Domicílio da pessoa natural e da pessoa jurídica

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas195-210

Ver nota 130

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12. 1 Conceito de domicílio

Resido com minha família em um bairro da Capital do Estado de São Paulo, mas tenho escritório de advocacia no centro da Capital e em uma cidade

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vizinha, onde compareço em dias alternados. Se alguém propuser uma ação judicial fundada em direito pessoal contra a minha pessoa, onde deverei ser acionado?

Para determinados casos, a lei processual civil determina ser do réu o direito de ser acionado em seu domicílio. Eis o que diz o art. 94 do CPC: "A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu".

Domicílio civil, segundo o artigo 70 do Código Civil, é o lugar onde a pessoa natural estabelece a sua residência com ânimo definitivo. E o artigo 71 do mesmo Código completa: "Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas". O artigo seguinte também é de real valia na conceituação de domicílio da pessoa natural:

"É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida".

Respondendo à indagação feita no inicio, tenho dois domicílios distintos onde posso ser acionado. "Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer um deles" (CPC, art. 94, § 1º). Posso, portanto, ser acionado tanto na comarca da Capital, onde tenho minha residência ou meu escritório, ou na cidade vizinha, onde tenho também escritório com ocupações habituais. Esta situação é confirmada pelo parágrafo único do art. 72 do CC, in verbis: "Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem".

12. 2 Importância do conceito de domicílio

O homem, vivendo em sociedade, estabelece relações jurídicas com todos os outros homens, e deve, portanto, ter um lugar onde possa, oficialmente, ser encontrado para responder pelas obrigações assumidas. Toda pessoa natural deve ter, por livre escolha ou por determinação da lei, um lugar certo que seja considerado a sede central de seus negócios.

É importante, pois, a conceituação de domicílio já oferecido, porque:

  1. é ele que determina o lugar (comarca) onde se deve propor uma ação judicial quando contratamos com alguém. Assim, é através do domicílio do réu que geralmente se exige o pagamento das obrigações;

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  2. a sucessão abre-se no lugar (comarca) do último domicílio do falecido;

  3. não sendo conhecido o local em que se consumou o crime, a competência para julgar o réu poderá ser determinada por seu domicílio ou residência (CPP, art. 72).

    Vale lembrar, ainda, que toda pessoa, seja ela física ou jurídica, tem necessariamente sua sede jurídica, seu domicílio, mesmo o vagabundo, que será demandado onde for encontrado. "Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, - diz o art. 73 do CC - o lugar onde for encontrada".

    Feitas estas considerações de ordem geral, analisemos separadamente a sede da pessoa natural em relação à da pessoa jurídica.

12. 3 Caracterização da sede jurídica da pessoa

Toda pessoa natural deve ter, pelo menos, um lugar, uma cidade, como centro principal de sua atividade. Esse lugar chama-se domicílio.

Dissemos, pelo menos um lugar, porque a doutrina moderna admite a pluralidade de domicílios. Confira-se a doutrina de Orlando Gomes que repele o princípio de o indivíduo ter exclusivamente um domicílio131, ou como observa com muita propriedade João F. de Lima: "o sistema da pluralidade de domicílios, porém, conforme o direito brasileiro, está mais de acordo com a verdadeira noção de domicílio e com as necessidades da vida social, porque, desde que a pessoa, alternadamente, resida aqui e ali, ou mantenha diversos centros de atividades em lugares diferentes, é lógico que cada um desses lugares seja havido como domicílio de tal pessoa, facilitando, destarte, as transações e as soluções das relações jurídicas que se venham a estabelecer".132

Por definição, um desses lugares é a região onde está situada a residência, desde que o indivíduo não se afaste dela por longo tempo. O preso, por exemplo, deixa de tê-la como centro das atividades, passando a ser seu domicílio o lugar onde estiver cumprindo a sentença ou a pena. "Estando a mulher em lugar incerto e não sabido, a ação de divórcio, resultante da

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transformação da separação judicial em divórcio, deve ser ajuizada no foro do último domicílio da mulher" (in RT 526/178), ou "se a residência é com ânimo definitivo perfaz o domicílio. No domicílio da esposa deve ser ajuizada ação de anulação de casamento" (in RT 480/98).

Outro lugar que poderá representar o domicílio da pessoa natural é o local onde ela tem suas ocupações habituais, ou seja, onde ela exerce sua atividade profissional.

Afinal, em que consiste esse lugar? Será a casa onde reside com sua família, ou onde exerce sua atividade profissional? Será a rua, o bairro onde a pessoa exerce suas ocupações habituais ou onde reside?

Quando a lei diz que o réu deve ser acionado em seu domicílio, significa que a ação deve ser proposta na comarca onde ele é domiciliado, ou seja, onde ele tem o centro dos seus negócios ou suas relações familiares de modo permanente (residência). Nessas condições, o domicílio civil das pessoas naturais, quando visa à fixação do foro competente onde deverá correr a ação judicial, há de ser considerado a comarca onde elas têm sua residência, ou onde elas têm também suas ocupações constantes, habituais como centro de suas atividades profissionais. Jamais a palavra "lugar" ou "centro" empregada pela lei em sua definição como domicílio terá o sentido de quadra, rua, bairro. "Possuindo o de cujus vários domicílios, qualquer das comarcas é competente para a abertura e processamento do inventário dos bens por ele deixados" (in RT 674/92).

O Direito do Trabalho mostra bem essa situação. Por exemplo, quando uma pessoa trabalha na Lapa e é transferida para outro bairro qualquer, como não houve remoção, não houve mudança de domicílio. Se, no entanto, a pessoa trabalha na Lapa e é transferida para um município vizinho, aí, sim, houve remoção pela mudança de domicílio. Nesse caso, o "centro" de ocupações habituais corresponde ao "lugar" chamado município.

Por conseguinte, o domicílio é o lugar onde a pessoa "responde, permanentemente, por seus negócios e atos jurídicos"133; é o lugar onde estabelece a sede principal de seus negócios134, ou onde reside.

12. 4 Pluralidade de domicílios

O nosso Código Civil adotou, não o domicílio único, mas múltiplo.

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Analisemos novamente o princípio do parágrafo único do art. 72 do CC: "Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem". A propósito, ensina o saudoso Prof. Orlando Gomes: "A doutrina moderna admite, no entanto, a pluralidade de domicílios, aceita em diversas legislações, porque atende às necessidades atuais".135

O problema enfocado aqui e de acordo com nossa posição, foi ardentemente defendido por Clóvis Beviláqua, na época da elaboração do Código Civil, quando disse: "desviou-se da noção comum, que nos transmitiu o direito romano, segundo o qual, ao elemento residência permanente se devia associar o centro das relações civis ou da atividade da pessoa".136

De qualquer maneira, o próprio Código de 1.916 chegou a se pronunciar pela pluralidade de domicílios que, segundo a doutrina, destinavase apenas a efeitos processuais (veja as linhas históricas da origem do art. 32, no capítulo 6). Contudo, o que deve ser posto em destaque é que o Código de 1.916 já admitia a multiplicidade em seu artigo 32, in verbis:

"Se, porém. a pessoa natural tiver diversas residências, onde alternadamente viva, ou vários centros de ocupações habituais, considerar-se-á domicílio seu qualquer destes ou daquelas".

Analisando e comentando este artigo, Clóvis Beviláqua disse o seguinte: "Se, realmente, a pessoa tem mais de uma residência onde habitualmente, permaneça ou, alternadamente viva, se, em vários centros, tem ocupações constantes, habituais, seria contrariar a realidade das coisas, por amor de uma abstração infundada, persistir em considerar que somente uma dessas residências ou centro de atividade é seu domicílio e, arbitrariamente, escolher um deles para esse fim".137

Concluindo, o centro da vida individual (residência) e o centro dos negócios (ocupações habituais) correspondem ao lugar onde uma pessoa deve ser encontrada para receber a citação. O domicílio dela para determinação do foro competente será a comarca onde ela tem ou a sua residência com ânimo definitivo, ou as suas ocupações habituais. Não tendo a pessoa centro negocial, como é o caso, por exemplo, de uma pessoa aposentada, seu domicílio para localização do foro competente será a comarca onde está a sua residência.

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É preciso notar que a palavra domicílio é empregada pelo nosso legislador com intuito distinto, para efeitos jurídicos diferentes. É necessário, para conceituá-la, verificar a finalidade a que se destina. Por exemplo, quando a lei constitucional ou a penal faz referência à inviolabilidade do domicílio, toma-se a palavra domicílio no...

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