Doutrina brasileira e a ordem pública processual, essa desconhecida

AutorMarcio Oliveira Rocha
CargoDoutor em Direito (UFPE). Mestre em Direito (UFAL). Professor Titular I (UNIT/AL). Professor Efetivo (UNEAL). Membro da ANNEP. Membro da ABDPro. Advogado. Líder do Grupo de Pesquisa: Teoria do Direito e Processo Contemporâneo.2 Maceió/AL. E-mail: marcio.rocha@uneal.edu.br
Páginas267-312
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 13. Volume 20. Número 2. Maio a Agosto de 2019
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 267-312
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DOUTRINA BRASILEIRA E A ORDEM PÚBLICA PROCESSUAL, ESSA
DESCONHECIDA1
THE BRAZILIAN DOCTRINE AND THE PROCEDURAL PUBLIC ORDER, THIS
UNKNOWN ONE
Márcio Oliveira Rocha
Doutor em Direito (UFPE). Mestre em Direito (UFAL).
Professor Titular I (UNIT/AL). Professor Efetivo (UNEAL).
Membro da ANNEP. Membro da ABDPro. Advogado. Líder
do Grupo de Pesquisa: Teoria do Direito e Processo
Contemporâneo.2 Maceió/AL. E-mail:
marcio.rocha@uneal.edu.br
RESUMO: O presente artigo tem o escopo de contrapor estudos específicos sobre o tema,
os quais vêm direcionando à compreensão da ordem pública no âmbito do processo civil
brasileiro. Outrossim, provocar um diálogo para que possamos estabelecer uma releitura
contemporânea do termo e fomentar sua discussão. Para isso, buscamos analisar três teses
desenvolvidas em programas de doutoramento, passando a imprimir uma metodologia
dialética e qualitativa, com fins propositivos.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria do Direito. Processo Civil. Ordem Pública Processual.
ABSTRACT: The present article has the scope of opposing specific studies on the subject,
which have been heading the understanding of the public order in the sphere of the Brazilian
Civil Process. Furthermore, its aim is to provoke a dialogue so that we can establish a
contemporary re-reading of the term and encourage its discussion. For this, we seek to
1 Artigo recebido em 29/05/2019 e aprovado em 23/07/2019.
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analyse three theses developed in doctoral programs, starting to print a dialectical and
qualitative methodology, with propositional objective.
KEYWORDS: Theory of law. Civil Procedure. Procedural Public Order.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Ordem Pública e Processo: Ricardo de Carvalho Aprigliano. 2.
Proposta de sistematização das questões de ordem pública processual e substancial: Gisele
Santos Fernandes Góes. 3. Ordem Pública Processual: Trícia Navarro Xavier Cabral. 4. A
insuficiência do parâmetro da ordem pública: Antonio do Passo Cabral. 5. Considerações
finais: Será a ordem pública processual uma situação de “tû-tû”? Referências.
INTRODUÇÃO
A ordem pública, como outros fenômenos de conteúdo vago e indeterminado
interesse público, justiça, liberdade, função social, boa-fé etc. , ainda é motivo de muitas
inquietações para dogmática jurídica.
Não raro, nos deparamos, no desenvolvimento da vida profissional e acadêmica, com
expressões que muito mais transpassam uma percepção3 ou um sentimento, do que seu
próprio conceito com definições lógicas e sistematizadas. Nesse sentido, a própria discussão
do que é o Direito, desde o seu início até a atualidade, foi tomada de inúmeras teorias e teses
no intuito de aclarar, muitas vezes, a sua percepção. E, ainda hoje, há quem questione o
conteúdo do termo e a sua cientificidade, o que, ao nosso entender, mostra-se salutar.
Parece que o mesmo caminhar vem tomando a percepção de or demblica. Essa
junção emblemática de duas palavras com variadas significações e que, por vezes, também
pode ser utilizada como argumentação retórica de justificação do exercício de poder, vem
ocasionando relevantes discussões em vários ramos do Direito. Por isso, no atual momento
histórico-dogmático, ganha relevância a sua discussão nos bancos das academias jurídicas.
Em sua história, a ordem pública aparece como forma de blindagem da coisa pública
dos Romanos, como um dos corolários da seguinte passagem do Digesto de Justiniano:
3 Percepçã o no sentido de ter a capacidade de sentir.
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privatorum conventio juri publico non derogat. O que acabou por influenciar vários sistemas
jurídicos, principalmente após a inserção deste sentimento no Código Civil francês, em 1804,
(art. 6º, on ne peut déroger, par des conventions particulières, aux lois qui intéressent l'ordr e
public et les bonnes moeurs), refletindo em legislações de matriz romana, como o nosso
Código Civil (art. 2.035, parágrafo único, nenhuma convenção prevalecerá se contrar iar
preceitos de ordem pública).
Assim, a percepção de ordem pública já nasce com ares de autoridade e de blindagem
das coisas do Estado, marcado pelo elevado grau de inter esse público, como forma de
controle do exercício das liberdades dos indivíduos. Nesse ponto, estabelece-se a clássica
dicotomia do público versus privado ou da ordem pública versus ordem privada. De igual
modo, no Direito Internacional Privado, a ordem pública passou a blindar a aplicação da
legislação estrangeira, no sentido de impor a soberania estatal, desmembrando a ordem
pública em interna e internacional.
Por essa razão, a doutrina, de um modo geral, começou a associar a percepção de
ordem pública à maioria das normas jurídicas que não possuíam em seu suporte fático o
elemento vontade e, ao mesmo tempo, limitavam a liberdade dos indivíduos, denominando-
as de normas cogentes, porque geram situações jurídicas que limitam o autorregramento da
vontade. Ao passo que surge a dicotomia norma cogente versus norma dispositiva.
Existem, na doutrina brasileira, escritos direcionados à compreensão da ordem pública
no âmbito processual civil, os quais tiveram como escopo delimitar a sua compreensão e até
mesmo rechaçar a sua utilidade, como veremos. Por esta razão, o caminhar da ordem pública
na doutrina processual civil brasileira se faz imprescindível para que possamos estabelecer
a sua releitura dogmática contemporânea.
Desta forma, analisaremos as teses de doutoramento de Ricardo de Carvalho
Aprigliano, Gisele Santos Fernandes Góes e Trícia Navarro Xavier Cabral.
1. Ordem Pública e Processo: Ricardo de Carvalho Aprigliano
O estudo de Ricardo de Carvalho Aprigliano,4 como bandeirante a publicar livro
específico sobre o tema no processo civil brasileiro, tem a fundamental importância de servir
4 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Ordem Pública e Processo: o tratamento das questões de ordem
pública no direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2011.

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