Dos juros legais

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas353-362

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28. 1 Considerações introdutórias

Quando o Código Civil de 1916 foi promulgado, estava liberada a estipulação da taxa de juros, ou seja, o credor tinha o direito de cobrar a taxa que bem entendesse, desde que o devedor estivesse de acordo.

Em 1933, o governo entendeu que o princípio então vigorante não era benéfico para o país, introduzindo o Decreto nº 22.626/33 (Lei da Usura) que determina a cobrança de 6% de juros ao ano, vedando em qualquer contrato a cobrança da taxa superior ao dobro legal, ou seja, 12% ao ano e considerando delito de usura toda simulação ou prática tendente a ocultar a verdadeira taxa de juros ou a fraudar os dispositivos da lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos. Confira-se pelo seguinte aresto: "Podem as partes convencionar a taxa de juros moratórios até 12% anuais. Na hipótese de inexistir ajuste expresso a esse respeito, será ela de 6% ao ano" (in RT 551/228).

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Depois surgiu a Lei Federal nº 4.595, de l964, chamada Lei do Mercado de Capitais, atribuindo ao Conselho Monetário Nacional, através do Banco Central, a competência para "disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas", podendo, inclusive, "limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários" (arts. 4.º, nº VI e 9.º).

Os tribunais, por não ter a referida lei 4.595 feito menção à Lei de Usura, passaram a decidir que aquela lei revogou a Lei da Usura apenas parcialmente. Não sendo banco ou instituição financeira, ninguém mais poderá cobrar juros acima do dobro da taxa legal. Aliás, esta situação já se encontra superada em face da sólida posição assumida pelo Supremo Tribunal Federal que passou a decidir que o Decreto nº 22.626, de 1.933, estava revogado, não pelo decurso ou pela inflação, mas pela Lei 4.595, de 1.964, pelo menos no que se refere às operações com as instituições financeiras de crédito, públicas ou privadas, que funcionam sob o estrito controle do Conselho Monetário Nacional (RE nº 78.953, de 1.975). Veja o que diz a Súm. 596-STF: "As disposições do Dec. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o Sistema Financeiro Nacional". "Os contratos bancários não estão sujeitos à Lei de Usura (Súmula 596 do STF). "Conforme jurisprudência desta Corte, em regra, ao mútuo bancário comum, aqui representado por contrato de empréstimo, não se aplica a limitação dos juros em12% ao ano, estabelecida na Lei de Usura (Dec. 22.626/33)" (RT 819/165). E as entidades de crédito, públicas e privadas, estão sob a fiscalização do Conselho Monetário Nacional e Banco Central (art. 3.º e 10 da Lei 4.595/64)" (in RT 698/100). Vale a pena conferir, a propósito, o entendimento predominante do tribunal superior: "É permitida às instituições financeiras a cobrança de juros remuneratórios acima do limite estabelecido no Código Civil e na Lei de Usura, no caso de contrato de financiamento para capital de giro, nos termos da autorização do Conselho Monetário Nacional, que possui competência delegada para limitar as taxas de juros praticadas no mercado financeiro, conforme inteligência do art. 4.º, IX, da Lei 4.595/64 e da Súm. 596 do STF" (in RT 775/216).

Com o advento do Código Civil de 2.002, os juros de mora da obrigação inadimplida regem-se por ele. Veja a conclusão do Des. Celso Pimentel publicado na Revista Literária de Direito n. 52, ps. 19-21, "segundo a qual os juros de mora da obrigação inadimplida "regem-se pelo Código Civil de 2.002 a partir de sua vigência 11.01.3.003, mesmo que a obrigação principal antes, se tenha constituído" (in RT 840/262).

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Em conclusão, se um particular emprestar dinheiro e cobrar juros além do dobro da taxa legal, poderá ser denunciado, processado e condenado por crime de usura (art. 4.º, "a", da Lei 1.521, de 1.951). Confira-se pelo aresto seguinte: "Aquele que cobra juros em dissonância com a taxa estabelecida pelo Dec. 22.626/33, ou pelo Código Civil, ressalvadas as hipóteses da Súm. 596 do STF, comete o crime de usura previsto no art. 4.º, a, da Lei 1.521/51" (in RT 752/552). É importante conhecermos a Súm. 596 do STF: "As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional".

28. 2 Conceito

Quando o objeto da locação for uma coisa fungível, como por exemplo, dinheiro, o preço pelo seu uso chama-se juro. No plural, juros. Trata-se, pois, de uma locação de dinheiro, em que o mutuário paga uma certa quantia que representa o rendimento do capital empregado.

Discorrendo sobre as características do instituto, Washington de Barros Monteiro esclarece devidamente: "Juros são o rendimento do capital, os frutos produzidos pelo dinheiro. Assim como o aluguel constitui o preço correspondente ao uso da coisa no contrato de locação, representam os juros a renda de determinado capital".293Por isso, são chamados de frutos civis do capital ou os frutos que o capital produz. Por essa razão, Sílvio Venosa manifesta-se a respeito como "a remuneração que o credor pode exigir do devedor por se privar de uma quantia em dinheiro".294No ensinamento de Caio Mário Pereira da Silva: "Chamam-se juros as coisas fungíveis que o devedor paga ao credor, pela utilização de coisas da mesma espécie a este devidas. Pode, portanto, consistir em qualquer coisa fungível, embora freqüentemente a palavra juro venha mais ligada ao débito de dinheiro, como acessório de uma obrigação principal pecuniária".295Bem oportuna a lição do saudoso Prof. Antônio José de Souza Levenhagen, que transcrevemos: "JUROS vêm a ser o proveito tirado de um capital emprestado. É o preço do uso do capital e um prêmio ao credor, pelo risco que corre em conseqüência do empréstimo feito. Em última análise, é o aluguel do dinheiro, como o aluguel é o preço do uso do

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prédio".296E continua: "À semelhança de quaisquer outros capitais improdutivos por sua natureza, o dinheiro pode, portanto, proporcionar benefícios, frutos, daí o dizer-se que os juros são frutos civis".297

Não devemos esquecer que os juros moratórios são acessórios do principal. Os juros, portanto, são uma obrigação acessória que reforça o cumprimento da obrigação, visto que, no fundo e muitas vezes, representam uma sanção imposta contra aquele que deixou de cumprir a obrigação.

28. 3 Espécies

Os juros podem ser compensatórios ou moratórios:

a) Os compensatórios correspondem aos frutos de um capital empregado. Representam uma compensação ao emprestador. "Relati-vamente aos juros compensatórios constituem criação pretoriana e tem por objetivo reparar o expropriado pela perda antecipada da posse do imóvel...

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