Óbices à Participação Efetiva e Isonômica das Partes no Processo Trabalhista

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito Processual. Professora Adjunta de Processo do Trabalho e Prática Processual Trabalhista na UERJ
Páginas296-316

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O processo trabalhista não tem servido como referência de observação ao contraditório participativo e a razão maior dessa frustração pode ser apontada em uma série de regras que, a pretexto de proteger a parte aprioristicamente tomada como hipossuficiente, tornam o processo muito mais penoso para um dos sujeitos, em flagrante desequilíbrio de armas.

Nesse cenário, o processo trabalhista, tomado em seu módulo mais simples, qual seja, empregado pobre contra empresa rica eventualmente até atende o desequilíbrio material estancando a onda de vantagens da parte tecnicamente mais preparada. Todavia, deixa de ser um processo justo, na medida em que viola o devido processo legal e o contraditório, ao desconsiderar sujeitos cada vez mais presentes nas lides instrumentalizadas pelo processo trabalhista, quais sejam, (i) as empresas de pequeno e médio porte que não suportam os ônus necessários para participar do contraditório efetivo; (ii) os trabalhadores litigantes habituais, que abarrotam a justiça de demandas, apostando nas facilidades criadas em favor do autor e nas dificuldades colocadas diante do réu que insinuam uma espécie de predileção de resultado favorável ao trabalhador, ainda que parcialmente; (iii) as empresas que eventualmente se entendam credoras de direitos de índole social-trabalhista que praticamente não encontram eco no processo do trabalho que sequer as cogita como autoras no diuturno desenvolvimento das mais variadas teorias sobre institutos processuais mais básicos; (iv) as empresas de grande porte que não ilustram litigantes habituais e acabam indiretamente punidas por concepções abstratas; e, finalmente, (v) os trabalhadores que se apresentam em igualdade de condições com os tomadores de serviços, que, ao se beneficiarem de normas processuais protetivas, passam da condição isonômica para um status injustificadamente superior de vantajoso.

Em suma, o contraditório participativo resta inviabilizado no processo trabalhista atualmente concebido, máxime por sua facilitação em relação ao empregado-autor em detrimento das excessivas barreiras apostas ao exercício participativo da empresa-ré.

O desequilíbrio de oportunidades de participação resta mais evidenciado em dois momentos processuais distintos (i) na produção probatória e (ii) na fase recursal.

3.1. Provas

Tratar de prova significa tratar de informação. Significa tentativa sincera de conhecimento da verdade, como pressupos-

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to da realização da justiça e da tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos. Os obstáculos à realização desse objetivo devem ser, sempre que possível, superados e as dificuldades em alcançá-lo não devem subsumir-se em soluções minimalistas, como as da verdade formal, do julgamento norteado por presunções ou por valorações probatórias aprioristicamente estabelecidas.

Assim, defendemos que o direito probatório para um justo processo trabalhista deve adaptar-se de acordo com os parâmetros abaixo analisados.

3.1.1. A fixação do objeto da prova deve ser feita em conjunto

Em primeiro lugar, as partes devem ter a exata noção do que necessitam provar. É dizer, quais são os fatos controvertidos. Nesse contexto, é necessário que o juiz indique o que entende ser controverso e, ainda, que as partes tenham o direito de acrescer eventuais objetos de prova. Daí o aproveitamento do processo bifásico. Tudo isto porque, em um processo justo, a prova é garantia e direito da parte.

Já se foi sem deixar saudades o tempo em que o juiz era o único destinatário da prova, com exclusiva legitimidade para decidir a respeito da sua admissão. O contraditório participativo assegura aos interessados o direito de influir eficazmente nas decisões judiciais e a ampla defesa lhes garante o direito das partes a apresentarem todas as alegações, propor e produzir quaisquer provas de que possam militar a favor.

O objeto da prova serão os fatos relevantes, pertinentes e controvertidos narrados no processo pelo autor e réu. Apenas os fatos devem ser provados pelas partes, uma vez que o direito não depende de prova. Em outras palavras, o juiz conhece o direito (iura novit curia), cabendo aos litigantes narrar e provar apenas fatos. Exceção é feita em relação ao direito estrangeiro, municipal, estadual, distrital ou consuetudinário, hipóteses nas quais poderá o magistrado, a teor do art. 337 do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, art. 769 da CLT, determinar que a parte interessada faça prova do teor e da vigência da legislação mencionada. Ademais, também no que concerne aos domínios do processo do trabalho, poderá, outrossim, o magistrado determinar, caso a parte invoque direito previsto em norma coletiva (convenção coletiva, acordo coletivo), em sentença normativa ou mesmo calcado em regulamento empresarial, que faça prova do teor e da vigência de tais instrumentos.

Em quaisquer casos, é necessário que, antes da instrução, as partes conjuntamente com o juiz fixem os pontos que impendem de produção de prova para que sejam tomados como verdadeiros. O destaque dos fatos não deve resultar de um arbitrário “despacho saneador” e tampouco de um extenso rol de fatos sem potencial de causar efeitos jurídicos, mas que atendam à mera vaidade e outros sentimentos pessoais das partes. Ao revés, a fixação dos pontos controvertidos deve ser resultante do diálogo aberto entre os sujeitos do processo, conscientes das repercussões jurídicas que atendam a seus interesses e da caracterização da realidade subjacente que se faça necessária para tanto.

3.1.2. A fixação do ônus da prova deve ocorrer após a fixação do objeto

Em seguida, elencados os fatos que devam ser provados, mister que as partes combinem quem deve provar ou facilitar a comprovação de cada um.

A realidade em que inserida cada parte será o balizador de suas respectivas possibilidades de investigação da verdade.

Nesse aspecto, é suficiente consignar que o processo justo cultiva aversão pela surpresa, pela lógica do jogo, dos trunfos e das estratégias sub-reptícias. Assim, as cartas devem ser postas na mesa logo no primeiro momento, consignando-se, logo na ata da audiência inaugural, os deveres processuais de cada sujeito em relação a cada objeto da instrução processual.

Nesse aspecto, a bem da verdade, em relação ao momento processual no qual o magistrado deve decidir a respeito da inversão do ônus da prova, existem duas correntes de fortes argumentos doutrinários, máxime em relação às lides que versam sobre direitos do consumidor1059: (i) a que enxerga na inversão uma “regra de julgamento”, portanto, o momento de aplicação

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da regra de inversão do ônus da prova é o do julgamento da causa1060 e (ii) a que defende ser ela uma “regra de procedimento”, pelo que o momento adequado seria o compreendido da inicial até o despacho saneador1061.

O sistema adotado pelo nosso processo civil determina, previamente, quem poderá sair prejudicado com a não produção da prova, sendo que o juiz, na sentença, somente irá se valer das regras inerentes ao ônus da prova quando estas não estiverem nos autos ou forem insuficientes1062. Com relação à regra geral do CPC, a doutrina é praticamente unânime: a inversão deve ser previamente informada.

Já no Código de Defesa do Consumidor, a regra é diver-sa, daí ganha espaço a controvérsia doutrinária. Isto porque a previsão da inversão do ônus da prova é exceção à regra geral trazida pelo CPC a ser adotada se o juiz verificar a presença dos requisitos previstos na Lei, em cada caso concreto e após a análise subjetiva do julgador.

Mesmos nos casos de direitos de consumidores, vale dizer que os critérios para aplicação da inversão não dependem exclusivamente da Lei e nem incidem de forma automática e predeterminada, mas com base na livre apreciação do juiz. Assim, após análise de cada caso em particular, as partes terão ciência sobre em quem recairá a incumbência do ônus da prova, apenas no momento em que se pronunciar o juiz da causa, que poderá decidir pela transferência deste ônus para o réu. Então, o raciocínio é de singela lógica: é preciso, também nas lides consumeiristas, não obstante respeitadas opiniões em contrário, que o juiz se manifeste no processo sobre se a verossimilhança ou a hipossuficiência foram reconhecidas. Assim, se a inversão no CDC não é automática, outrossim não pode ser considerada, tal qual no processo civil...

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