Efeitos dos recursos

AutorLucas Naif Caluri
Ocupação do AutorProfessor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL - unidade Campinas
Páginas106-119

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Uma vez sacramentada a admissibilidade de um recurso, o primeiro e mais importante efeito é o de obstar a preclusão ou o trânsito em julgado de uma decisão judicial.

É por intermédio do recurso que a parte tem oportunidade de manifestar o seu inconformismo e pleitear a reforma da sentença. Decisões existem que são irrecorríveis, portanto não precluem no curso do processo, tais como aquelas que tratam de matéria de ordem pública, que podem passar por novos exames enquanto não transitar em julgado a decisão que provoca a preclusão máxima, com a ressalva, porém, que cabe, ao recurso de manter o ato impugnado em condições de ser modificado.

Vicente Greco Filho leciona que desse efeito decorre outro, puramente de caráter processual, que é o de liberar a competência do tribunal ad quem. O sistema da pluralidade de graus de jurisdição e o princípio da indelegabilidade e inderrogabilidade da jurisdição impõem que cada grau de jurisdição examine a questão na ordem estabelecida pelo sistema processual, de modo que, enquanto não ocorrer a decisão em grau inferior e até que seja interposto o recurso, o grau superior não pode decidir ou interferir por falta de competência.147

O efeito imediato, consoante supramencionado, que decorre da admissibili-dade do recurso, é o de impedir a preclusão ou o trânsito em julgado da sentença.

6.1. Efeito devolutivo

A alteração introduzida pela Lei n. 8.950/94, no texto do art. 516 do Código de Processo Civil vigente (CPC/73), teve o objetivo de precisar o alcance do efeito devolutivo da apelação, bem como eliminar algumas controvérsias que a deficiência da redação anterior ainda ensejava.

  1. o apelante tem o poder de delimitar o objeto de seu recurso, de modo que ao tribunal será, em regra, devolvido "o conhecimento da matéria impugnada", tantum devolutum quantum appellatum; assim, se o recurso é parcial, não pode a instância ad quem rever a sentença naquilo que não foi questionado na apelação; a parte não atacada transita em julgado;

  2. dentro dos limites da apelação, a devolução compreende, em profundidade, todas as questões relacionadas com os fundamentos do pedido e da defesa,

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    quer tenham sido efetivamente decididas em primeiro grau, quer não tenham sido julgadas por inteiro (art. 1.013, § 1º, do novo CPC);

  3. se acolhimento do pedido ou da defesa tiver acontecido por apenas um dos diversos fundamentos invocados pela parte, "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais" (art. 1.013, § 2º).

    Já o § 3º do art. 1.013 do novo CPC não diz respeito à sentença citra petita, ou seja, aquela que deixa pedido ou defesa sem solução. Quando tal ocorre, não é possível pretender que o tribunal supra a omissão e julgue o pedido ou a defesa originariamente, porque isso implicaria quebra do princípio do duplo grau de jurisdição.

    O que a apelação permite ao órgão recursal apreciar é:

  4. a questão de mérito que a sentença não examinou por inteiro, porque a solução encontrada não permitiu que o exame se completasse;

  5. toda a matéria pertinente aos fundamentos do pedido ou da defesa, quando um ou outra tenha sido acolhido, sem exame de todos os motivos arguidos. Em tal hipótese, a questão foi solucionada, sem que houvesse necessidade de analisar todos os fundamentos invocados. Bastou um deles para que a defesa ou o pedido fosse acolhido. Todavia, se o tribunal, no julgamento da apelação, entender que a sentença não merece ser confirmada pelo fundamento que ela adotou, deverá proceder, também, ao exame do outro fundamento que não foi acolhido pelo decisório originário.

    O efeito devolutivo confere também ao tribunal o conhecimento da matéria examinável de ofício, conquanto não a tenha apreciado o juiz a quo.

    Deve-se ressaltar que o art. 1.013 do novo CPC está voltado para a lide, ou seja, o mérito da causa, de maneira que as questões nele aludidas, como alcançadas pelo efeito devolutivo da apelação, são de índole substancial ou material, exatamente aquelas sobre as quais as partes têm, de ordinário, "poder de disposição".

    Esse efeito é inerente a todos os outros e tem a finalidade de provocar o reexame de decisões em geral (Embargos de Declaração, de Decisões Interlocutórias (agravo), de sentenças (apelação), de acórdãos (Embargos de Divergência, Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Recurso Ordinário). De concluir-se, portanto, que o efeito devolutivo existe em todos os recursos. O reexame pode se dar pelo mesmo órgão judiciário que sentenciou, ou por outro do mesmo nível hierárquico ou de nível superior.

    Esse efeito devolutivo atua, no entanto, cerceado pela proibição da reformatio in pejus. Não cabe ao juízo ad quem reformar uma decisão que prejudique a situação do recorrente e, por outro lado, conceder-se uma vantagem ao recorrido

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    se este nada pediu ao tribunal ad quem. Mas não se pode olvidar que haverá reformatio in pejus em demanda que extinguiu o processo sem julgamento do mérito em primeira instância e posteriormente o tribunal julgou improcedente a ação, posto que está legitimado para tanto.

    Ocorrendo a hipótese, evidentemente em caráter excepcional, de atribuirse competência ao órgão a quo para reexaminar a matéria impugnada, o efeito devolutivo deixa de existir ou fica condicionado a que não se reforme a decisão antes do julgamento do recurso. Excluindo essa possibilidade, fica vedado ao órgão a quo praticar qualquer ato que provoque modificação, seja ela total ou parcial, a menos que seja, consoante disciplina o art. 494, I, do Código de Processo Civil, com a finalidade de corrigir inexatidões materiais ou erros de cálculo, procedimento esse que ocorrerá ex officio ou a requerimento da parte.

    Podemos estudar o efeito devolutivo em duas facetas diversas. Com relação à sua extensão e com relação à sua profundidade.

    A "extensão" do efeito devolutivo relaciona-se, fundamentalmente, com a ideia do que é e do que não é impugnado pelo recorrente.

    De acordo com o primeiro, o Código de Processo Civil adotou expressamente a parêmia latina tantum devolutum quantum appellatum, já que determina que o objeto da devolução vincula-se ao que foi objeto de impugnação pelo recorrente.

6.1.1. Efeito devolutivo e a reforma do Código de Processo Civil

A Lei n. 10.352, de 16.12.2001, acrescentou ao antigo art. 515 do Código de Processo Civil vigente (CPC/73) um § 3º, de cujo teor se extrai a seguinte dicção: "Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento".

Agora, o art. 1.013, § 3º, do novo CPC relata que se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo. Diante da previsão legal, uma vez extinto o processo sem exame do mérito pela sentença proferida pelo juiz de primeira instância, poderá o tribunal, ao dar provimento à apelação, adentrar no mérito, desde que já estejam nos autos todos os elementos de prova suficientes ao exame do pedido formulado pelo autor em sua petição inicial ou a causa verse matéria exclusivamente de direito.

O objetivo central da reforma do Código de Processo Civil era o acesso à justiça, podendo-se destacar finalidades específicas, quais sejam:

1) dar efetividade à tutela jurisdicional;

2) simplificar e agilizar o procedimento;

3) minimizar os males do decurso do tempo de espera pela tutela jurisdicional;

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Com a referida alteração, pretendia conferir maior celeridade ao processo, dando mais concretude ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, apesar de não deixar de tomar certas cautelas em nome da segurança jurídica.

A modificação processual previa a possibilidade de o tribunal julgar o mérito, quando o juiz de primeiro grau não o tenha apreciado.

Sábia alteração processual com a manutenção da redação, consoante o art. 1.013, § 3º, I, no novo Código de Processo Civil, pois o excesso de segurança conduz à previsão de garantias exacerbadas, que tornam o processo moroso.

Como as tentativas de reforma do Código de Processo Civil buscam os processualistas alterações das leis processuais, a fim de criar procedimentos mais ágeis e eficazes, dando maior rapidez à solução do litígio.

Desse modo, o tribunal estará em condições para julgar imediatamente uma questão exclusivamente de direito, somente quando o fato for incontroverso.

Todavia, nenhum fato se torna incontroverso antes de ser dada oportunidade para a parte exercer seu direito de defesa.

Assim, o duplo grau de jurisdição visa assegurar a justiça da decisão, mas, ainda que seja considerado uma garantia constitucional, não pode se transformar em um dogma que impeça a criação de melhores técnicas para dar maior celeridade à prestação jurisdicional.

A jurisprudência, mais sensível a esse problema, tem procurado, ao interpretar o antigo art. 515 do Código de Processo Civil vigente (CPC 73), e o art. 1.013 do novo CPC, buscar soluções que visam encontrar uma justa medida para o dilema entre a segurança jurídica e a necessidade de se prestar uma tutela jurisdicional rápida, adequada e efetiva, o que acabou acrescentando o § 3º no referido artigo, a qual merece ser elogiada para o melhor aperfeiçoamento do sistema processual.

Diante de tais considerações, o duplo grau de jurisdição visa assegurar a justiça da decisão, mas, ainda que seja considerada uma das garantias constitucionais, não pode se transformar em um dogma que impeça a criação de melhores técnicas para dar maior celeridade à prestação jurisdicional.

6.2. Efeito...

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