Domínio Público Internacional

AutorJulio César Borges dos Santos
Ocupação do AutorBacharel em Direito. Professor universitário. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Pesquisador do Direito e das Relações Internacionais
Páginas167-188

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Neste capítulo você aprenderá sobre:

· Conceito de Domínio Público Internacional.

· Exemplos de espaços que se enquadram na classificação de Domínio Público Internacional.

· A Convenção de Montego Bay.

1. Conceito

A doutrina tradicional classifica como domínio público inter-nacional o mar, os rios internacionais, o espaço aéreo, o espaço extra-atmosférico e também o continente antártico.

Domínio Público Internacional corresponde a espaços que, embora pertencentes ao poder soberano de um Estado, despertam interesses de outros Estados.1Tais espaços, não raro, atrairão o interesse de toda a comunidade internacional.2

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2. Águas interiores3

Importante assinalar que existe uma dicotomia naquilo que se entende por águas interiores. Em geral, entende-se por águas interiores os lagos de água doce, os rios e pequenos mares interiores, os quais não se enquadram na disciplina estabelecida pelo Direito Internacional. Como consequência, tais espaços pertencem à soberania dos Estados e neste sentido não atraem de modo geral o interesse internacional.4

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Contudo, a Convenção de Montego Bay (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982), que entrou em vigor em 19945, menciona águas interiores referindo-se às extensões de água

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salgada em comunicação com espaços internos do território, em função de recortes ou reentrâncias neste.6

3. Mar territorial

O mar territorial é a porção de água que banha a costa dos Estados costeiros e que, como consequência, se enquadra como objeto da soberania destes. De acordo com a Convenção de Montego Bay (artigo 2º), a soberania estatal se estenderá também sobre o espaço aéreo sobrejacente ao mar territorial, ao leito e ainda ao subsolo deste mar.7O Estado exerce soberania sobre uma faixa d´água que se estende até determinada distância de suas costas, soberania que atinge, por igual, o leito do mar, o respectivo subsolo e o espaço aéreo que jaz por cima (...)

A única limitação à soberania do Estado costeiro em seu mar territorial é o direito de passagem inóxia concedida aos navios de todos os Estados, costeiros ou sem litoral(...).8

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Obviamente, em função do direito de passagem inocente, sofre a soberania estatal uma restrição, cabendo, entretanto, ao Estado costeiro regular a passagem inocente de modo a preservar seu espaço marítimo. Neste sentido, além de estabelecer rotas marítimas e sistemas destinados a separar o tráfego em caso de segurança à navegação, poderá o Estado costeiro impor a retirada de uma embarcação bélica estrangeira que se recuse a cumprir as regras de passagens.

A Convenção de Genebra sobre o Mar Territorial e a Zona Contígua estipula em seu artigo 19 que a "jurisdição penal do Estado ribeirinho não se exercerá a bordo de um navio estrangeiro, em trânsito no mar territorial, para detenção de uma pessoa ou execução de atos de instrução por motivo de uma infração penal, cometida a bordo do navio durante a passagem, salvo num ou noutro dos casos seguintes: a)Se as conseqüências da infra-ção se estenderem ao Estado ribeirinho; b)Se a infração for de natureza a perturbar a paz pública do país ou a boa ordem no mar territorial; c) Se a assistência das autoridades locais tiver sido pedida pelo Capitão do navio; ou d) Se tais medidas forem necessárias para a repressão do tráfico ilícito de entorpecentes".9No Brasil, o limite do mar territorial segue as determinações da Convenção de Montego Bay e ficou estabelecido em doze milhas marítimas (cerca de 22 km).10

4. Zona contígua

Em seguida à faixa de mar territorial se encontra a chamada zona contígua, na qual cada Estado poderá exercer suas prerrogati-

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vas de fiscalização e cuja extensão máxima será de 24 milhas náuticas, de acordo com a Convenção de Montego Bay.

A Zona Contígua compreende certa faixa do alto-mar, vizinha do mar territorial, na qual o Estado pode exercer certos direitos a fim de prevenir e, se for o caso, punir as infrações às suas leis de polícia aduaneira, fiscal, sanitária ou de imigração cometidas por navios estrangeiros em seu mar territorial.11No Brasil, a zona contígua se estende das 12 milhas (limite do mar territorial) às 24 milhas marítimas.12

5. Zona econômica exclusiva

É a faixa de água com extensão máxima de 200 milhas marítimas - incluídas aí as 12 milhas de mar territorial -, onde o Estado costeiro exercerá sua soberania de forma a garantir a exclusividade na exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais ali presentes, tanto na água quanto no leito e subsolo.13

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É uma zona sui generis, isto é, possui características peculiares, diversas do mar territorial (nele, o Estado costeiro exerce soberania exclusiva em todos os aspectos e não apenas no econômico, com a restrição única do direito de passagem inocente aos navios de qualquer nacionalidade), nem lhe é imposta o regime do alto-mar (as disposições referentes a este se aplicam a todas as partes não incluídas na Zona Econômica Exclusiva). Nela todos os Estados, ribeirinhos ou não, mesmo os com características geográficas especiais (Estados costeiros de mares fechados ou semifechados, cuja situação geográfica os faça depender da exploração dos recursos vivos da Zona Econômica Exclusiva de outros Estados para o adequado abastecimento do pescado a fim de satisfazer as necessidades de sua população, assim como os Estados ribeirinhos que não podem reivindicar Zona Econômica Exclusiva própria) possuem direitos e deveres bem definidos.14Além disso, a jurisdição do Estado costeiro se estenderá à zona exclusiva no que diz respeito à preservação da vida marinha, investigações científicas, bem como à instalação de ilhas artificiais.

A Convenção estabelece ainda que os Estados sem litoral - como Paraguai e Bolívia - têm direito de participar, em base equitativa, do aproveitamento do excedente dos recursos vivos (não dos recursos minerais, portanto) das zonas econômicas exclusivas de seus vizinhos. Mediante acordos regionais ou bilaterais determinar-se-ão os termos e condições dessa participação. 15

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6. Plataforma continental16É a porção de terra submersa (leito e subsolo) contígua ao território na qual se encontram o mar territorial e a zona econômica exclusiva, numa extensão máxima de 200 milhas, sendo os direitos de soberania exercidos sobre ela exclusivos. Ou seja, quando se fala em plataforma continental, a soberania estatal é exercida especificamente sobre o fundo do mar.

Nos termos da Convenção de 1982, o limite exterior da plataforma continental coincide com o da zona econômica exclusiva - duzentas milhas a

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partir da linha da base -, a menos que o bordo exterior da margem continental (ou seja, o limiar da área dos fundos marinhos) esteja ainda mais distante: neste caso, a extensão total de trezentas e cinqüenta milhas marítimas.17Vale ressaltar que a menção à soberania exclusiva de um Estado sobre sua plataforma continental também significa direitos econômicos exclusivos sobre ela, não cabendo a outros Estados qualquer pretensão de partilhar tais recursos, ainda que o Estado que detenha a soberania sobre a referida região não a explore economicamente. No mesmo sentido, decorre que os direitos de um Estado costeiro sobre sua plataforma continental não dependem de sua ocupação ou qualquer manifestação. Contudo, não poderá este Estado impedir que outros Estados utilizem sua plataforma continental como base para a passagem de seus cabos e dutos submarinos.

7. Alto-mar18

São as porções do mar sobre as quais não incide a soberania de qualquer Estado. Assim, as zonas econômicas exclusivas, os mares territoriais, águas interiores e águas pertencentes a arquipélagos, não integram o chamado alto-mar. Importante lembrar que o alto-mar

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não é res nullius, mas sim, bem de uso comum da humanidade. Seu regime jurídico é norteado pelo princípio da liberdade do alto-mar (obedecendo obviamente à disciplina do Direito Internacional Público), incluindo neste sentido a liberdade de navegação e sobrevoo, a liberdade de pesca (inclusive para os Estados sem litoral) e a liber-dade de colocar cabos e dutos submarinos. Aqueles Estados sem litoral têm assegurado, pela Convenção de Montego Bay, o acesso ao alto-mar, devendo firmar acordos bilaterais com o Estado costeiro por onde precisará passar para acessar o mar (Estado de trânsito) visando a regular a passagem. Os Estados têm o dever de tomar todas as providências para zelar pela segurança e licitude dos atos dos navios de sua bandeira, bem como exercer efetivamente sua jurisdição sobre eles.19

8. Estreitos e canais

Estreitos20Um braço de mar é um estreito, espécie de canal navegável de água que conecta duas grandes massas de água navegáveis. É mais comum quando se refere a um canal de água, que se situa entre duas massas terrestres, contudo a designação de estreito também pode referir-se a um canal navegável através de um corpo de água, que por outro lado não é navegável, por exemplo, por ser muito raso, ou, ainda, pelo fato de conter um recife ou arquipélago.

Vale lembrar que os termos estreito, canal, passagem e braço de mar podem ser sinônimos. Estreitos podem ser importantes rotas

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marítimas e muitos deles são economicamente relevantes, sendo que ao longo da história, observa-se que guerras foram travadas pelo controle dos mesmos.21

Canais22São corredores estabelecidos entre dois espaços marítimos com o objetivo de facilitar o trânsito entre eles.23Constituem-se em obra ou produto do engenho humano e submetem-se via de regra ao regime jurídico e soberania do Estado que os construiu.

Os estreitos e canais podem estar sob...

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