Dos Meios de Comunicação (art. 43 ao art. 46)

AutorTatiana Stroppa
Páginas263-278

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Art. 43. A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do País.

Art. 44. Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, étnica ou artística.

Parágrafo único. A exigência disposta no caput não se aplica aos filmes e programas que abordem especificidades de grupos étnicos determinados.

Art. 45. Aplica-se à produção de peças publicitárias destinadas à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinema-tográficas o disposto no art. 44.

Art. 46. Os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, as empresas públicas e as sociedades de economia mista federais deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário.

§ 1º Os órgãos e entidades de que trata este artigo incluirão, nas especificações para contratação de serviços de consultoria, conceituação, produção e realização de filmes, programas ou peças publicitárias, a obrigatoriedade da prática de iguais oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço contratado.

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§ 2º Entende-se por prática de iguais oportunidades de emprego o conjunto de medidas sistemáticas executadas com a finalidade de garantir a diversidade étnica, de sexo e de idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço contratado.

§ 3º A autoridade contratante poderá, se considerar necessário para garantir a prática de iguais oportunidades de emprego, requerer auditoria por órgão do poder público federal.

§ 4º A exigência disposta no caput não se aplica às produções publicitárias quando abordarem especificidades de grupos étnicos determinados.

COMENTÁRIOS

1 Os meios de comunicação como plataforma para a valorização da diversidade étnica e cultural

A sociedade brasileira é uma das mais fecundas de todo o mundo em termos de diversidade cultural e étnica. Todavia, embora seja o Brasil um país que tenha a miscigenação como uma de suas principais características, o fato é que o passado escravocrata continua ecoando na persistência por atitudes discriminatórias.

Esse cenário acaba sendo um obstáculo para a fruição individual dos direitos fundamentais positivados na Constituição Federal de 1988 por aqueles que são vítimas da discriminação e, sobretudo, impede a consolidação de uma sociedade mais justa, democrática e que quer se solidificar sobre os princípios da paz, da tolerância e do diálogo.

Dessa maneira, o presente Estatuto da Igualdade Racial ao abordar em um capítulo específico os meios de comunicação deixa patente que a complexa luta contra as atitudes discriminatórias exige a introdução de uma programação transversal que valorize a grande riqueza social que a República Federativa do Brasil ostenta. Em outras palavras: levanta a questão de que a liberdade de programação não é absoluta e que precisa ser realmente exercida num cenário que valorize o princípio do pluralismo enquanto diretiva normativa que impõe a obri-

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gação de que os meios de comunicação tratem de diferentes temas e sob diversas perspectivas e que haja uma igualdade de oportunidades comunicativas entre os diversos grupos étnicos que formam a sociedade brasileira.

Por atentar para as modificações sociais advindas do desenvolvimento e da atuação dos meios de comunicação de massa, tanto que nomeia a sociedade contemporânea como a sociedade da informação, Maria Eduarda Gonçalves defende que:

"Mesmo os sistemas jurídico-económicos liberais, favoráveis ao livre funcionamento das leis de mercado, reconhecem que o Estado deve intervir na criação das condições e na imposição das restrições às liberdades e direitos individuais, que garantam a defesa de legítimos interesses públicos ou privados; que facultem, designadamente, um acesso geral e equitativo aos meios de comunicação e às fontes da informação necessários à realização dos direitos das pessoas nas esferas política, sócio-cultural, económica ou pessoal, ou que defendam o interesse do consumidor dos novos produtos e serviços de informação e de comunicação."1

Portanto, o objetivo do breve estudo que ora se apresenta é analisar os dispositivos que formaram o Capítulo VI do Título II do Estatuto da Igualdade Racial, e indicar se de fato houve inovações e em que medida elas podem contribuir para a inclusão das vítimas de desigual-dade étnico-racial, para a valorização da igualdade étnica e para o fortalecimento da identidade nacional brasileira (diretrizes fixadas no art. 3º do Estatuto da Igualdade Racial).

Uma advertência inaugural: o Capítulo VI foi inserido no Título II que elencou os direitos fundamentais. Todavia, acredita-se que esse capítulo deveria ter sido tratado em um título autônomo, porque os meios de comunicação não são um direito fundamental. Antes, são

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titulares do direito-dever de informar e ao exercerem este acabam contribuindo para que as pessoas satisfaçam o direito de se informar e de serem informadas.

Assim,

"o direito de informação conforma uma resposta normativa para a necessidade de adaptação do direito de expressão ao Estado democrático de direito, uma vez que alberga, além do direito de informar do emissor, os direitos do receptor de se informar e de ser informado."2Seguindo a proposta que nos foi feita, a análise será dividida em duas partes tendo em vista o conteúdo trazido pelos artigos: uma visão mais geral e que justifica a existência do Capítulo VI a partir da redação dada ao art. 43; uma segunda, que abordará as normas referentes às "entidades do sistema privado" tratadas nos arts. 44 e 45, e as normas voltadas para as "entidades não-comerciais" (sistema público e estatal) abordadas pelo art. 46.

A nosso ver, entretanto, a questão transcende os limites normativos e qualquer conclusão, neste momento, sobre a efetividade dos dispositivos seria açodada. Aqui, como em muitas situações, dependeremos mais de uma mudança de postura do que de uma tomada de posição do Direito. Mas não podemos deixar de registrar que acreditamos que a abertura dos canais de comunicação para todos os segmentos sociais constitui um pressuposto indispensável para que haja a conscientização da população brasileira acerca da seriedade do problema de discriminação racial, e que o combate ao preconceito passa pela atuação dos meios de comunicação.

A propósito, deixamos aqui nosso agradecimento pela gentileza do convite formulado pelo amigo Calil Simão Neto.

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2 A necessidade de democratização da comunicação no Brasil

Entende-se que não é somente útil, senão necessário, ao trabalhar com temas de inclusão social, discutir como seria adequado efetivar uma inclusão sem desconsiderar as diferenças culturais existentes e que são, "para o gênero humano, tão necessárias como a diversidade biológica para os organismos vivos e constituem o patrimônio comum da humanidade, que deve ser reconhecido e consolidado em benefício das gerações presentes e futuras"3.

O conceito de cultura foi definido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) como:

"(...) o conjunto de traços espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que distinguem e caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as formas de viver em comunidade, os valores, as tradições e as crenças".4Seguindo esse raciocínio, é possível defender a pertinência do art. 43 ao ditar que: "A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do País".

Isso porque o art. 43 não teve como enfoque a formulação de uma proibição de programações com conteúdos racistas que tenham como propósito a ofensa e a humilhação social, quiçá por já ser assunto do § 2º do art. 20 da Lei nº 7.716/895e estar vedada pela Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação

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racial, ratificada pelo Brasil em 27.03.19786. Quer dizer, mais que uma vedação de que a...

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