção dos Direitos Sociais dos Trabalhadores pela Corte Interamericana de Direitos Humanos

AutorFernando Basto Ferraz - Elizabeth Alice Barbosa Silva de Araujo - William Paiva Marques Júnior
Páginas41-50

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Introdução

Os direitos sociais dos trabalhadores identificam o desenvolvimento das nações ao longo da história. Na contemporaneidade, mais do que uma obrigação ou forma de sobrevivência, o trabalho e a maneira como é desenvolvido e valorizado confere dignidade e aceitação social, sendo alçado a direito humano garantidor da higidez física e mental do cidadão. Mas, como proteger o trabalho e o trabalhador em países cuja democracia ainda se encontra em construção? Qual é a alternativa quando todo o sistema nacional de proteção falha?

Este artigo tem por objetivo estudar a obrigação de respeitar os direitos sociais, especificamente quanto a direitos dos trabalhadores, e sua caracterização como ofensa aos direitos humanos. Visa fomentar iniciativas no Brasil de acesso a justiça internacional nos casos em que a política econômica e administrativa adotada pelo poder público traga prejuízo aos trabalhadores, os quais procurando o judiciário como amparo não chegam a obter a efetivação do direito ao trabalho digno.

A pesquisa aqui desenvolvida será do tipo documental, bibliográfica e qualitativa. Serão utilizadas também transcrições de sentenças judiciais oriundas da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Como corte epistemológico foi escolhido para objeto de estudo um caso da Corte relacionado a direitos sociais dos trabalhadores. Salienta-se que este não trata exclusivamente de diretos sociais, vez que tem como violações o descumprimento de decisões judiciais e a inércia do Estado, os direitos dos trabalhadores, no entanto, foram a questão de fundo. Trata-se do julgado da Corte de 7 de fevereiro de 2006 o "Caso Acevedo Jamarillo e otros vs. Peru", onde a demissão em massa de trabalhadores vinculados à prefeitura de Lima causou impactos sociais relevantes que foram alvo de ações judiciais vencidas pelos trabalhadores. Tais decisões judiciais foram descumpridas, o que levou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos e posterior condenação do Estado do Peru.

A importância do tema decorre do enriquecimento da jurisprudência brasileira atinente aos direitos sociais dos trabalhadores e pela socialização dos mecanismos de acesso à Corte Interamericana de Direitos Humanos para que seja utilizada mais esta ferramenta em busca da garantia dos direitos humanos e da paz social.

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1. direitos humanos sociais

Em busca de uma definição adequada para a expressão "Direitos Humanos", para posteriormente se chegar aos direitos humanos sociais, cumpre destacar as primeiras impressões, aquelas do denominado senso comum. Direitos humanos são aqueles inerentes ao ser humano. Esta ideia, dado seu alto grau de generalidade e abstração, conduz ao entendimento errôneo de que todo o direito produzido ou posto possa ser considerado direito humano. Adentrando na gênese destes direitos se questiona o porquê da superioridade da espécie humana, considerada como objeto e beneficiária dos mesmos.

Os fundamentos da humanidade como força motriz para uma seara de direitos especiais perpassa questões filosóficas e religiosas. Para os crentes nas três grandes religiões ocidentais - cristãos, ju-deus e muçulmanos - é no livro do Gênesis, comum à Bíblia, Torá e Alcorão, que se define o homem e a mulher como criação suprema de Deus que os fez sua imagem e semelhança "... E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou."1. Somente isto seria suficiente, para os que abraçam tal fé, justificar a existência de direitos desvinculados do direito autônomo de cada Estado e atrelado apenas à condição de humanidade.

Retomando os parâmetros científicos, temos que os direitos humanos possuem três características fundamentais que compõem sua base e ideologia. Tais conceitos são a universalidade, a igualdade e a dignidade da pessoa humana2. Observa-se que a semente deste tripé está assentada na doutrina cristã acima mencionada, ancorada de forma mais contundente nos ensinamentos de Jesus Cristo. Em que pese sabermos que o cristianismo engloba Novo e Antigo Testamento, a visão dos ensinamentos judaicos constantes do Antigo Testamento foram, em parte, modificados pelos ensinamentos de Jesus. A tradição cristã ocidental constitui a base dos direitos humanos, é esta a opinião de Celso Lafer3 e vários outros autores.

Entretanto, os direitos humanos não existem apenas para aqueles que creem em um único Deus. A condição de humanidade não pode, pelo menos dentro de critérios científicos, estar atrelada à experiência religiosa de indivíduos ou grupos sociais determinados.

Durante o período conhecido como Renascimento, o diferencial do ser humano passou a ser sua capacidade de racionalizar. Talvez toda a experiência mística exacerbada vivida na Europa e Ásia durante a Idade Média tenha levado ao desenvolvimento de uma filosofia voltada mais para a capaci-dade autorreflexiva do ser humano, embora não se saiba de onde veio tal capacidade. Aliás, o fenômeno renascentista e sua valorização do ser humano transpassou arte e ciência. O homem não teria seu valor vinculado à sua essência divina, mas a si mesmo, à própria razão humana. A razão seria, portanto, o fundamento último do direito.4

E hoje, na sociedade contemporânea, a emergência dos direitos humanos de terceira geração, cujos titulares não são individualizados, mas um grupo de pessoas ou até a humanidade inteira, exige uma abordagem diferente da humanidade. A reali-dade mudou e o mundo chamado pós-moderno tem uma tendência natural a não respeitar fronteiras nacionais e nem conceitos absolutos. A grande evolução dos meios de comunicação de massa, a rede mundial de computadores (internet), o fluxo rápido de informações, a relativa facilidade de viagens internacionais, toda esta parafernália tecnológica ocasionou a revisitação de conceitos num movimento que se denomina pós-modernismo. Este modelo sistematizado pelo filósofo Jean-François Lyotard se caracteriza pela troca das grandes verdades absolutas apregoadas primeiramente pela Igreja e depois pela razão por pequenas verdades mutantes que geram um novo modo de pensar.5

1.1. Dignidade da pessoa humana

É nesse contexto efervescente que se insere a concepção de direitos humanos ora adotada. Direitos visceralmente unidos a outro conceito aberto, o de dignidade da pessoa humana. Deste, tomaremos as observações de Ingo Wolfgang Sarlet de que "se trata da própria condição humana (e, portanto, do valor intrínseco reconhecido às pessoas no âmbito de suas relações intersubjetivas) do ser humano e que desta condição e de seu reconhecimento e proteção

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pela ordem jurídico - constitucional decorre de um

complexo de posições jurídicas fundamentais".6

Para estudar o relacionamento da dignidade da pessoa humana com os direitos sociais dos trabalhadores adota-se uma linha conceitual ainda mais específica. é que se trata aqui de um daqueles conceitos abertos, aos quais se pode delinear inúmeras vertentes. Esta dificuldade de conceituação, no entanto, não pode ceder ao erro de transformá-la em um tabu que dispensa fundamentações e nem deixar que cada caso concreto resulte em entendimentos diferentes de seu conteúdo7. Embora se saiba que os conceitos carregados de axiologia não admitem uma delimitação engessada do tipo que não deixe margem para a pluralidade e riqueza de seu conteúdo, deverá sempre se vislumbrar um conceito mínimo que possa se infiltrar na seara do viver social em que se está trabalhando. Será utilizado, por considerado o mais completo na linha de pesquisa aqui proposta, outro conceito jurídico de dignidade da pessoa humana conforme preconizado por Ingo Wolfgang Sarlet:

... temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.8

Como ponto de destaque deste conceito, devido a seu relacionamento com a intervenção estatal na economia, temos a condição de respeito e consideração que deve o Estado à pessoa humana e a garantia de condições existenciais mínimas para uma vida saudável. Salta aos olhos já na delimitação inicial da dignidade humana, que os direitos sociais são indispensáveis à sua efetivação. Resta saber o limite entre o que pode preceituar um organismo internacional e até que ponto se pode cobrar internacionalmente a proteção aos direitos sociais, sem interferir no desenvolvimento e respeitando a evolução história de cada Estado.

Quando vislumbramos os direitos humanos em relação a critérios de valoração, temos um prisma discutido pela filosofia. A abordagem escolhida neste estudo é meramente jurídica, tratando estes direitos como um arcabouço normativo internacional (conjunto de tratados, convenções e outros tipos de legislação) cujo objeto é a definição e regulação dos mecanismos internacionais garantidores dos direitos fundamentais da pessoa humana. Consideram-se, então, direitos humanos como os valores universais de proteção à dignidade, liberdade e igualdade inerentes a todos os seres humanos, previstos na ordem jurídica internacional.9

1.2. Direitos humanos sociais

Não se pode deixar de mencionar em...

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