Dos sujeitos às sanções

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas665-682

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59 Agente público

Entre os sujeitos às sanções previstas pela LIA, estão aqueles que a Lei de Improbidade Administrativa define como agentes públicos. São agentes públicos todas as pessoas físicas que mantêm ligação com o Estado por algum tipo de vínculo jurídico e que, diante disso, manifestam a sua vontade. Nesse conceito se incluem aqueles que exercem função na administração pública direta e indireta.

Para o Direito Administrativo, a expressão agente público representa a mais abrangente das definições das relações de pessoal no desempenho de alguma função estatal.

O art. 1º insere, como sujeito à LIA, qualquer agente público, servidor ou não:

Art. 1º. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta Lei.

No art. 2º passou a definir o agente público pelo vínculo que ele mantém com o Estado, admitindo o mandato, cargo, emprego ou função e, ainda, decorrente de qualquer tipo de investidura: eleição, nomeação, designação ou contratação:

Art. 2º. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Com essa previsão o legislador procurou envolver um grande número de pessoas, prestigiando a tutela do patrimônio público. Entre os sujeitos ativos encontram-se aqueles que, costumeiramente, são denominados agentes públicos equiparados ou por previsão legal (ficção). O sujeito equiparado não é, com certeza, agente público propriamente dito; caso contrário, não necessitaríamos de equiparação. Os equiparados são aquelas pessoas que a lei considera agentes públicos com o escopo de assegurar a sua aplicação. Em outras palavras, tais pessoas, na ausência dessa previsão, estariam excluídas do conceito de agente público, por mais vasto que ele seja.

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59. 1 Servidor público

A expressão servidor público, em sentido lato933, designa as pessoas físicas que possuem vínculo funcional com o Estado para o desempenho de atividades técnicas. Não são todas as pessoas que desempenham funções estatais, mas apenas aquelas que possuem um vínculo de trabalho, sendo, consequentemente, remuneradas pelo Estado.

Esse vínculo é profissional. Os servidores públicos podem apresentar-se como servidores estatutários, empregados públicos (CLT)934ou servidores temporários (CF, art. 37, IX). Submetem-se à hierarquia.

59. 2 Agentes políticos

Entre os agentes públicos temos os agentes políticos. Grande parte da doutrina vem sustentando a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa a eles, sob o fundamento do princípio da independência entre as instâncias, quais sejam: civil, penal e administrativa (supra, nº 56).

Wallace Paiva Martins Júnior935, promotor de Justiça do Estado de São Paulo, como forma de reafirmar sua tese sobre a aplicabilidade integral dessa Lei aos agentes políticos, reproduz a doutrina de Mônica Nicida Garcia, em comentários aos arts. 52 (I e II, par. ún.) e 102 (I, “h” e “c”) da CF, in verbis:

A leitura de tais dispositivos constitucionais conduz à conclusão de que, condenado um dos agentes especificados pela prática de crime de responsabilidade, a única sanção que pode ser aplicada é a de perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício da função pública. Nessa instância, de julgamento pela prática de crime de responsabilidade, não poderá haver a imposição de qualquer outro tipo de sanção, que não a perda do cargo com inabilitação para o exercício de função pública. Isso não quer dizer, entretanto, nem que outras sanções não possam ser aplicadas, desde que o sejam em outras esferas, nem que a imposição dessa sanção de perda do cargo com inabilitação para o exercício de função pública só possa se dar nessa esfera de responsabilização político-administrativa. Repita-se: a única conclusão autorizada pelo texto constitucional é a de que por crime de responsabilidade o agente político só pode ser condenado à perda do cargo e à inabilitação para o exercício de função pública por oito anos. Nada mais. Não se pretenda introduzir no texto constitucional disposição que ele não contém. Está dito que o crime de responsabilidade só implicará a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de função pública por oito anos. Não está dito que só o crime de responsabilidade acarretará a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de função pública por oito anos. O local da colocação do advérbio, no caso é absolutamente decisivo e revelador da vontade do legislador constitucional. Não está dito, por outro lado, que agente político só responde por crime de responsabilidade. Se assim fosse, e considerando a ordem de raciocínio até agora exposta, a única sanção que poderia

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sofrer um agente político seria a perda do cargo, livrando-se, assim, de eventual condenação criminal e de condenação ao ressarcimento dos danos que eventualmente tiver causado (relembre-se que no crime de responsabilidade o agente político não pode ser condenando a recompor os cofres públicos, por exemplo). Mas assim não é. O agente político poderá ser condenado a outras sanções, em outras esferas, se o mesmo ato, caracterizador de crime de responsabilidade, constituir outro ilícito – crime comum ou ato de improbidade. Tanto é assim que o próprio parágrafo único do artigo 52 deixa expresso que não haverá prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.936O administrativista Fábio Medina Osório, em sua mais recente publicação, sustenta igual posição afirmando que: “a improbidade do art. 37, § 4º, não se confunde nem é limitada por aquela contemplada no art. 85, ambas da Magna Carta937. Conclui o autor que a imunidade dos agentes políticos importaria na vulneração do princípio de independência das instâncias938, tendo em vista a diferença entre as responsabilidades buscadas939.

Para um posicionamento sobre o tema, impõe-se uma compreensão da peculiar posição institucional dos agentes políticos que legitima o seu tratamento diferenciado em relação aos demais agentes públicos. Necessário constatar em que consiste a desigualdade.

Os agentes políticos exercem múnus público e não possuem ligação de natureza profissional ou de emprego com o Estado. Por consequência, “o que os qualificam para o exercício das correspondentes funções não é a habilitação profissional, a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos, membros da civitas e por isto candidatos possíveis à condução dos destinos da Sociedade”940. Vale dizer, não se exigem do candidato habilitação técnica ou requisitos profissionais, mas apenas a plenitude de seus direitos políticos941.

Manifestam esses agentes públicos atos de governo e atos de administração peculiares. Por atos de governo entendem-se aqueles oriundos de opções políticas,

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e administrativos, os que visam concretizar as atividades executivas942. Esclarecendo: eles desempenham atividades políticas e de governo, entendidas como uma competência superior na condução do Estado. Neste mister definem as ações, assinalando diretrizes a serem observadas.

São os agentes políticos “autoridades públicas supremas, do Governo e da Administração na área de sua atuação, pois não estão hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais de jurisdição”943.

Esses agentes não estão sujeitos às penalidades relativas aos servidores em geral. A eles não se aplica o Estatuto dos Funcionários Públicos ou regime disciplinar, mas apenas regulamento especial. Possuem, desse modo, normas específicas de processo e julgamento de infrações funcionais.

Os servidores públicos, por outro lado, vinculam-se profissionalmente para o desempenho de atividades técnicas, encontrando-se hierarquizados; consequentemente, subordinados ao poder disciplinar.

Em razão de sua atribuição constitucional, os agentes políticos têm responsabilização própria. Os crimes de responsabilidade nada mais são do que responsabilidades específicas desses agentes944. Servidor público não comete crime de responsabilidade. Configuram crime de responsabilidade, entre outros atos, aqueles que atentem contra a probidade na administração (CF, art. 85, V). É, portanto, crime de responsabilidade, a conduta ímproba. A Lei nº 1.079/50, em seu art. 9º, define as condutas atentatórias à probidade administrativa por atos do Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-Geral da República, Governadores e Secretários de Estado.

A própria Constituição Federal estabelece que os agentes políticos respondem por crime comum e de responsabilidade (CF, art. 102, I, “a”). A expressão crime comum empregada pelo texto constitucional deve ser entendida como responsabilização penal, não só pelas infrações estabelecidas pela lei geral como também pelas leis especiais945.

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Quando a Constituição Federal menciona crime de responsabilidade, está ela indicando a responsabilidade não penal do agente pela prática de atos políticos e administrativos. São esses os atos valorados e punidos.

A Lei nº 8.429/92 estabeleceu infrações que, para os agentes políticos, representam crimes de responsabilidade. Sob tal ótica, os agentes políticos sujeitos a crime de responsabilidade não o estão à ação de improbidade...

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