A ecologia política na América Latina: reapropriação social da natureza e reinvenção dos territórios

AutorCarlos Walter Porto-Gonçalves
CargoDoutor em Ciências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador do CNPq e do Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais - CLACSO
Páginas16-50
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2012v9n1p16
A ECOLOGIA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA: REAPROPRIAÇÃO SOCIAL DA
NATUREZA E REINVENÇÃO DOS TERRITÓRIOS
POLITICAL ECOLOGY IN LATIN AMERICA: NATURE’S SOCIAL
REAPROPRIATION AND THE REINVENTION OF TERRITORIES
LA ECOLOGÍA POLÍTICA EN AMÉRICA LATINA: REAPROPIACIÓN SOCIAL DE
LA NATURALEZA Y REINVENCIÓN DE LOS TERRITORIOS
Carlos Walter Porto-Gonçalves1
RESUMO:
Uma abordagem da ecologia política desde a perspectiva latino-americana exige
repensar os fundamentos da matriz de racionalidade eurocêntrica, cuja geop olítica
atual tem a globalização e o desenvolvimento sustentável como novas formas de
colonização/exploração. A ela, criativamente, corresponde uma série de respostas
críticas com o novo protagonismo, a partir das lutas locais/regionais, dos
camponeses, dos povos indígenas e dos afroamericanos, que passam a ter
condições de se expressar à escala internacional, inclusive se apropriando do vetor
ecológico. Nos domínios naturais clímato-botânicos que se formaram desde o fim da
última glaciação, evoluindo para as geografias atuais, as populações originárias
desenvolveram um rico acervo de conhecimentos construídos numa relação com e
não contra a natureza que, tal como a mega-diversidade biológica, é um patrimônio
de nossa região e da humanidade e que deve ser considerado nas políticas
públicas. Hoje, essas populações discutem a questão nacional. Surge um novo
léxico teórico-político em que s e fala de descolonização, de interculturalidade, de
transmodernidade; pluralismo jurídico, os direitos das gentes, consuetud inários, não
mais somente o direito fundado nos princípios liberais do indivíduo e da propriedade
privada. Ao lado dos conflitos envolvendo a água, mineração e grandes projetos de
desenvolvimento, vê-se a emergência de uma série de experiências ricas e ori ginais
de sustentabilidade: as Reservas Extrativistas, o Parque Nacional de Yasuny; os
Direitos da Natureza constitucionalizados na Bolívia e no Equador; o Estado
Plurinacional; o Buen Vivir, o Suma Qamaña e o Suma Kausay: ideias para uma
nova agenda política, um rico patrimônio cultural e natural que nos servem de baliza
para reinventar a nossa existência. Nesse contexto, os conceitos de território, de
territorialidades e territorialização possibilitam compreender as relações da
sociedade com a natureza, cerne da problemática ambiental, explicitando que o que
1 Doutor em Ciências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor adjunto da
Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador do CNPq e do Conselho Latinoamericano de
Ciências Sociais - CLACSO. E-mail: cwpg@uol.com.br
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
17
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.9, n.1, p.16-50, Jan./Jul. 2012
está em jogo é a luta pela reapropriação social da natureza (Enrique Leff). Não
defesa da floresta sem os povos da floresta (Chico Mendes).
Palavras-chave: Ecologia política. América Latina. Descolonização. Território. Buen
Vivir.
ABSTRACT:
An approach to the political ecology in a Latin American perspective requires the
rethinking about the fundamentals from the Eurocentric rationality matrix, whose
present geopolitics have the globalization and the sustainable development as their
new colonization/exploration forms. A creative and critical series of answers
corresponds to this matrix, with the peasants, indigenous peoples and African
Americans new international role, that includes the ecological vector, besides their
local/regional struggles. In the climate-botanical natural domains that, formed since
the end of the last glaciation, evolved to our present geographies, the original
populations developed a rich estate of knowledge, built in one with and not against
the nature relationship that, like the biological megadiversity, is a patrimony of Latin
America and mankind that must be taken into account in the public policies. Today,
these populations discuss the national question. In their new political/theoretical
lexicon they speak about decolonization, interculturality, transmodernity; juristic
pluralism, peoples rights, consuetudinary, not more only the law based on individual
liberal principles or the private property. Besides the struggles involving water, mining
and big development projects, a s eries of rich and original sustainability experiences
emerge: Extractive Reservations, the Yasuny National Park; the constitutional rights
of nature in Bolivia and Ecuador; the Plurinational State; the Buen Vivir, Suma
Qamaña and Suma Kausay: ideas for a new political agenda, a rich natural and
cultural estate that serve to us as landmarks for the reinvention of our existence.
Accordingly, the Territory, Territorialities and Territorialization concepts all ow to
understand the relationship between nature and society, the kernel of the
environmental problematic, revealing that it is the N ature’s soc ial re apropriation t hat
is at stake (Enrique Leff). There’s no forest defense without the forest people (Chico
Mendes).
Keywords: Political ecology. Latin America. Decolonization. Territory. Buen Vivir.
RESUMEN:
Un abordaje de la ecología política desde la perspectiva latinoamericana exige
repensar los fundamentos de la matriz de racionalidad eurocéntrica, cuya geo política
actual tiene a la globalización y al desarrollo sostenible como nuevas formas de
colonización/explotación. A esa matriz, creativamente, corresponde una serie de
respuestas críticas con el nuevo protagonismo, a partir de las luchas
locales/regionales de los campesinos, de los pueblos indígenas y de los
afroamericanos, que pasan a tener condiciones para expresarse a escala
internacional, inclusive apropiándose del vector ecológico. En los dominios naturales
climático-botánicos que s e formaron desde el fin de la última glaciación,
evolucionando para las geografías actuales, las poblaciones originarias desarrollaron
un rico acervo de conocimientos construidos en una relación con y no contra la
naturaleza que, tal como la mega-diversidad biológica, es un patrimonio de nuestra
región y de la humanidad y que debe ser considerado en las políticas públicas. Hoy,
esas poblaciones discuten la cuestión nacional. Surge un nuevo léxico teórico-
político en el cual se habla de descolonización, de interculturalidad, de
transmodernidad; pluralismo jurídico, los derechos de las gentes, consuetudinarios,
18
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.9, n.1, p.16-50, Jan./Jul. 2012
no más solamente el derecho fundado en los principios liberales del individuo y de la
propiedad privada. Al lado de los conflictos envolviendo al agua, a la minería y a
grandes proyectos de desarrollo, se ve la emergencia de una serie de experiencias
ricas y originales de sostenibilidad: las Reservas Extractivas, el Parque Nacional de
Yasuny; los Derechos de la Naturaleza constitucionalizados en Bolivia y Ecuador; el
Estado Plurinacional; el Buen Vivir, el Suma Qamaña y el Suma Kausay: ideas para
una nueva agenda política, un rico patrimonio cultural y natural que nos sirven de
orientación para reinventar nuestra existencia. En este contexto, los conceptos de
territorio, de territorialidades y territorialización posibilitan comprender las relaciones
de la s ociedad con la naturaleza, cierne de la problemática ambiental, explicitando
que lo que está en juego es la lucha por la reapropiación social de la naturaleza
(Enrique Leff). No hay defensa de la floresta sin los pueblos de la floresta (Chico
Mendes).
Palabras clave: Ecología Política. América Latina. Descolonización. Territorio. Buen
Vivir.
Os anos 1960 constituem um verdadeiro divortium aquarium político-cultural.
Novas questões f oram trazidas ao debate público e novos grupos sociais se
constituíram com elas. À época a questão de gênero começa a ganhar destaque
com o movimento das mulheres; a questão étnico-racial passa a afirmar-se, seja em
função da descolonização dos povos asiáticos e africanos, s eja através do
movimento negro estadunidense; o movimento ecológic o começa a por em debate a
questão ambiental, seja através da crítica à corrida armamentista, seja através da
  PACKARD, 1965). Também do ponto de vista
do conhecimento os anos 1960 abriram novos horizontes epistêmicos, em grande
parte relacionados a esse intenso debate político-cultural.
Desde então a idéia de que há limites para a intervenção humana na natureza
ganha força. A ciência, sobretudo depois da invenção pelos físicos da bomba
atômica e de seu uso em Hiroshima e Nagasaki, perdia definitivamente sua
inocência e mostrava que não necessariamente está a serviço da vida ou da
emancipação humana, conforme a promessa iluminista. Em 1951, na baía de
Minamata, no Japão, toda uma comunidade de pescadores se viu contaminada por
mercúrio lançado na água2. O homem não escapava das cadeias tróficas, das
cadeias alimentares, como acreditara o antropocentrismo. A crise da ciência não
2 O envenenamento estava relacionado à fábrica de acetaldeído e PVC de propriedade da Chisso,
indústria de fertilizantes químicos. À época era difícil falar publicamente contra a companhia, pois ela
era um empregador importante na cidade. Pesquisas médicas concluíram que várias mortes foram
causadas por envenenamento com mercúrio em função do consumo de peixe contaminado. O
mercúrio, usado no complexo Chisso c omo catalisador, é também utilizado em lâmpadas
fluorescentes e fosforescentes e traz sérios riscos à saúde e ao meio ambiente.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT