As contribuições de intervenção no domínio econômico e sua destinação necessária: notas caracterizadoras da espécie tributária

AutorFernando F. Castellani
CargoEspecialista em Direito Tributário pelo IBET - Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela PUC/SP
Páginas107-125

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1. Introdução

Nosso sistema jurídico tributário admite a existência de diferentes espécies tributárias. Não há um consenso doutrinário ou jurisprudencial sobre o tema, seja na doutrina pátria, seja na doutrina alienígena.1 A maior divergência encontra-se, sem dúvida, na configuração, ou não, das contribuições especiais como espécies autônomas de tributo em relação aos impostos, às taxas e às contribuições de melhoria. Essa divergência, inclusive, acaba por nos conduzir à própria discussão dos critérios clas-sificatórios das espécies, assim como sua valoração no processo classificatório.2

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Neste pequeno trabalho, usando de premissas e conclusões por nós já defendidas e consideradas em obra específica,3 interessa-nos analisar a necessidade de destinação específica para os recursos da contribuição interventiva.

2. Das espécies de contribuições especiais

As contribuições especiais, em nosso sentir, são espécies autônomas de tributos, apesar de suas evidentes notas de semelhanças4 com as demais espécies.

Nos termos do art. 149 da CF, as contribuições especiais podem ser divididas em (i) sociais, (ii) corporativas e (iii) inter-ventivas. Fruto da alteração decorrente da Emenda Constitucional 39, foi introduzida uma nova espécie, (iv) a custeadora do serviço de iluminação pública.

Não precisamos relembrar que a classificação das contribuições, por si só, é matéria controvertida na doutrina, nacional ou estrangeira. Contudo, muito interessante e elucidativo se faz, neste momento, trazermos à colação posicionamentos do STF, que por diversas vezes se manifestou pela independência da figura das contribuições especiais: "Os tributos, nas suas diversas espécies, compõem o 'Sistema Constitucional Tributário', que a Constituição inscreve nos seus arts. 145 a 162. (...). As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação, são as seguintes: (a) os impostos (CF, arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); (b) as taxas (CF, art. 145, II); (c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: (c.1) de melhoria (CF, art. 145, III); (c.2) parafiscais (CF, art. 149), que são: (c.2.1) sociais, (c.2.1.1) de seguridade social (CF, art. 195, I a III), (c.2.1.2) outras de seguridade social (CF, art. 195, § 4o), (c.2.1.3) sociais gerais (o FGTS, o salário educação - CF, art. 212, § 5o -, contribuições para SESI, SENAI, SENAC- CF, art. 240); (c.3) especiais: (c.3.1) de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149) e (c.3.2) corporativas (CF, art. 149). Constituem, ainda, espécies tributárias os empréstimos compulsórios".5

Nos termos da decisão colacionada, importante notarmos que o STF entende pela natureza jurídica independente e distinta das contribuições - o que não significa o final da controvérsia, até porque representa o entendimento momentâneo do Tribunal, mas que, ao mesmo tempo, não pode ser ignorado.

Antes de iniciarmos nossa análise acerca da espécie de contribuição objeto deste trabalho, é imperioso que definamos um critério, ao menos geral, para sua diferenciação.

Entendemos que as contribuições são tributos qualificados por sua finalidade. Em outras palavras, o legislador constituinte, ao atribuir competência para sua instituição, definiu uma finalidade a ser alcançada pela tributação por meio das contribuições.

Nunca é demais lembrar que esta finalidade buscada pela tributação por meio das contribuições será revertida em necessária destinação dos resultados. O produto da tributação por meio de contribuições deve ser revertido, obrigatoriamente, para o atendimento da finalidade específica do tributo.

Assim, a diferença fundamental entre as contribuições sociais, corporativas, in-terventivas e custeadoras do serviço de ilu-

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minação estará em sua finalidade, em sua destinação. Cada uma delas deverá ser utilizada como fonte de recursos específicos na manutenção da atividade estatal específica para atingimento de sua finalidade.6

Fruto desta destinação específica, alguns autores verificam nas contribuições a característica identificada como referibilidade.7 Este atributo representa o vínculo necessário entre a atividade custeada pela contribuição e as pessoas que eventualmente suportam o tributo. Em outras palavras, representaria um benefício, direto ou indireto.

Citamos, pela autoridade e relevância, as palavras de Geraldo Ataliba acerca da referibilidade das contribuições: "(...) a hipótese de incidência das contribuições é uma atuação estatal indireta e mediatamente referida ao obrigado (e referida mediante um elemento ou circunstância intermediária), quer dizer: ou (1) é uma conseqüência ou efeito da ação estatal que toca o obrigado, estabelecendo o nexo que o vincula a ela (ação estatal), ou (2) uma decorrência da situação, status ou atividade do obrigado (sujeito passivo da obrigação) que exige ou provoca a ação estatal que estabelece o nexo entre esta (ação) e aquele (o obrigado)".8

Nas palavras da sempre precisa Susy Gomes Hoffmann temos que: "A Constituição Federal apresenta, como características das contribuições, que estas devem ser instituídas para a concretização das finalidades previstas constitucionalmente; de acordo com essas finalidades, a ativida-de estatal que pressupõe a cobrança das contribuições ou estará vinculada à vantagem que ocasionou a um determinado grupo ou existirá em razão de um determinado fato que ocasionou a referida atividade estatal".9

Em virtude dessas considerações, podemos identificar nas contribuições um vínculo entre as pessoas colocadas no pólo passivo da obrigação tributária e os atingidos pela atividade estatal específica a ser custeada pela contribuição especial.10

Esta regra, contudo, não nos parece ser aplicada às contribuições especiais destinadas ao custeio da seguridade social, tendo em vista a previsão de custeio por toda a coletividade, nos termos do art. 195 da CF, o chamado princípio da solidariedade.11 Para esta espécie de contribuição entendemos pela desnecessidade de se buscar tal vínculo, sendo, portanto, uma exceção à referibilidade.12

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3. As contribuições de intervenção no domínio econômico

A definição das contribuições de intervenção no domínio econômico, assim como as contribuições sociais, deve ser iniciada pelo estudo de qual atividade estatal será por elas custeada.13 Como vimos, as contribuições são tributos qualificados por sua destinação constitucional específica, devendo suas receitas ser obrigatoriamente aplicadas nas finalidades previstas.

Nos termos do art. 149 da CF, a contribuição em tela tem por objetivo custear as atividades estatais relacionadas à intervenção no domínio econômico. São tributos de competência exclusiva da União Federal, de modo que somente poderemos pensar nesta espécie tributária como forma de custear atividades desempenhadas pelo ente federal.

Paulo Ayres Barreto assim define a contribuição interventiva: "Em apertada síntese, podemos concluir, respondendo às questões adrede formuladas, que as contribuições de intervenção no domínio econômico são tributos que se caracterizam por haver uma ingerência da União (intervenção) sobre a atividade privada, na sua condição de produtora de riquezas (domínio econômico). Tal forma de intervenção deve ser adotada em caráter excepcional se, e somente se, for detectado um desequilíbrio de mercado, que possa ser superado com a formação de um fundo que seja revertido em favor do próprio grupo alcançado pela contribuição interventiva".14

Para interpretarmos a figura das contribuições interventivas, como fizemos com todas as outras espécies, devemos partir da análise do texto constitucional, particularmente dos enunciados relacionados à ordem econômica.15

3. 1 Definição da ordem econômica na Constituição Federal e das formas de intervenção estatal na economia

A ordem econômica é tratada pelo texto constitucional nos arts. 170 e ss.:

"Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração di-reta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

"(...).

"Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sen-

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do este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

"Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos."

Analisando os artigos transcritos, podemos perceber, de maneira clara, que a Constituição Federal estabeleceu a possibilidade da participação estatal na ativida-de econômica, que, para Fábio Konder Comparato,16 seriam as atividades de produção e distribuição de bens e prestação de serviços no mercado, aproximando-se, inclusive, do conceito de "empresário", definido no Código...

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