Efeitos do acordo judicial em sede de ação civil pública nas ações de cumprimento

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
CargoProcurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho
Páginas160-174

Page 160

1. Introdução

O objetivo deste artigo é discorrer sobre os efeitos do acordo judicial que culmina em acordo judicial em sede de Ação Civil Pública, com desconstituição de cláusula normativa que deu sustentação ao processo de execução de Ação de Cumprimento, transitada em julgado. Tal matéria é de suma importância em face não apenas das controvérsias suscitadas, como também dos inúmeros casos em trâmite nos Pretórios Trabalhistas, envolvendo, inclusive, decisões conflitantes.

Procuraremos discorrer sobre a posição doutrinária e jurisprudencial, envolvendo a discussão sobre os efeitos (aplicação de multa) da execução da ação de cumprimento, tendo por objeto cláusula de convenção coletiva de trabalho, vedando a abertura do comércio aos domingos, que foi afastada do mundo jurídico por meio de acordo judicial em sede de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, com a estipulação de obrigação de não fazer nos futuros instrumentos normativos.

Com efeito, o que se procura responder é o cabimento das multas impostas nas ações de cumprimento, que transitaram em julgado, e

Page 161

foram executadas, antes e após o advento do acordo judicial entre os sindicatos e o Ministério Público do Trabalho.

2. Ação de cumprimento

Celebrado o acordo coletivo ou mesmo antes1 de transitada em julgado a decisão normativa, de competência do Tribunal Regional do Trabalho ou Tribunal Superior do Trabalho, na hipótese de não satisfação das cláusulas contidas naqueles instrumentos, os empregados ou seus representantes, os sindicatos, poderão ajuizar reclamação trabalhista ou ação de cumprimento.

Estatui o art. 872 da CLT:

Art. 872. Celebrado o acordo, ou transitada em julgado a decisão, seguir-se-á o seu cumprimento, sob as penas estabelecidas neste Título.

Parágrafo único. Quando os empregadores deixarem de satisfazer o pagamento de salários, na conformidade da decisão proferida, poderão os empregados ou seus sindicatos, independentes de outorga de poderes de seus associados, juntando certidão de tal decisão, apresentar reclamação à Junta ou Juízo competente, observado o processo previsto no Capítulo II deste Título, sendo vedado, porém, questionar sobre a matéria de fato e de direito já apreciada na decisão.

Por seu turno, a Súmula n. 286 do Colendo Tribunal Superior legitima a atuação do sindicato, como substituto processual, in verbis:

Súmula n. 286 — SINDICATO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVOS — REDAÇÃO DADA PELA RES.
n. 98/00, DJ 18.9.2000. A legitimidade do sindicato para propor ação de cumprimento estende-se também à observância de acordo ou de convenção coletivos.

De acordo com Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante2, a ação de cumprimento tem natureza

Page 162

condenatória pois busca o cumprimento de determinação de decisão normativa (decisão normativa genérica) ao caso concreto. (...) Apesar de o art. 872 da CLT prever a ação de cumprimento após a celebração do acordo ou do trânsito em julgado da decisão, o art. 7º, § 6º, da Lei
n. 7.701/88, autoriza o ajuizamento da ação a partir do vigésimo dia subsequente ao julgamento, fundada no acórdão ou na certidão de julgamento, quando não publicado o acórdão.

Já o art. 3º, § 6º, da Lei n. 4.725/65, dispõe que “o provimento do recurso não importará na restituição dos salários ou vantagens pagos, em execução do julgado.”

Portanto, pacificado o conflito por meio de sentença normativa, decorrente de dissídio coletivo de natureza econômica ou mesmo por acordo ou transação em sede de Ação Civil Pública, em que já houve pagamento a trabalhadores da categoria decorrente de ajuizamento de Ação de Cumprimento, não mais será possível a devolução dos valores pagos anteriormente, na hipótese de reforma de decisão ou de retirada do acordo ou convenção coletiva de cláusula que deu sustentação à mencionada ação de cumprimento, ou mesmo objeto de reforma da decisão normativa, por intermédio de Recurso Ordinário no Tribunal Superior do Trabalho.

3. Ação civil pública como instrumento de desconstituição de cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho

Entre as várias atribuições constitucionais e infraconstitucionais atribuídas ao Ministério Público do Trabalho, consoante arts. 127 a 129 da Constituição Federal de 1988, arts. 6º, 83 e 84 da Lei Complementar
n. 75/93, verificando o membro do MPT a inserção de cláusula em acordo ou convenção coletiva de trabalho que conflita com as leis de regência, poderá instaurar Procedimento Investigatório, com a notificação dos sindicatos envolvidos, no sentido de pacificar o conflito por meio de celebração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (Lei da Ação Civil Pública n. 7.347/85, art. 6º).

Havendo a recusa ou a recalcitrância dos sindicatos na adequação de sua conduta, não haverá outra alternativa ao Parquet Trabalhista, a

Page 163

não ser o ajuizamento de Ação Civil Pública nas Varas do Trabalho, consoante art. 2º da Lei n. 7.347/85, para extirpar a cláusula infringente do ACT ou CCT ao ordenamento jurídico, com efeito jurídico ex-nunc, bem como Ação Anulatória de cláusula do ACT ou CCT no Tribunal Regional do Trabalho ou eventualmente no Tribunal Superior do Trabalho, dependendo da região envolvida no instrumento jurídico, até mesmo com efeito ex-tunc.

No entanto, deve-se notar que o Inquérito Civil não é condição de procedibilidade para o ajuizamento das ações a cargo do Ministério Público do Trabalho, nem para a realização das demais medidas de sua própria atribuição, consoante art. 1º, parágrafo único, da Resolução
n. 69/07, do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho.

Neste sentido, a ementa:

O inquérito civil é procedimento administrativo facultativo, inquisitorial e autoexecutório, o que desobriga o MP de instaurá-lo se dispõe de elementos necessários à propositura da ação. (STJ, REsp. n. 77899/02, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 9.6.2003)

De acordo com Raimundo Simão de Melo3, dependendo da situação concreta que envolva a invalidade de um instrumento normativo ou contratual pode ser ajuizada uma ação civil pública de natureza reparatória. Neste caso, porém, diferentemente da ação de nulidade, o objetivo não é afastar a norma inquinada de inválida, de forma abstrata, do mundo jurídico. A finalidade é, declarando-se a nulidade incidental (CPC art. 49, inciso III), coibirem-se os efeitos concretos decorrentes e impedir, mediante a imposição de uma obrigação de não fazer, que a mesma seja repetida nos instrumentos seguintes.

4. Efeitos jurídicos do acordo judicial em sede de ação civil pública na ação de cumprimento

Levantadas as possibilidades de cabimento e legitimidade de Ação Civil Pública e da Ação de Cumprimento, cabe-nos agora tentar

Page 164

responder ao objetivo deste artigo que versa justamente sobre os efeitos jurídicos de um acordo judicial, que culminou com a extinção da Ação Civil Pública, com julgamento do mérito, com fulcro no art. 269, III, do Código de Processo Civil, que afastou do mundo jurídico e das próximas convenções ou acordos coletivos da categoria, uma cláusula que atritava com lei federal, mais especificamente o art. 6º4 da Lei n. 10.101/00.

O problema se afigura em relação aos processos de execução em sede de Ação de Cumprimento em curso e aqueles que já foram liquidados, com o recebimento dos valores pelos trabalhadores da categoria profissional, que tiveram como sustentáculo justamente a cláusula de convenção ou acordo coletivo eivado de irregulares, agora retirada do mundo jurídico.

Quais os efeitos, portanto, desse acordo judicial decorrente de Ação Civil Pública, não apenas nas ações de cumprimento já liquidadas, com o recebimento do quantum debeator, como aquelas ainda em curso nas Varas do Trabalho?

Sabe-se que, proferida a sentença na ação de cumprimento, cabe ao autor, geralmente o Sindicato, iniciar a execução provisória do julgado, por sua conta e risco. Com o trânsito em julgado dessa sentença, prossegue-se com a execução definitiva do julgado, como é a regra geral a ser aplicada em relação a qualquer decisão judicial.

Raimundo Simão de Melo5 aduz que problemas surgem, no entanto, quando, mesmo transitada em julgado uma sentença em ação de cumprimento, a decisão normativa embasadora do pedido: a) pende de confirmação mediante recurso para o TST: b) transita em julgado com conteúdo improcedente em relação aos pleitos objeto da ação de cumprimento; c) decreta a extinção do processo de dissídio coletivo, sem apreciação do mérito.

Observe-se que a matéria discutida neste artigo, ou seja, o acordo judicial entre o Ministério Público do Trabalho e os sindicatos, em Ação Civil Pública movida pelo primeiro em face dos sindicatos obreiro e

Page 165

patronal, que culminou com a aceitação pelos sindicatos da obrigação de não fazer pleiteada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT