Economia da hegemonia do dólar

AutorRabah Benakouche
CargoDocteur d?Etat em Ciências Econômicas pela Universidade de Paris e Doutor em Engenharia Industrial pela École Centrale de Paris, é Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina.
Páginas80-97

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Rabah Benakouche1

1. Introdução

Os Estados Unidos detêm, hoje, posições dominantes nos planos monetários, inanceiros, comerciais, tecnológicos e militares. Podemos, com efeito, explicar esse domínio de diversas formas. Aqui optamos pela análise do binômio “globalização inanceira - dólar”. Ao explicarmos em que e por que a globalização atual é de natureza inanceira, conseguimos mostrar qual foi o papel do dólar na construção da supremacia americana na hegemonia internacional. Em termos de modos de exposição, apresentamos, num primeiro momento, as formas da globalização; e, num segundo ponto, descrevemos o papel assumido pelo dólar na construção dessa hegemonia internacional.

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2. Globalização: o que é isso?

A globalização é vista como a era da universalização do progresso técnico e das comunicações instantâneas. A questão é saber, efetivamente, em que e por que o conceito de globalização – eleito como tema estruturante do debate político e econômico – remete à emergência de realidades e relações planetárias.

O conceito de globalização é vago; mas, qualquer que seja a deinição adotada, ela abrange apenas aspectos da globalização. Assim, as divergências aparecem – e são muitas – quando esses aspectos são analisados para se saber quais perspectivas elas abrem ou fecham. Desse modo, as análises econômicas disponíveis, independente das tendências a que se iliam, agrupamse em duas frentes: as que constroem um discurso defensivo, insistindo sobre a exclusão, como a social, de países, regiões, entre outras; e as que desenvolvem um discurso adaptativo: o mundo está mudando; por isso é preciso mudar a im de adaptarse às exigências da nova realidade.

Vale lembrarmos que o conceito de globalização foi utilizado, originalmente, pelos especialistas em management (OHMAE, 1990). Eles deram ênfase à dimensão gerencial, em especial às variáveis “estrutura” e “estratégia”, com o intuito de identiicar as características pertinentes da empresa global, diferenciadoa da multinacional tradicional (PORTER, 1995). Quanto aos economistas, constatamos que eles utilizam o conceito quando analisam os luxos de negócios que têm impactos sobre os espaços econômicos e monetários nacionais ou perda do poder do Estado (DICKEN, 1992).

Quer as análises destaquem as estruturas e/ou estratégias, quer os luxos, esses aspectos não são separados. Ao contrário, eles integram os demais fenômenos que geraram e sustentam, atualmente, a globalização, processo no qual as grandes empresas têm um peso importantíssimo. Com efeito, as 200 maiores multinacionais tiveram, em 2007, um faturamento equivalente 30% do PIB mundial, contra 7%, em 1992, e 24% em 1982 (DURAND et al., 2009), o que indica a intensidade do comércio internacional.

A novidade do processo reside, todavia, na “desconexão” da esfera inanceira com a esfera real da economia, da hipertroia dos mercados inanceiros em relação ao valor real da produção (AGLIETTA; REBERIOUX, 2004). Assim, diante da intensidade do comércio internacional de bens e serviços e do movimento de capitais, cabe a pergunta: a globalização é realmente “global”?

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3. Globalização relativa

A globalização é crescente, como mostra a evolução do PIB mundial, que atingiu US$ 70.0000 bilhões em 2009, contra 28.940 bilhões em 1994, e 8.280 em 1960. Constatamos, no entanto, que cerca de 60% desse PIB representam as participações dos países da OCDE. Já os luxos de investimentos diretos (IDE) foram multiplicados por 70 em trinta anos, passando de US$ 27 bilhões em 1977 para 1.833 em 2007. Esse aumento foi, efetivamente, muito mais espectacular do que a do comércio internacional que foi multiplicado por 12 no período focado. Isso faz, evidentemente, com que esses países tenham uma posição melhor na renda mundial (medida em valor) do que na produção mundial (medida em volume). Importa, ainda, frisarmos que a situação do Sul é exatamente inversa. De fato, a OCDE detém, em 2009, 75% da renda mundial; o resto... é do resto do mundo2.

Cabe destacarmos que a globalização é concentradora de renda. Em âmbito internacional, em 2009, os 2.5 bilhões de pessoas mais pobres representam 40% da população mundial e detêm apenas 5% da renda mundial, enquanto os 10% dos mais ricos detêm 54% da riqueza global (DURAND et al., 2010). Assim, se a globalização não rima bem com a distribuição de renda, ela também não signiica abertura comercial. Ao contrário, as economias da OCDE têm pequeníssimos graus de abertura. Constatamos, por exemplo, que o volume das exportações e importações da Grã Bretanha era, em relação ao PIB, de 4% em 1913, proporção igual a do ano de 1994. No caso dos Estados Unidos, maior potência mundial, essa relação é de 15% (FOUQUET; LEMETRE, 1997).

Veriicamos que, se a globalização for identiicada com a abertura comercial, esta é, portanto, altamente relativa; relatividade que se torna ainda maior quando se consideram os investimentos produtivos. Esses representaram US$ 1.833 bilhões de dólares em 2007, contra US$ 27 bilhões em 1997. Além disso, 80% deles foram captados pelos OCDE, deixando apenas os 20% restantes para o resto do mundo, em 2007 (BENAKOUCHE, 2010).

A relatividade da globalização é ainda mais patente quando consideramos o fator trabalho, que está sendo fortemente excluído. O desemprego

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atingiu, na esfera mundial, mais de um bilhão de pessoas; na Europa, ele superou a taxa de 20% em alguns países, como Espanha, Grécia, Portugal, Irlanda, e as pessoas pobres, com menos de US$ 2/dia, somam mais de 1.5 bilhão (SALAMA, 2008); ou seja, mais de um terço da população do planeta está excluída do processo econômico!

Diante dos dados indicados acima, há de convirmos que a globalização diga respeito tão somente a uma fatia do mundo por onde circula o grosso das riquezas mundiais, como investimentos, renda, etc., ou seja, ao Grupo dos Sete – G7. Está excluída, portanto, do processo grande parte da humanidade, como países e regiões pobres; excluídos sociais e desempregados, entre outros. Destacamos, por isso, que a globalização diz respeito, essencialmente, ao movimento inanceiro internacional sob o comando do Wall Street.

4. Desconexão da Wall Street da economia real

Falar sobre globalização inanceira signiica airmar que existe uma “desconexão” entre a esfera inanceira e a esfera real da economia, constituída pela produção, crescimento, emprego, etc. Essa “desconexão” é a distância, cada vez maior, entre o valor corrente de um ativo, que pode ser uma divisa, uma ação em bolsa ou um ativo em particular, e seu valor fundamental, isto é, o valor de produção. Tendo isso em vista, importa frisarmos que, em 2002, as transações sobre derivativos (US$ 699 bilhões) representaram 60% das transações interbancárias internacionais (US$ 1155 bilões), contra apenas 33% das que se referem ao câmbio; 3% às inanceiras; e 2% ao comércio de bens e serviços (ver Tabela 1). Em 2005, os luxos inanceiros, incluindo derivativos, câmbio e transações inanceiras – de US$ 2000 trilhões – foram (em valor) 50 vezes maiores do que o PIB mundial do mesmo ano – US$ 44,8 trilhões (MORIN, 2006, p.49).

Desde 1990-2000, muitos dos países do Sul saíram de suas crises da dívida externa e acumularam reservas internacionais, que acabaram, paradoxalmente, inanciando as dívidas públicas dos países centrais. Assim, em 2007, sobre 6.000 bilhões de reservas mundiais, 90% dessas são detidas por países emergentes e Japão; 30% dessas reservas são constituídas por depósitos bancários junto ao BRI; 76% são investidos em títulos públicos dos países centrais – predominantemente americanos; 22% são alocados no

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mercado monetário e 2% em ações (BRENDER; PISANI, 2009, p.59). O investimento dessas reservas tem tido, em termos globais, resultado fracamente positivo ou nulo. Acerca dessa questão, Alan Greenspen (2007, p.340) explica que “[...] a taxa de retorno de mais de US$ 2 trilhões de investimentos diretos dos Estados Unidos no exterior era de 11% em 2005, muito abaixo de juros pagos aos estrangeiros que investiram em títulos da dívida americana”, cujo rendimento anual bruto não ultrapassou 6% no mesmo ano. No caso brasileiro, em razão da diferença entre taxas de juros interno e externo, “[...] o Banco Central registra prejuízo de R$ 47,5 bilhões. Por causa do câmbio, perdas no ano passado [2007] foram maiores que as de 2006. [...]. A cotação do dólar recuou de 17,2% ao longo do ano passado, e esse moviamento teve impacto negativo de R$ 55,6 bilhões sobre as contas do Banco Central. Todos (esses) prejuízos são cobertos pelo Tesouro Nacional por meio da emissão de títulos públicos” (FOLHA DE SãO PAULO, 2008).

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