Educação em direitos humanos: análise documental e reflexões sobre suas possibilidades

AutorAlinne Grazielle Neves Costa
Páginas55-74

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Apresentação

Este texto apresenta resultados de uma pesquisa documental realizada por meio da análise de conteúdo sobre Educação em Direitos Humanos, desenvolvida com os documentos analisados, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2006) e o Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos, especificamente a terceira versão desse Programa, também conhecida como PNDH-3 (2010). Foram estabelecidos dois eixos temáticos de reflexão: (1) Noções de Direitos Humanos e de Educação em Direitos Humanos e (2) Formação de professores em Direitos Humanos e Cursos de Pós Graduação. Os achados da pesquisa permitem afirmar que a noção mais recorrente sobre direitos humanos está no respeito à dignidade humana e a proposta de uma Educação em Direitos Humanos para a formação docente e nos cursos de Pós-Graduação contribui para efetivar o que está posto nos referidos documentos como metodologia para o reconhecimento e proteção da dignidade humana pautado no eixo orientador Educação e Cultura em Direitos Humanos e, além disso, oportuniza no ambiente escolar a formação de uma nova mentalidade para combater todos os tipos de violência e buscar a justiça social.

1 Introdução

"São nas ausências, vazios e silêncios, produzidos pelas múltiplas formas de dominação, que se produzem às múltiplas formas de

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resistência [...] que, fundadas no inconformismo e na indignação perante o que existe, expressam as lutas dos diferentes agentes (pessoas e grupos sociais) pela superação e transformação de suas condições de existência"1.

A citação de Pérez reflete com maestria o que foi a História dos Direitos Humanos no Brasil, uma História dos inconformados e dos indignados de nossa sociedade que lutaram e ainda lutam contra as injustiças sociais para a superação de uma realidade excludente, de violações de direitos e em defesa de uma Educação em Direitos Humanos.

Contudo, ainda é tímida a introdução da temática dos Direitos Humanos na formação inicial e continuada dos educadores no Brasil. No entanto, é urgente a modificação dessa situação, uma vez que, por um lado, identificamos a ampliação dos movimentos sociais que lutam ativamente pelo estabelecimento da cidadania ativa e a vigência de um Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Por outro, a violação sistemática aos direitos humanos, incompatível com qualquer projeto nacional que vise uma sociedade justa, igualitária e não violenta.

A essência pura e simples de educação em direitos humanos é a criação e a socialização de uma cultura que contribua para fortalecer ou empoderar os grupos vulneráveis ou vítimas de violação aos direitos humanos, ancorada no reconhecimento de que todas as pessoas devem ser respeitadas em sua condição humana e de sujeitos de direitos. Assim, pensar a Educação em Direitos Humanos demanda um projeto educativo emancipatório.

Tendo em vista o exposto, este texto apresenta resultados de uma pesquisa bibliográfica e documental2 do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2006) e o Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos-3 - PNEDH-3 (2010), com a finalidade de identificar e analisar as noções e ações de Educação em Direitos Humanos previstos nesses documentos e as formulações sobre formação docente em direitos

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humanos, para compor a narrativa sobre Educação em Direitos Humanos e a importância da criação de disciplinas que tratem desta temática durante a graduação e, também, como uma opção de especialização para Pós-Graduação.

O Plano (2006) e Programa (2010) são documentos importantíssimos para a história da Educação em Direitos Humanos no Brasil, por se tratar de iniciativas tomadas pelo nosso Governo Federal para efetivação de processos educativos capazes de responder à tarefa de construir uma cultura de paz, por meio da Educação em Direitos Humanos, exigência dos documentos da Conferencia de Viena, de 19933

Nesse sentindo, o Plano (2006) e o Programa (2010) refletem os avanços do Governo brasileiro na perspectiva de garantir uma Educação fundamentada nos princípios dos direitos humanos e, por isso, tornaram-se documentos para a obtenção de orientações metodológicas que ajudam a pensar como colocar em prática as noções e as ações em Educação em Direitos Humanos.

Para o exame do Plano e do Programa em Direitos Humanos, foram utilizados procedimentos da Análise de Conteúdo4, uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. Essa análise, que conduz a descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, ajuda a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados em nível que vai além de uma leitura comum.

A Análise de Conteúdo, segundo Bardin, embora apresente diversas formas, compreende três fases fundamentais, que são: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. Seguindo essa composição, na pré-análise, organizarmos um exame inicial dos documentos e, por meio de uma leitura "flutuante", "é a leitura que possibilita criar hipóteses ou questões norteadoras, em função de teorias conhecidas".

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Partindo desse pressuposto, iniciou-se a leitura "flutuante" do Plano e do Programa e criamos dois eixos de análise norteadores em função de termos e de palavras que apareceram recorrentemente nessa leitura inicial: (1º) noções de direitos humanos e de Educação em Direitos Humanos e (2º) formação docente em direitos humanos e o curso de Pós-Graduação.

A partir desses dois eixos, começou-se o segundo momento da Análise de Conteúdo, a exploração do material. Nessa fase, é preciso codificar, classificar e categorizar os achados dentro do Plano e do Programa. Durante essa tarefa, foi possível criar outros eixos de análise, tais como Educação escolar e direitos humanos e ações em direitos humanos, construídos por meio de agrupamentos de palavras e termos que se repetiam ao longo dos textos dos documentos analisados.

Avançando no processo, chegou-se à terceira fase, o tratamento dos resultados que foram analisados e entrecruzados, buscando responder às perguntas referentes aos objetivos da construção deste texto e à luz dos referenciais teóricos escolhidos, buscando identificar e analisar a noção de direitos humanos. Analisar, ainda, as implicações do Programa e do Plano para a formação e prática docente, a importância da disciplina Educação em Direitos Humanos durante a formação docente e, principalmente, a necessidade de efetivação de Cursos de Especialização em Direitos Humanos nas Universidades Federais do nosso país.

A seguir, apresentamos a reflexão sobre educação em direitos humanos, com base nos resultados da referida pesquisa documental.

2 Noções de direitos humanos e de educação em direitos humanos

Inicialmente, cabe mencionarmos que a valorização da pessoa humana encontrou expressão, ao longo da história, em distintas épocas, porém, no plano internacional, foi recente, articulando-se, principalmente, a partir da adoção da Declaração dos Direitos Humanos (1948). Atualmente, o reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das contribuições democráticas modernas.

No entanto, é preciso deixar claro que, ao falarmos sobre "direitos humanos" e "direitos", o fazemos no sentido, mais comum e aceito entre os estudiosos deste assunto5, que os compreende como direitos comuns

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a todos os seres humanos, sem distinção de etnia, nacionalidade, gênero, classe social, religião, ideologia, nível de instrução, orientação sexual e julgamento moral. Representam aquilo que as pessoas precisam para viver com dignidade (como os direitos à vida, à alimentação, à saúde, à moradia, à educação, à liberdade de expressão, à liberdade política etc.), aspirações de justiça de todos os povos e pessoas, um compromisso de todos para a constituição de uma nova ética mundial. Dessa forma, os direitos humanos são o melhor fundamento para as políticas públicas, a base para uma paz verdadeira e duradoura, a inspiração para as lutas dos movimentos sociais e o melhor critério para resolver os conflitos.

Em síntese, a ênfase do conceito direitos humanos está na dignidade humana que é a essência da humanidade do homem e da mulher, um valor inerente ao ser humano, que nos faz considerá-los como algo diferente de uma coisa, de um objeto.

A dignidade é uma noção que nos impõe a obrigação de considerar o Outro, de respeitá-lo em qualquer dimensão humana e em qualquer lugar que ele esteja e, por isso, é considerada o cerne da Declaração dos Direitos Humanos.

A preocupação e o interesse com a promoção de uma educação orientada para os direitos humanos no Brasil ganhou maior projeção em meados dos anos 1990, com a definição, em 1995, da década da educação em direitos humanos, encerrada, em 2004, com a aprovação, no ano seguinte, do Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH) e seu Plano de Ação. Esse debate repercutiu, no Brasil, no mesmo período, especialmente no âmbito das organizações da sociedade civil. Em 2003, ganhou maior institucionalidade, com a criação do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. As diretrizes nacionais, que orientam a atuação do poder público no âmbito dos Direitos Humanos, foram desenvolvidas a partir de 1996, ano de lançamento do primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH I.

O PNDH-I foi revisado e atualizado em 2002, sendo ampliado com a incorporação dos direitos econômicos, sociais e culturais, o que resultou na publicação do segundo Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH II.

Já a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3, Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, se difere dos outros

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dois, pois sua construção contou com a participação de diversos sujeitos e se concretizou por meio da...

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