A Duração dos Julgamentos como Critério de Aferição de um Processo Justo

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito Processual. Professora Adjunta de Processo do Trabalho e Prática Processual Trabalhista na UERJ
Páginas319-338

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1.1. O contexto em que inserida a garantia

Embora referências à necessidade de celeridade processual tenham sido encontradas em diversos instrumentos jurídicos desde o século XIII1118, o direito de acesso à justiça em um prazo razoável passou a constar como garantia fundamental no período Pós-Guerra, a partir do terceiro quartel do século passado. A expressão “prazo razoável”, que visa a regular a garantia do demandante de obter do Poder Judiciário uma resposta pronta e efetiva, ou seja, o direito de que seu processo termine logo e lhe forneça uma resposta condizente com o pedido formulado, consta originalmente da Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, que trata do tema em seu art. 6º.1, bem como da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, que reproduziu a expressão em seu art. 8.1, também fazendo referência expressa ao prazo razoável.

Outros instrumentos internacionais abordam o tema: (i) a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, da

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OEA de 1948, em seu art. 25, refere-se “ao direito do imputado de ser julgado sem dilações indevidas ou injustificadas”; (ii) o Pacto de Direitos Civis e Políticos, da ONU, 1966, que no art.
14.3 traz a mesma expressão; (iii) a Sexta Emenda à Constituição estaduniense utiliza o termo juízo rápido (fair trial), dentre outras normas contemporâneas que agasalham a garantia.

O processo detém o relógio do tempo do Direito1119.

Só ele pode aplacar a angústia da espera e diminuir a distância entre o fato e a resposta jurisdicional.

Para que o processo se desenvolva adequadamente e prenhe das justas garantias é preciso que todos os atos estejam ordenados temporalmente, e que esse marco temporal não ultrapasse o prazo razoável, assim considerado pelas partes em busca de sua satisfação. Nesse particular, interessante notar que o processo, de um lado, cobra a agilidade e presteza do resultado, e de outro, exige a segurança concreta da apuração do direito, o que, certamente, demandará tempo. A justa medida do tempo necessário não ficará a cargo da discricionariedade do magistrado e tampouco deve ser insindicável. Ao revés, será aferida por critérios de equidade, boa-fé, justiça social e valores de cada sociedade, em dada época1120.

1.2. O problema mundial

O Conselho Nacional de Justiça divulgou em 2009 um relatório sobre o número elevadíssimo de processos à espera de julgamento no país1121. A insatisfação com a morosidade do Judiciário é generalizada1122.

Barbosa Moreira, em artigo que pretende desmistificar alguns mitos e crenças existentes a respeito da justiça, explana ser falsa a impressão de que, em termos de duração do processo, a justiça brasileira estaria entre as piores do mundo. Mirando-se os olhos para o estrangeiro, percebe-se facilmente que os problemas que assolam o Judiciário no Brasil também estão presentes em outros cantos, inclusive países de primeiro mundo1123.

Uma decisão judicial, por mais justa e escorreita que se possa apresentar, muitas vezes, é ineficaz1124. Isso acontece,

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principalmente, quando a decisão chega a destempo1125, ou seja, quando a prestação jurisdicional é entregue ao cidadão em momento que não mais interessa nem mesmo o reconhecimento e a declaração do direito pleiteado1126.

Mesmo saindo vitoriosa no pleito judicial, a parte se sente, em grande número de vezes, injustiçada, valendo a máxima de que justiça tardia é o mesmo que denegação de justiça11271128.

Com efeito, o fenômeno dos “processos demorados demais” é mundial e não apresenta qualquer correlação com o fato de o Brasil ser um país em desenvolvimento, com a política, com as classes sociais, ou qualquer desses outros lugares comuns1129.

Pesquisas revelaram que, nos Estados Unidos, entre 1991 e 1997, a duração média de um processo em primeiro grau de jurisdição era de cinco anos1130. Na Itália, o grande drama no que se refere às garantias de um processo que se possa designar justo diz respeito à durabilidade excessiva dos pleitos, problema arraigado nos fóruns da nação. Sobre o tema, Cipriani dedicou estudo bastante profundo, diagnosticando causas e efeitos do problema1131. Aduz, dentre outros apontamentos, que o código de processo civil italiano de 1942, em sintonia com a revolução contemporânea, reduziu os direitos das partes e incrementou os poderes discricionários dos juízes, contornando um processo autoritário, caro, inefetivo e deveras demorado. A Itália convivia com os chamados juízes instrutores à frente da instrução dos processos, sem poderes decisórios sobre o mérito. O que poderia parecer organizado, na verdade, revelaria uma justiça civil com dois graus dentro da primeira instância, ou seja, um juízo monocrático, que instruía a causa, e outro colegiado, que a julgava, sem ter tido contato com as partes1132.

Com o fim da Segunda Guerra e a queda do fascismo, advogados reuniram-se com o Conselho Nacional Forense, presidido por Piero Calamandrei, autor do código de 1940, em trabalho que deflagrou a Lei n. 581, de 14 de julho de 1950, que alterava e modernizava o código de processo civil, mas que não apresentou avanços nos prazos de duração dos processos. Outras reformas1133 se seguiram até a inclusão, em 1999, do princípio do processo justo no art. 111 da Constituição italiana, assegurando um processo adequado regulado pela Lei, desenvolvendo-se em contraditório entre as partes, em condições de igualdade e presidido por um juízo independente e imparcial.

Em 1987, pela primeira vez, a Itália foi condenada pela Corte Europeia de Direitos do Homem, em razão da lentidão dos processos cíveis1134. A partir de então, o Estado, pressio-

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nado por críticas do Conselho da Europa, foi instado a legislar norma que fornecesse adequado remédio interno para as violações ao art. 6º da Convenção. Assim é que em 3 de abril de 2001 entra em vigor a polêmica Lei Pinto, que, em apertada síntese, previa o direito a uma justa reparação em favor do jurisdicionado pelos danos patrimoniais ou não patrimoniais experimentados com a duração excessiva dos feitos1135. A jurisprudência interna, todavia, exige a prova dos danos mate-riais e, em geral, aplica condenações bem mais leves do que as obtidas por decisões da Corte Internacional. Até os dias atuais, distanciado da Corte Europeia, o problema se apresenta grave e em pleno desfavor dos jurisdicionados.

Se o problema não é só brasileiro1136, muito menos derivado apenas do Judiciário. Não se pode olvidar de que a delonga é uma forma de defesa e de que, na maioria das vezes, o atraso é objetivado pelo polo devedor. A verdade é que, independentemente do número de Leis que se editem, sempre existirá no processo a parte interessada na demora da resolução do feito. Muitos discursos insinuantes sugerem que, pelo fato de as partes terem prazos curtos a serem cumpridos e os juízes não, seriam os últimos únicos responsáveis pela demora da prestação. Uma ilusão. Não são apenas os magistrados os culpados ou aqueles que devem ser repreendidos. Os agentes são muitos1137.

Talvez o aumento da quantidade de juízes e a automática diminuição da relação do número de processos por magistrado seja um bom começo para dar conta da litigiosidade da população brasileira.

Ademais, é preciso utilizar-se ao máximo da tecnologia moderna1138. Merece aplausos cada inovação de que temos notícia no sentido da otimização da informática a serviço do Judiciário. Mais que aplausos, merece maior divulgação para os jurisdicionados. A defeituosa organização do trabalho pode ser otimizada pelas inovações tecnológicas do século XXI.

Potencializar a lentidão ou sobrepô-la a todos os demais problemas da justiça brasileira é por demais inocente. Acreditar que a edição desvairada de leis processuais, tentando encurtar de todo o jeito o tempo gasto em cada processo seja a solução é por demais incauto. Afinal, “se uma justiça lenta demais é decerto uma justiça má, daí não se segue que uma justiça muito rápida seja necessariamente uma justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem. Não, contudo, a qualquer preço”1139.

Mesmo assim, em visão amadurecida, a protelação dos feitos constitui o mais aparente de todos os problemas, e, cumpre admitir, apesar de não ser a única e principal causa dos defeitos da prestação jurisdicional, é, sem dúvida alguma, um grande vilão a ser combatido1140.

Alçou a Emenda Constitucional n. 45 o princípio da celeridade ao rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. Afora previsões gravadas no emblemático art. 5º...

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