Editorial: Ética e Política

AutorPedrinho Guareschi
CargoDoutorado em Psicologia Social pela University of Wisconsin, Madison, Wisconsin, EUA Professor colaborador permanente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Páginas319-321
EDITORIAL
R. Katál., Florianópolis, v. 20, n. 3, p. 319-321, set./dez. 2017 ISSN 1982-0259
Ética e Política
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Ética e política são conceitos complexos. Já por haver entre eles uma estreita relação. Aliás, isso é
evidenciado no próprio título dos diversos trabalhos que seguem. Analisando os textos optei por trazer algumas
reflexões que podem parecer difíceis, mas vou fazer um esforço para falar delas com clareza. Começo com
uma pequena introdução sobre ética para depois, com as iluminações de Hannah Arendt (2011, 2012), discutir
como se pode pensar a política e a liberdade numa comunidade que se queira ética. Refleti muito para escrever
essas páginas e provoco o leitor para que questione essas minhas reflexões.
A ética é uma dimensão inseparável do cotidiano dos homens e mulheres. Isso fica claro ao examinar-
mos sua própria etimologia. Tanto o termo grego ethos, de onde provém ética, como o termo latino mos, de
onde provém moral, referem-se à mesma realidade: os costumes que vão se estabelecendo nas relações
cotidianas entre as pessoas de uma comunidade. Mesmo agora, sempre que um grupo se reúne, imediatamente
seus participantes começam a estabelecer maneiras de viver, como vão desenvolver as tarefas, quem vai se
responsabilizar pelo quê. Tacitamente vão estabelecendo normas implícitas, deveres para cada um, jeitos de se
viver: pois esses são os costumes que se transformam em ética e moral.
É importante notar que a dimensão moral ou ética perpassa sempre todas as ações humanas. Não há
como evitar esse fenômeno surpreendente. Todo tipo de ação e convivência carrega consigo, intrinsecamente,
uma conotação valorativa, a presença de valores. Os valores nos interpenetram e nos possuem, são eles que
sempre nos impulsionam a agir. Eles fazem parte da própria constituição do ser humano. Paulo Freire (1997),
numa entrevista dada poucos dias antes de morrer, testemunhava isso de maneira profundamente vivencial
afirmando ser impossível pensar ou fazer algo sem que essa dimensão da ética lhe tomasse o incorporasse:
“somos seres éticos, a ética perpassa toda nossa existência”.
No entender cotidiano costuma-se dizer – e isso não está errado – que tanto a ética como a moral têm
a ver com adjetivações ligadas a bom ou ruim. Essa questão, contudo, se torna intrigante, e bem mais comple-
xa, quando passamos a nos perguntar sobre os fundamentos desse “bom/ruim”. É a essa altura que alguns já
começam a distinguir entre ética e moral: moral seriam os costumes, normas que se estabelecem implícita e
tacitamente entre pessoas e grupos, sem questionamento. Já a ética seria uma reflexão filosófica, crítica, sobre
essa questão crucial: baseados em quê podemos afirmar que uma coisa é boa ou ruim?
Várias teorias (paradigmas, explicações, justificações) foram sendo construídas para responder à ques-
tão. Duas são as principais. Uma primeira é chamada de naturalismo: algo é bom ou ruim se se adéqua e
responde às leis da natureza. A lei natural é a grande lei ética. Já uma segunda, o contratualismo, argumenta
que o que garante o bom/ruim de algo é a lei positiva, criada pelos humanos: se existe lei, presume-se que seja
boa e deve ser seguida. Esse é o paradigma dominante nos dias de hoje. Todos correm à procura de uma lei e
quando a encontram, procuram impô-la aos demais.
Estou convencido que é possível avançar nessa reflexão. Busco inspiração nas contribuições de
uma importante pensadora do século XX, Hannah Arendt. Ela viveu – e sofreu – intensamente as vicissi-
tudes do século pensando-as criticamente. Considerada idealista, ou saudosista, por alguns, suas refle-
xões permanecem muito atuais.
Arendt busca na polis grega e na civitas romana argumentos para não apenas entender, mas também
sugerir, uma nova compreensão de política compatível e propiciadora de uma nova ética. Não se precisa
aceitar que a polis tenha chegado a ser um modo de vida universal e generalizado para todos os gregos. Ela se
constituiria numa situação ideal em que as pessoas, já libertadas do labor (trabalho), necessário para satisfazer
às necessidades vitais (o espaço da necessidade), e tendo também superado o domínio da obra, da fabricação
e transformação da natureza (o espaço da utilidade), poderiam viver com mais plenitude aquela dimensão em
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-02592017v20n3p319

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