O Efeito Dúplice do Controle de Constitucionalidade em Matéria Tributária e a Relativização da Coisa Julgada Tributária Ante a Coisa Julgada no Novo CPC

AutorRebeca Soraia Gaspar Bedani
CargoAdvogada especializada em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes
Páginas26-36

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Introdução

O estudo a seguir não tem a finalidade de esgotar o tema do efeito dúplice e a relativização da coisa julgada tributária na nova legislação processual cível, mas de inferir algu-mas refiexões e debates a respeito.

É cediço que na relação jurídica processual há no mínimo a presen-ça de três figuras: o autor, o réu e o juiz. Em regra é o autor que ingressa com ação e formula pedido em face do réu em busca do bem da vida pleiteado.

No entanto, há situações em que o réu não realiza apenas sua defesa perante a pretensão do autor, mas pode formular pedido contraposto ou reconvir.

Para muitos doutrinadores e estudiosos do tema, o pedido contraposto e a reconvenção têm o mesmo signi-

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ficado que ações dúplices; porém há diferenças que devem ser considera-das entre todas essas figuras.

O mais importante para este estudo é que nas ações dúplices ambas as partes podem ser titulares do direito material, de modo que as posições autor e réu se confundem entre si, e o juiz poderá conceder o bem da vida ao réu sem a necessi-dade de pedido expresso ou reconvenção nesse sentido.

A questão da duplicidade tem maior relevância no caso das ações de controle de constitucionalidade ou simples declaratórias que versam sobre a matéria, pois os efeitos da decisão poderão beneficiar uma ou outra parte litigante.

Com relação ainda ao efeito dúplice, no que tange ao controle de constitucionalidade, muitas são as refiexões acerca da aplicação da decisão prolatada que delimita a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo em processo que já transitou em julgado e, por esse motivo, fez coisa julgada.

Dessa forma, o presente estudo tem como fundamento refietir sobre a possibilidade de relativização da coisa julgada em relação às ações dúplices ou de efeito dúplice em comparação às ações simples, bem como o cabimento de ação rescisória e querela nullitatis em especial no direito tributário em razão de suas regras e legislação próprias.

Por fim, é analisada a relativi-zação da coisa julgada e da coisa julgada tributária perante o novo Código de Processo Civil e quais as implicações da nova legislação processual no direito tributário.

1. Ação dúplice, efeito dúplice, pedido contraposto e reconvenção

Em geral o autor é visto como aquele que elabora pedido mediato e imediato em face do réu e, por esse motivo, é o principal interessado na ação, cabendo a ele a concessão do bem da vida por meio de determinada demanda judicial.

Há casos, no entanto, em que não só o autor tem interesse no bem da vida pleiteado, de modo que ambas as partes (autor e réu) ocupam o polo ativo e passivo da ação, e, assim, exsurge a possibilidade de ser concedido ao réu o bem da vida sub judice.

Tradicionalmente o réu faz impugnações, mas não realiza propriamente pedido para obter o bem da vida; o que existe é um pedido incompleto referente à improcedência da ação.

Entretanto, há situações em que o réu também formula pedido ou busca o bem da vida em face do autor; portanto, cabe não só a defesa propriamente dita, mas outras figuras processuais deno-minadas pedido contraposto e reconvenção.

A doutrina muitas vezes entende que o pedido contraposto e a reconvenção são as denominadas ações dúplices, e que esses vocábulos são sinônimos de ações dúplices. Porém, há diferenças que merecem uma análise mais aprofundada.

O pedido contraposto é aquele cuja pretensão é formulada em sede de juizado especial, sem a necessi-dade de formalidades processuais atinentes à demanda reconvencional, ao passo que a reconvenção é formal em petição separada e um modo de se propor incidentalmente uma pretensão do réu face ao autor da qual o primeiro acredita ser titular de direito, desde que atendidos os pressupostos processuais, as condições da ação e os requisitos de compatibilidade da demanda proposta pelo autor.

Pode-se até mesmo dizer que a reconvenção tem cabimento quando a ação proposta não consiste em uma ação dúplice. Tal assertiva tem fundamento na medida em que as ações dúplices versam sobre as pretensões de direito material em que a condição de ambas as partes litigantes é a mesma - ainda que sejam denominadas autor e réu, os dois ocupam concomitantemente essas duas posições, e por esse motivo a demanda poderia ser proposta por qualquer uma das partes, não havendo a necessidade expressa de reconvenção ou de designar parte da defesa como pedido contraposto.

Esclarece Araken de Assis1que é dúplice a ação quando a con-testação do réu é suficiente à ob-tenção do bem da vida, ou seja, em regra o autor pede e o réu impede. Na ação dúplice o ato de impedir expressa um sentido contrário, que evidencia uma pretensão.

No entendimento de Adroaldo Fabrício Furtado2, a situação jurídica no caso de ações dúplices é que qualquer um dos sujeitos litigantes poderia ajuizar a ação em face do outro ou dos outros. Exemplo disso ocorre nos juízos demarcatórios e divisórios, em que não há na verdade autores e réus. Portanto, se há dois sujeitos na relação jurídico-material e qualquer deles pode propor a referida ação um em face do outro, essa ação é dúplice.

No ordenamento jurídico brasileiro como exemplo de ação dúplice há as demarcatórias, em que a sentença, ao conceder o bem da vida, poderá atribuí-lo ao réu sem que esse tenha necessariamente formulado pedido expresso nesse sentido.

A concessão do bem da vida ao réu não se origina no exercício do direito de ação e inexiste violação ao princípio da inércia da atividade jurisdicional, porque a tutela a ser apreciada tem em própria nature-za a discussão de direito material e não decorre de relação de direito

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processual. Assim, é intrínseco do objeto da demanda, motivo pelo qual o juiz não extrapola os limites da lide ao conceder ao réu o bem da vida sub judice.

Segundo Gabriel Rezende Filho3, as ações dúplices assim se denominam porque nelas ambas as partes reúnem as qualidades tanto de autor como de réu, podendo ser o autor condenado sem a necessi-dade de reconvenção do réu. Em contrapartida, nas ações simples ocorre o contrário, pois o pedido do autor deve ser julgado procedente ou improcedente, no sentido de que a única condenação que lhe pode ser imposta pelo juiz é o de arcar com as custas.

Ainda conforme Gabriel Rezende Filho, foram os romanos que instituíram a judicia duplicia como excepcional, tendo em vista que nessas ações o réu pleiteia a mesma coisa que o autor, e o autor pode tornar-se réu e o réu autor em relação ao mesmo objeto do litígio. A decisão é que definirá a posição das partes. Alguns exemplos de ações dúplices: a ação de divisão, demarcação, partilha e possessória.

Cabe mencionar o entendimento de Ovídio A. Baptista da Silva4, quando relata que a ação possessória é muitas vezes considerada como ação dúplice, mas ela não é como a verdadeira ação dúplice, isto é, demanda que dispense o pedido de proteção possessória e pedido indenizatório, de modo que o réu deve elaborar pedido nesse sentido. Caso contrário o juiz não poderá concedê-lo, vez que nessa situação poderá violar o princípio da inércia da jurisdição.

Uma situação interessante é o caso da duplicidade das ações relativas ao controle de constitucionalidade. Destaque-se inicialmente que a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) é entendida como meio de controle abstrato de constitucionalidade que tem como objeto a defesa da Constituição e viabiliza a exclusão de lei ou ato normativo que contrarie suas re-gras e princípios, a fim de preser-var o ordenamento constitucional.

Outro meio de controle objetivo de constitucionalidade é a ação declaratória de constitucionalidade (ADC), porém sua função é declarar se determinada lei está em conformidade com a Constituição, mas não há decretação incidental de inconstitucionalidade da mesma.

Há discussões se as supracitadas ações de controle de constitucionalidade são dúplices, de modo que insurge a questão da ambivalência entre essas ações, além de indagações se a procedência de uma induz a improcedência da outra.

Na Emenda Constitucional 3 restou consignado que a eficácia contra todos e o efeito vinculante abarcavam somente a ação declaratória de constitucionalidade, previsão inclusive constante nos termos do artigo 102, § 2º, da lei magna.

Entretanto, tanto a ADI como a ADC eram empregadas como mesma ação, apenas com o sinal diferenciado, e com isso a improcedência de uma seria a procedência da outra.

Segundo Gilmar Ferreira Mendes5, está presente o caráter dúplice nas ações de controle de constitucionalidade, até mesmo por decorrência do artigo 24 da Lei 9.868/99.

Com o advento da Emenda Constitucional 45 ficou cristalina a presença do efeito dúplice das ações ADI e ADC com a literalidade da redação do artigo 102, § 2º, da Constituição Federal.

Nesse sentido, Nilson Dias de Assis Neto6 menciona a presença de um modelo misto de infiuência euro-continental em que ambas as ações estão mais próximas e há diminuição das diferenças entre os dois instrumentos de controle abstrato e concentrado, o que acarreta a configuração da natureza dúplice ou ambivalente das ações.

Em que pese o entendimento das ações de controle ADI e ADC configurarem ações dúplices, o que há, na verdade é um caráter de duplicidade, ou efeito dúplice, mas não propriamente ações dúplices tradicionalmente reconhecidas como aquelas em que ambas as partes ocupam de forma abstrata a condição de autor e réu. Além disso, na ação tipicamente dúplice não há a necessidade de existir outra demanda concomitantemente para apreciar determinado direito.

Dessa forma, devido ao efeito dúplice...

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