Dos princípios gerais de direito

AutorLuiz Fernando Coelho
Páginas55-78
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– IV –
DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO*
O uso da expressão “princípios gerais de direito” iniciou-se em
meio à ambiência forjada pelo positivismo, num contexto em que a
concepção dogmática do direito se afirmava em sua plenitude, expressada
na França pela escola da exegese, na Alemanha pelo conceitualismo
jurídico e na Inglaterra pela jurisprudência analítica. Isso explica por
que a maior parte da doutrina jurídica desenvolvida após as revoluções
burguesas os tem considerado como fonte do direito, seja para orientar
a interpretação do direito positivo, seja para colmatar lacunas da lei ou
do ordenamento jurídico. Essa concepção está subjacente à maioria das
definições, de que é exemplo a proposta por Plà Rodriguez: “linhas
diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou
indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir para
promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a
interpretação das existentes e resolver os casos não previstos1. Embora
referindo-se ao direito do trabalho, atribui esse autor aos princípios uma
tríplice função: informadora para o legislador, normativa para os casos
de lacunas e interpretadora, como critério de orientação, para o intérprete
e para a magistratura2. Destarte e de modo geral entende-se que os
* Resumo das aulas no Curso ao Mestrado em Direito da Universidade Paranaense – UNIPAR – de
Umuarama, durante o 1o Semestre de 1999.
1 RODRIGUEZ, Américo Plà. Princípios de Direito do Trabalho. Trad. de Wagner Giglio. São Paulo:
Ltr, 1978. p. 15.
2 Idem, p. 17.
Luiz Fernando Coelho
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princípios gerais de direito consistem em diretrizes que podem servir, e
efetivamente cumprem esse papel, de fonte de inspiração para a criação,
interpretação e integração do direito.
A ambiência positivista em que se desenvolveu a teoria dos princípios
levou a que se procurasse eliminar dos textos legais as tradicionais referências
ao direito natural, entendendo-se que só seriam admitidos como jurídicos
os imperativos efetivamente incorporados ao direito positivo; e, assim
mesmo, em se tratando de procedimento integrativo de lacunas, aparecem
numa ordem hierárquica em que são precedidos pela analogia e pelo
direito consuetudinário, às vezes pela equidade.
Deve-se relembrar que a doutrina anterior, desenvolvida no
contexto do iluminismo, identificava os princípios com as normas mais
gerais, integradas ou não ao ordenamento, mas ditadas pelo direito
natural; assim eles aparecem, por exemplo, no Código Civil austríaco
de 1811. A concepção jusnaturalista, embora tenha sido superada pela
influência do positivismo e em face da crise do direito natural ocorrida
no século passado, nunca desapareceu da doutrina jusfilosófica, a
cavaleiro do eterno retorno ao direito natural3. Na visão de Del Vecchio,
seu grande defensor, a tese jusnaturalista enfatiza que os princípios gerais
albergam as supremas verdades do direito, de modo a transcenderem as
nacionalidades, sendo comuns aos diversos povos. Ademais, que os
princípios gerais correspondem à crença numa ratio juris de caráter
universal que, desde os romanos, é patrimônio comum que acompanha
a humanidade em seu desenvolvimento e, ainda, que se acha presente
na consciência jurídica, decorrente da natureza das coisas, tal como esta
pode ser apreciada pela razão4.
A partir das codificações burguesas verifica-se um nítido aban-
dono da concepção jusnaturalista, quando os princípios são inicialmente
entendidos como integrantes do direito positivo e, mais tarde, como
princípios gerais do ordenamento jurídico do Estado, o que foi acolhido
pelo Código Civil italiano, tendo se acrescentado ainda que se trata de
princípios reconhecidos pelos povos cultos.
3 ROMMEN, Heinrich. Die ewige Wiederkehr des Naturrechts. München: Josef Kösel Verlag, 1947.
4 DEL VECCHIO, Giorgio. Sui principi generali del diritto. 1921.

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