Dona Emiliana e o departamento de Psicologia da UFSC

AutorRogério F. Guerra/José Baus
CargoUniversidade Federal de Santa Catarina
Páginas265-297

    Dona Emiliana and the psychology departament at UFSC.

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A criação da UFSC
A aglutinação das faculdades

As origens do ensino universitário catarinense remontam ao Instituto Polytechnico de Florianópolis, criado no início de 1917. Antes disso, uma lei do Governo Estadual (nº 839, 2 de Outubro/1909) já previa a criação da Faculdade Livre de Farmácia, Odontologia e Obstetrícia, mas, desafortunadamente, ela não saiu do papel. O Instituto Polytechnico surgiu a partir da aglutinação dos esforços de cirurgiões-dentistas, farmacêuticos, médicos, engenheiros, advogados e um oficial da Marinha. Os estatutos especificavam que os objetivos da instituição eram a formação de farmacêuticos, cirurgiões-dentistas, guarda-livros e agrimensores. As aulas tiveram início em 10 de Abril de 1917 e eram ministradas em diferentes lugares, mas situados no centro da cidade. O Instituto Polytechnico recebeu o suporte legal dos governos estadual e federal e atingiu a fase áurea na década de 1920. Entretanto, crises internas e o reduzido número de alunos abreviam a sua vida - o curso de Odontologia, o mais procurado, teve apenas sete alunos matriculados e somente quatro deles chegaram ao final. A instituição vivia em dificuldades orçamentárias e a qualidade do ensino era inferior ao padrão nacional. Os motivos eram variados, mas o salário era baixo e os dirigentes tinham que recorrer aos profissionais locais, os quais não exibiam as credenciais adequadas e encaravam a docência como atividade secundária. Em 1935, o Instituto Polytechnico é extinto e a formação de profissionais da saúde só é retomada muitos anos depois (Madeira & Rosa, 1978 e 1979; Rosa & Madeira, 1978 e 1979).

A UFSC foi criada em 18 de Dezembro de 1960, a partir do decreto-lei 3849, assinado pelo Presidente Juscelino Kubitschek (1902-76).

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O Prof. João David Ferreira Lima (1910-2001), o idealizador do projeto, foi designado reitor (9 de Outubro/1961) por João Goulart, vice de Jânio Quadros, o sucessor de JK. A solenidade de instalação oficial da instituição ocorreu no Teatro Álvaro de Carvalho (22 de Março/1962). Inicialmente, o Campus Universitário estava espalhado pelo centro de Florianópolis e atendia a 847 alunos, distribuídos em dez cursos de graduação. Decorridos quase 50 anos, o salto quantitativo foi enorme, pois a comunidade estudantil hoje ultrapassa 32 mil alunos e contamos com cerca de 1550 professores, a maior parte com o título de doutorado. Inspirado pelo slogan "Formando gerações desde 1960", o vestibular de 2008 oferece 4095 vagas para os 65 cursos de graduação (incluindo três novas modalidades: Oceanografia, Zootecnia e Artes Cênicas). Os números indicam que o crescimento da UFSC foi espantoso. Estes números explicam por que o local que abriga uma universidade ora é chamado de "cidade universitária".

Ferreira Lima foi o idealizador da UFSC e permaneceu por 10 anos à frente da reitoria (Outubro/1961 à Dezembro/1971). Em seguida, vieram as administrações de Roberto Mündell de Lacerda (1972-76), Caspar Erich Stemmer (1976-80), Ernani Bayer (1980-84), Rodolfo Joaquim Pinto da Luz (1984-88, retornando para mais dois mandatos consecutivos 1996-2004), Bruno Rodolfo Schlemper Jr. (1988-92), Antonio Diomário Queiroz (1992-96) e o atual reitor, Lúcio José Botelho (2004-08). Até a administração do Prof. Bayer, os dirigentes máximos eram escolhidos de modo indireto - eram indicados pelo Ministro da Educação e a escolha era sancionada pelo Presidente da República. Não havia eleições diretas, mas o primeiro reitor a ser escolhido pela comunidade universitária foi o Prof. Rodolfo (eleito três vezes para o cargo e escolhido também para presidir o Conselho de Reitores, o CRUB).

No início dos anos 1960, Santa Catarina estava crescendo economicamente, de modo que as autoridades governamentais e a elite intelectual enxergavam a necessidade de criação de uma instituição universitária. A UFSC surge nesse contexto. Durante toda esse tempo, ela proporcionou a formação de um formidável contingente de profissionais, em diferentes áreas do conhecimento. O embrião da UFSC funcionava em torno de seis faculdades: Faculdade de Direito de Santa Catarina (criada em 11 de Fevereiro/1932, então dirigida pelo próprio Ferreira Lima), Faculdade Catarinense de Filosofia (criada em 8 de Setembro/1951, a alma mater do atual Centro de Filosofia e Ciências Humanas era dirigida por Henrique da Silva Fontes),

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Faculdade de Ciências Econômicas de Santa Catarina (criada em 1 de Março/1943, então dirigida por Nicolau Severiano de Oliveira), Faculdade de Farmácia e Odontologia de Santa Catarina (criada em 1948, então dirigida por Luiz Oswaldo D'Acampora), Faculdade de Medicina de Santa Catarina (criada em 29 de Dezembro/1959, criada e dirigida por Roldão Consoni) e Faculdade de Serviço Social (criada em 1959 e então dirigida pela vice-diretora Irmã Clementina Tonellotto, Congregação das Missionárias de Jesus Crucificado).

A Faculdade de Direito era a mais antiga, estava melhor estruturada e já pertencia ao Governo Federal. As demais sobreviviam com grandes dificuldades, pois eram frutos da iniciativa de agremiações particulares e recebiam ajuda esporádica do governo estadual. Todos os envolvidos com o sonho universitário enxergavam a sua importância, mas tinham divergências sobre o status da instituição: ela deveria ser particular ou deveria funcionar sob o manto do Governo Estadual ou Federal? A primeira solução foi descartada logo no início, pois todos concordavam que uma instituição de tal porte dificilmente sobreviveria com as mensalidades cobradas dos alunos. A solução estadual foi defendida por Henrique da Silva Fontes (1885-1966), a federal por Ferreira Lima. Em razão da movimentação de Fontes, o Governador Heriberto Hülse (1902-72) cede a Fazenda Assis Brasil para a instalação da futura universidade estadual, mas prevalecem os argumentos de Ferreira Lima, os quais apontavam que o suporte estadual também não seria suficiente para a manutenção da universidade - as faculdades existentes recebiam suporte financeiro do governo estadual e, embora pequenas e modestas, viviam enfrentando dificuldades orçamentárias.

O centro de gravidade era a Faculdade de Direito e, portanto, a fórmula defendida por Ferreira Lima era natural e parcimoniosa. Com efeito, era mais fácil transformar as deficitárias instituições particulares numa única instituição federal que transformar a sólida e bem estruturada instituição federal, a Faculdade de Direito, numa instituição particular ou pertencente à administração estadual. O Governador Hülse cede aos argumentos de Ferreira Lima e, sem maiores problemas, transfere a Fazenda Assis Brasil para a implantação de uma universidade federal (ver Fontes, 1960; Lima, 2000). A UFSC estava sendo partejada.

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[ VEA LA FIGURA EN EL PDF ADJUNTO ]

O Presidente Juscelino Kubitschek assina o ato de nomeação dos professores da Faculdade de Direito logo após a sua federalização (Palácio do Catete, Rio de Janeiro, 1957). A partir da esquerda: Senador Cunha Mela (líder do governo no Senado), Deputado Ulysses Guimarães (São Paulo), Deputado Vieira Melo (líder do governo na Câmara), Deputado Leoberto Leal (Santa Catarina), JK (sentado), Ferreira Lima (diretor da Faculdade de Direito), Vitor Nunes Leal (chefe da Casa Civil), Clovis Salgado (Ministro da Educação e Cultura), Pedro Calmon (Reitor da UFRJ) e Sydnei Nocetti (jornalista).

A UFSC ganha vida

Entre o ato providencial de JK e a implantação da UFSC existe uma verdadeira obra de engenharia administrativa. Engana-se quem pensa que a universidade surgiu espontaneamente a partir das palavras publicadas no Diário Oficial, pois as dificuldades eram inimagináveis. O Ministério da Educação funcionava parte no Rio de Janeiro, parte em Brasília, os malotes iam e vinham com os processos e portarias e as mensagens mais urgentes eram enviadas por cabogramas e telegramas (estas palavras caíram no es-

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quecimento e muitos jovens sequer sabem o que elas significam). As antigas faculdades foram extintas e os professores e o acervo patrimonial foram alocados nas novas unidades; os dirigentes viviam imersos em carimbos, fichários e documentos datilografados. Somente quem conhece um pouco sobre o funcionamento de uma antiga repartição pública tem alguma noção da complexidade que Ferreira Lima e seus "garotos" enfrentaram no início da criação da UFSC. Em 1960 nós não dispúnhamos de computadores, Internet ou E-mail e todo o funcionamento administrativo girava em torno dos ofícios, memorandos e malotes. O bom Chefe de Expediente era um exímio datilografo e tinha excelente caligrafia.

A partir do decreto-lei 3849/1960, Ferreira Lima é designado pro tempore para dar vida ao projeto. Vencida essa fase, os novos diretores das unidades deveriam ser eleitos, da mesma forma que, ato contínuo, os representantes das unidades deveriam ser escolhidos para comporem o Conselho Universitário. Nós não devemos esquecer que os regimentos e os estatutos também deveriam ser criados. Em 10 de Setembro de 1961, logo no início da manhã, o Conselho Universitário se reúne pela primeira vez, tendo como pauta principal a eleição de um reitor e seu vice-reitor. A presidência da reunião coube ao representante do MEC, o Prof. Jurandyr Lodi; o processo dá origem a uma lista tríplice, o que foi mera formalidade, pois os votantes escolhem por unanimidade Ferreira Lima para assumir o cargo de reitor. O Prof. Lodi faz o encaminhamento formal da lista...

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