Durabilidade de produtos e prazos de garantia

AutorJosé Geraldo Brito Filomeno
CargoConsultor jurídico e professor especialista em direito do consumidor
Páginas151-172

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EXCERTOS

"As garantias são outorgadas em razão de os próprios fornecedores, de modo geral, estatisticamente calcularem a probabilidade da ocorrência de vícios ou defeitos em determinados produtos de uma linha fabricados em série durante num determinado lapso temporal, procurando, por outro lado, zelar pelo seu nome comercial"

"A questão da prescrição ou decadência quanto a vícios ocultos tem sido interpretada conforme seu termo inicial ligada à garantia, daí a sua importância e conexão à chamada vida útil dos produtos e a obsolescência programada"

"Incentivo às entidades representativas dos consumidores, de um lado, e dos fornecedores, de outro, de acordo com cada classe de produtos, para que estabeleçam convenções coletivas de consumo no que diz respeito ao aumento do prazo de garantia e consequentemente, o tempo de sua vida útil, sugerindo-se 2 anos, como se faz na UNIÃO EUROPEIA"

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"... Que não seja imortal, posto que é chama/ MAs que seja infinito enquanto dure" (vinicius de moraes, no SONETO da FELICIDADE)

1. Notas iniciais

A citação do célebre poema do nosso imortal POETINHA, como era carinhosamente chamado, sobretudo pelo também imortal parceiro tom JOBIM, dá uma dimensão da efemeridade das coisas e da própria vida.

Nosso avô paterno, alfaiate italiano habituado e exigente quanto à qualidade das roupas que fazia e das coisas, de modo geral, de certa feita, quando contávamos cerca de 12 anos de idade, nos apontou uma lâmpada incandescente que iluminava a cozinha de sua casa, dizendo que a havia comprado há mais de 30 anos. Aliás, na época em que sua própria residência fora construída.

Embasbacado, até colocamos em dúvida aquela afirmação. Entretanto, era o nonno quem estava a dizê-lo e certamente deveria haver um bom fundo de verdade nela.

Pois não é que - ao menos àquela época, década de 60 do século XX -, era a realidade vigente? SENÃO, vejamos.

2. Durabilidade: conceito

Em sentido etimológico durável é a qualidade daquilo que subsiste, persiste no tempo ou por muito tempo. Mas não eternamente, por certo. Tudo que existe tem certamente um tempo de existência e funcionalidade plena, obsolescência, decadência e fim.

Destarte, mesmo a lâmpada incandescente do nosso avô - cujo modelo foi proscrito do mercado brasileiro, substituída que foi pelas lâmpadas fluorescentes e, principalmente, pelas de led -, teve certamente o seu fim.

Também nos lembramos de um refrigerador adquirido por nosso pai na década de 50 dos novecentos, ainda importado dos estados

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Unidos da AMÉRICA, que serviu nossa família durante mais de 40 anos e admiravelmente ainda funciona, até hoje, num bar de uma nossa antiga empregada doméstica, a quem foi doado há mais de 15 anos.

Admirável mundo velho? Sem dúvida.

Mister, todavia, analisarmos neste passo os conceitos também de qualidade, eis que indelevelmente ligado ao de durabilidade.

3. Conceitos de qualidade

3.1 QUALIDADE técnica. no sentido técnico, sobretudo, à luz do chamado SINMETRO - SISTEMA nacional de metrologia, qualidade e tecnologia incumbido, em última análise, da regulação quanto às características, funcionalidade, segurança e durabilidade de produtos, significa a adequação destes ou de serviços a uma determinada norma que disciplina a sua fabricação.

Esse aspecto é de importância fundamental, principalmente se se tiver em conta uma determinada dúvida ou mesmo litígio envolvendo certo produto ou serviço que apresente alguma anomalia.

Tanto assim que, conforme enunciado pelo inciso viii do art. 39 do código brasileiro de defesa do consumidor, considera-se prática abusiva, dentre outras circunstâncias, a de se "colocar no mercado de consumo qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA de NORMAs TÉCNICAs ou outra entidade credenciada pelo CONSELHO NACIONAL de METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO e QUALIDADE INDUSTRIAL"1.

3.2 QUALIDADE esperada, entretanto, do ponto de vista do consumidor, significa uma sua expectativa relativamente a características prometidas pelos fornecedores, inclusive quanto à durabilidade de produtos e serviços.

Rresta evidente, destarte, que, para além de um produto ou serviço deverem ter uma certificação de qualidade técnica conforme a categoria a que pertençam, designadamente quando se tratar de segurança, desempenho e durabilidade, devem satisfazer as expectativas do consumidor, mormente com relação àquelas qualidades cantadas e decantadas pelas ofertas e publicidade.

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Não é tampouco por acaso, por outro lado, que o código de defesa do consumidor consagrou os princípios da vinculação e da transparência da oferta e da publicidade. ou seja, consoante dispõe o artigo 30 do estatuto consumerista brasileiro: "TODA informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser assinado."

Ou, em suma: se o fabricante ou prestador de serviços afirma, mediante ofertas públicas ou pelos variados meios publicitários tais e quais características e qualidades que seu produto tenha, deve honrálas ao ensejo da formalização da compra pelo consumidor, sob pena de punições, inclusive, de caráter criminal2. É o que se denominada o princípio da vinculação da oferta ou da publicidade.

Por outro lado, conforme previsto pelo parágrafo único do artigo 36 do código do consumidor, "o fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem". nesse caso o que se configura é o chamado princípio da transparência da oferta e publicidade.

Embora aqui tomado como exemplo uma hipótese exagerada, têm-se as peças publicitárias de sabões em pó, em que o anunciante faz mergulhar em verdadeiras piscinas contendo o seu produto pesadas peças de roupas, em comparação com outro tanque com outro produto concorrente ou similar, emergindo depois o primeiro translúcido e limpíssimo, enquanto que no segundo caso, peças opacas e acinzentadas.

É relevante salientar que nesse caso, na hipótese de alguém vier a confrontar as afirmações hiperbólicas de um fabricante com a realidade, este deverá ter em seu poder os dados fáticos, técnicos e científicos que comprovem aquelas qualidades veiculadas. Tudo também, como no caso anterior, sob pena de procedimentos de ordem administrativa, civil e até penal.

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4. Garantia: sentido etimológico, origens do instituto jurídico, garantias legal e contratual

Conforme já salientamos em passo anterior, a questão da garantia de produtos e serviços está intimamente ligada à sua qualidade exigida por uma determinada norma de adequação ou segurança ou mesmo por manuais técnicos concebidos pelo próprio fornecedor, além da expectativa do consumidor. Incumbe-nos doravante, conceituarmos o que se deva entender por garantia, a origem desse instituto, bem como as chamadas garantias legais ao lado das garantias contratuais.

4.1 Sentido etimológico e origens do instituto jurídico. Etimologicamente garantia consiste num "documento com que se assegura a autenticidade e/ou a boa qualidade de um produto ou serviço, e se assume, junto ao comprador ou usuário, o compromisso de ressarcilo em caso de ineficiência ou fraude comprovadas"3.

Leizer lerner4 revela que o célebre cícero sempre chamava a atenção nas causas que defendia, para que se assegurasse ao adquirente de bens de consumo duráveis a garantia de que as deficiências ocultas nas operações de compra e venda seriam sanadas ou então, em caso de impossibilidade, haveria a resilição contratual. E clamava, com eloquente advertência: caveat emptor (que se acautele o comprador). Chamava a atenção para a não mais nem menos que a famosa cláusula ex empto, que pressupõe a garantia implícita, ainda que non scripta, que é outorgada por qualquer vendedor ou prestador de serviços5.

Daí porque o artigo 24 do código de defesa do consumidor dispõe: "A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração de responsabilidade".

4.2 GARANTIA contratual. conforme determina o artigo 50 do código do consumidor: "A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito. PARÁGRAFO único - O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer de maneira adequada, em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de

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instrução, de instalação e uso de produtos em linguagem didática, com ilustrações."

A razão para o enunciado de tais dispositivos deveu-se à existência, à luz do então vigente código civil de 1916, de prazo prescricional extremamente curto, ou seja, de apenas 15 dias para a discussão dos vícios redibitórios e ajuizamento da competente ação redibitória. Esses dispositivos, na verdade, deveram-se a uma conquista jurisprudencial incorporada ao estatuto consumerista.

Com efeito, lembramo-nos de quando ainda no curso de direito da FACULDADE de direito da universidade de SÃO PAULO, nosso pai, advogado, ingressou em juízo em prol de um médico de nossa cidade no interior de SÃO PAULO que se havia...

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