Rede Ecovida de agroecologia: uma inovação estratégica para o desenvolvimento territorial sustentável na zona costeira catarinense?

AutorSuzana Maria Pozzer da Silveira
CargoDoutora em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - Brasil
Páginas181-213
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2013v10n2p181
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
REDE ECOVIDA DE AGROECOLOGIA: UMA INOVAÇÃO ESTRATÉGICA PARA
O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL NA ZONA COSTEIRA
CATARINENSE?
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Suzana Maria Pozzer da
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Resumo:
Face às mudanças que atingem as sociedades contemporâneas, num cenário de
crise socioecológica, globalização assimétrica e desterritorialização, nas últimas
duas décadas, a pesquisa interdisciplinar tem detectado o surgimento de dinâmicas
exitosas de reterritorialização. Elas exprimem um processo inovador de organização
coletiva em rede, que muitas vezes parecem convergir com os princípios básicos do
enfoque de desenvolvimento territorial sustentável (DTS). Neste sentido, em nosso
País, vêm se destacando as experiências obtidas com a formação de redes de
agroecologia e de economia solidária, além de sistemas produtivos localizados
(SPL) e agrovilas. Além de impulsionarem a formação de novas sociabilidades,
essas inovações sociotécnicas estão associadas a processos de inclusão social, de
internalização da lógica da reciprocidade e de construção da cidadania ambiental.
No entanto, as evidências disponíveis indicam que elas permanecem ainda
embrionárias, fragmentadas e sem sintonia com as exigências de construção de
dinâmicas de desenvolvimento, ao mesmo tempo territorializadas e ecologicamente
viáveis. Com base nesse cenário, o texto oferece uma análise do padrão de atuação
da Rede Ecovida de Agroecologia, no contexto específico da Zona Costeira
Catarinense. O enfoque analítico foi baseado na metodologia de análise de redes
sociais (ARS) aplicada à avaliação prospectiva de estratégias de DTS.
Palavras-chave: Redes de agroecologia. Gestão em rede. Metodologia de Análise
de Redes Sociais. Desenvolvimento Territorial Sustenvel. Reterritorialização.
1 Este artigo foi apresentado oralmente no VI Congresso Internacional Sistemas Agroalimentares
Localizados - os SIAL face às oportunidades e aos desafios do novo contexto global em maio de
2013, na cidade de Florianópolis, SC, Brasil. Ele constitui uma síntese da tese de doutorado da
autora, defendida em março de 2013, intitulada: Redes de agroecologia: uma inovação estratégica
para o desenvolvimento territorial sustentável. Estudo de caso de dois grupos do Núcleo Litoral
Catarinense da Rede Ecovida de Agroecologia, no período de 2002 a 2012, pelo Programa de Pós-
Graduação em Sociologia Política. Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis, SC,
Brasil.
2 Doutora em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC,
Brasil. Professora do departamento de Zootecnia e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal
de Santa Catarina,Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: sumapozzer@gmail.com
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Introdução
As mudanças macroestruturais, advindas com as novas tecnologias, com o
pós-fordismo e com a constituição de uma sociedade em rede, contribuíram para a
intensificação dos processos de desterritorialização e reterritorialização nas
sociedades contemporâneas (HAESBAERT, 2007; CASTELLS, 2009). As principais
demandas no fortalecimento dos processos de reterritorialização têm origem na
esfera da sociedade civil, mediante atuação dos movimentos sociais, das ONGs,
das marchas/protestos, dosruns de Agenda 21, entre outros (VIEIRA, 2001;
SCHERER-WARREN, 2012). Em geral, as ações efetuadas por esses atores
privilegiam a lógica da reciprocidade, como pode ser constatada nas diversas
experiências de economia solidária, de formação de redes de agricultores familiares
e de algumas cooperativas (SABOURIN, 2012). Não obstante, uma forte
tendência em prevalecer a lógica da troca (instrumental), sendo visível a tensão
entre, manter-se fiel aos propósitos do grupo, em termos de fortalecer uma
identidade de projeto, ou priorizar o fortalecimento individual (CASSARINO, 2009;
BRANDENBURG, 2002).
A fim de melhor compreender essas inovações que emergem nas
sociedades complexas, cada vez mais vem sendo conferido importância à análise
relacional, ou ao nível meso de análise. Trata-se de uma perspectiva que tem por
foco as relações sociais e não os atributos dos indivíduos ou as estruturas sociais
em que estão inseridos. Nesse sentido, o conceito de redes e a metodologia de
análise de redes sociais têm sido privilegiados, pois tem por base as conexões
sociais (PORTUGAL, 2005; BARABÁSI, 2009; ADULIS, 2011).
Considerando os aspectos mencionados, o presente trabalho tem por
referência a Rede Ecovida de Agroecologia, a qual vem constituindo-se como uma
alternativa de inserção social aos agricultores do Sul do Brasil. Em relação aos
Estados dessa região, o recorte da pesquisa privilegiou o Estado de Santa Catarina
devido a forte presença da agricultura familiar, o que confere um significativo
potencial para as experiências de agroecologia em rede.
Face ao exposto, afora essa introdução e as considerações finais, a primeira
parte do trabalho discorre sobre as principais características da Rede Ecovida de
Agroecologia, com ênfase na Zona Costeira, em especial no cleo Litoral
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Catarinense. Na segunda parte, é exposto o enfoque teórico utilizado nessa
pesquisa, tendo destaque o conceito de rede, em suas acepções analítica e
normativa. Assim como, a metodologia de análise de redes sociais (ARS), suas
principais métricas e as tipologias de redes (sociocêntrica e egocêntrica). Na
terceira parte, são apresentados os resultados da pesquisa, os quais compreendem
a estrutura da rede (dimensão descritiva), sua dinâmica (dimensão explicativa) e
suas potencialidades e desafios para o fortalecimento do desenvolvimento territorial
sustentável - DTS (dimensão prospectiva).
1 A Rede Ecovida de Agroecologia na zona costeira catarinense
O lançamento oficial da Rede Ecovida de Agroecologia ocorreu no dia 28 de
abril de 1999, na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina. A Rede
surge no Sul do Brasil sendo resultado de processos históricos, em especial de
organizões da sociedade civil que lutavam por uma alternativa ao modelo da
modernizão agrícola ou revolução verde. Somado a isso, um fator preponderante,
nesse processo, foi a busca de um novo tipo de certificação, participativa,
endógena, de modo a fortalecer um caminho próprio, evitando conduzir-se apenas
pela ótica do mercado (SANTOS, 2005). A fim de consolidar ainda mais essas
inovações, foi criado em 2006 o Circuito Sul de Circulação de Alimentos da Rede
Ecovida de Agroecologia (ROVER, 2011).
Atualmente, a Rede Ecovida abrange os três Estados da Região Sul (Rio
Grande do Sul - RS, Santa Catarina - SC e Paraná - PR) e parte da região sul de
São Paulo. Está composta por 23 núcleos e dois pré-núcleos, tendo uma média de
três mil famílias filiadas (ECOVIDA, 2012).
Além da dimensão ecológica, a Rede Ecovida trabalha as dimensões
sociopolíticas, culturais e econômicas. Em termos sociopolíticos, requer o apoio dos
movimentos sociais e das demais organizões, principalmente do campo da
sociedade civil, pois é necessário somar forças, a fim de fortalecer os propósitos da
rede. Dessa forma, através de uma nova compreensão da natureza, da construção
de uma nova sociabilidade, da consideração do saber popular, do acúmulo de
experiências, é que se constitui a sua Identidade de Projeto. Nesse sentido, pode-
se colocar que a Rede Ecovida, ao considerar todos esses aspectos, confere à
agroecologia uma dimensão estratégica na construção de novas modalidades de

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