Efeitos dos contratos de trabalho: próprios e conexos. As indenizações por danos morais e materiais no âmbito trabalhista. Dos danos extrapatrimoniais nas relações de trabalho

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas725-783

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I Introdução

O contrato de trabalho é ato jurídico de conteúdo complexo, hábil a provocar larga multiplicidade de direitos e obrigações entre as partes pactuantes. Há efeitos obrigacionais incidentes sobre a figura do empregador, assim como incidentes sobre a figura do empregado.

Os efeitos resultantes do contrato de trabalho podem ser classificados em duas grandes modalidades, segundo sua vinculação mais ou menos direta ao conteúdo contratual trabalhista: efeitos próprios ao contrato e efeitos conexos ao contrato de trabalho.

Próprios são os efeitos inerentes ao contrato empregatício, por decorrerem de sua natureza, de seu objeto e do conjunto natural e recorrente das cláusulas contratuais trabalhistas. São repercussões obrigacionais inevitáveis à estrutura e dinâmica do contrato empregatício ou que, ajustadas pelas partes, não se afastam do conjunto básico do conteúdo do contrato. As mais importantes são, respectivamente, a obrigação de o empregador pagar parcelas salariais e a obrigação de o empregado prestar serviços ou colocar-se profissionalmente à disposição do empregador.

Conexos são os efeitos resultantes do contrato empregatício que não decorrem de sua natureza, de seu objeto e do conjunto natural e recorrente das cláusulas contratuais trabalhistas, mas que, por razões de acessoriedade ou conexão, acoplam-se ao contrato de trabalho. Trata-se, pois, de efeitos que não têm natureza trabalhista, mas que se submetem à estrutura e dinâmica do contrato de trabalho, por terem surgido em função ou em vinculação a ele.

São exemplos significativos desses efeitos conexos os direitos intelectuais devidos ao empregado que produza invenção ou outra obra intelectual no curso do contrato e não prevista no objeto contratual. Também ilustram tais efeitos conexos as indenizações por dano moral e por dano material.

As indenizações por danos morais, inclusive estéticos, e por danos materiais tornaram-se um dos efeitos conexos ao contrato de trabalho mais relevantes nas últimas décadas do cotidiano trabalhista, a partir de seu

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reconhecimento pela Constituição de 1988. Elas serão examinadas neste Capítulo, no item IV (“Efeitos Conexos: Indenizações por Danos Morais e Materiais Sofridos pelo Empregado”) e também no item V (“Efeitos Conexos: O Universo da Personalidade do Trabalhador e a Tutela Jurídica Existente”).

Com o advento da reforma trabalhista implementada pela Lei n. 13.467/2017 (e retificada pela Medida Provisória n. 808/2017), o assunto passou a ser tratado sob o epíteto de reparações por danos extrapatrimoniais (sem prejuízo das indenizações por danos materiais), mediante a inserção do novo Título II-A na CLT (“Do Dano Extrapatrimonial”), integrado pelos arts. 223-A até 223-G. As novas regras trazidas pela Lei da Reforma Trabalhista, com as retificações da MPr. n. 808/17, serão já consideradas ao longo de todo o presente Capítulo XIX, no que for pertinente, além de serem especificamente estudadas no novo item VI deste mesmo capítulo (“VI. Reforma Trabalhista: Danos Extrapatrimoniais nas Relações de Trabalho”).

II Efeitos contratuais próprios

Os efeitos contratuais próprios abarcam obrigações dos dois sujeitos trabalhistas: empregador e empregado.

Desdobram-se em obrigações de dar, fazer e não fazer distribuídas entre os dois agentes da relação de emprego.

1. Obrigações do Empregador

Os principais efeitos próprios ao contrato empregatício, que ficam sob responsabilidade do empregador, consubstanciam-se, essencialmente, em obrigações de dar, isto é, obrigações de pagamento. São manifestações desse conjunto de obrigações de dar o pagamento das verbas salariais e das outras diversas parcelas econômicas decorrentes do contrato (ainda que verbas trabalhistas sem natureza salarial, como o vale-transporte, o FGTS e outras).

O contrato origina, porém, certas obrigações de fazer, a serem adimplidas pelo empregador. A assinatura de CTPS e a emissão do documento CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) em situação de infortúnio do trabalho são exemplos desse tipo de efeito resultante do contrato empregatício.

2. Obrigações do Empregado

Já os principais efeitos próprios ao contrato empregatício, que ficam sob responsabilidade do obreiro, consubstanciam-se, essencialmente, em obrigações de fazer, isto é, obrigações de conduta. A principal manifestação desse conjunto de obrigações de fazer é, como visto, a prestação de serviços efetuada pelo obreiro.

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Ao lado dessa principal obrigação, surgem diversas outras obrigações de conduta que se associam à própria prestação de serviços. Assim ocorre com o comportamento de boa-fé, diligência e assiduidade na execução laboral. Do mesmo modo, a conduta de fidelidade quanto aos segredos da empresa.

Há obrigações de conduta consubstanciadas em omissões (isto é, obrigações de não fazer). É o que se passa com a obrigação de abstenção de concorrência com as atividades do empregador, se tal for da essência da atividade contratada ou cláusula expressa ou tácita do contrato.

Na verdade, o caráter fiduciário do contrato empregatício termina por resultar em distintas obrigações de conduta (fazer e não fazer) incidentes sobre o trabalhador, como instrumento para observância da fidúcia inerente ao contrato.

O pacto empregatício pode originar, porém, certas obrigações de dar a serem adimplidas pelo empregado. A entrega dos instrumentos de trabalho ao final do expediente é uma dessas possibilidades propiciadas pelo cotidiano justrabalhista.

3. Poder Empregatício como Efeito do Contrato

Importante efeito próprio do contrato de trabalho é o poder empregatício. Em qualquer de suas manifestações concretas (diretiva, regulamentar, fiscalizatória e disciplinar), esse poder inquestionavelmente inscreve-se como um dos efeitos mais relevantes inerentes ao contrato de trabalho.

De maneira geral, o poder empregatício consubstancia um conjunto de prerrogativas colocadas à disposição do empregador para direcionamento concreto e efetivo da prestação de serviços pactuada. Tal poder, portanto, como regra, incide em benefício do empregador, atribuindo ao obreiro a obrigação de uma conduta de acatamento das ordens lícitas decorrentes do exercício de tal poder.

A análise do poder empregatício — por sua larga abrangência — deverá, porém, ser objeto de capítulo próprio, no contexto do presente Curso: Capítulo XX — “O Poder no Contrato de Trabalho — diretivo, regulamentar, fiscalizatório, disciplinar”.

III Efeitos conexos: direitos intelectuais

Direitos intelectuais — ou direitos derivados da propriedade intelectual — são os que se relacionam à autoria e utilização de obra decorrente da produção mental da pessoa. São vantagens jurídicas concernentes aos interesses morais e materiais resultantes de qualquer produção científica, literária ou artística.

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Tais direitos — em especial os chamados direitos do autor — são, hoje, universalmente consagrados. Constam, inclusive, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10.12.1948: “Todo homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor” (art. 27. 2). No Brasil, a Constituição de 1988 também incorporou tal consagração, estabelecendo diversas normas e princípios convergentes sobre o assunto (art. 5º, XXVII, XXVIII e XXIX, CF/88).

1. Direitos Intelectuais: modalidades e natureza

Os direitos intelectuais podem ser desdobrados em alguns tipos específicos, cuja regência é regulada por textos normativos próprios. Nesse conjunto, citem-se os direitos do autor, os direitos da propriedade industrial e, finalmente, os direitos relativos à criação e utilização de software (programas de computação).

Os direitos do autor são referidos pelo art. 5º, incisos XXVII e XXVIII da Constituição de 1988, regendo-se também pela antiga Lei n. 5.988/73 e, hoje, pela nova Lei de Direitos Autorais (Lei n. 9.610, de 19.2.1998).

Os direitos da propriedade industrial estão englobados no art. 5º, XXIX, do Texto Máximo de 1988, regulando-se também pelo antigo Código de Propriedade Industrial (Lei n. 5.772, de 1971) e, a contar de maio de 1997, pela nova Lei de Patentes (n. 9.279/96).

Finalmente os direitos intelectuais relativos à criação e utilização de “software”, que se englobam nos dispositivos constitucionais acima citados, regiam-se pela antiga Lei n. 7.646, de 1987; atualmente são regulados pela Lei n. 9.609, de 19.2.1998.

Natureza Jurídica As parcelas com natureza de direito intelectual podem ser devidas pelo empregador ao obreiro no contexto do contrato empregatício. Contudo, preservam, regra geral, natureza jurídica própria, distinta da salarial. É que elas derivam de...

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