Acórdão do Tribunal de Justiça

AutorA. Tizzano
Páginas259-273

Page 259

14 de março de 2013 (*)

Diretiva 93/13/CEE - Contratos celebrados com os consumidores - Contrato de empréstimo hipotecário

- Processo de execução hipotecária - Competências do tribunal nacional que julga o processo declarativo - Cláusulas abusivas - Critérios de apreciação

No processo C415/11, que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267° TFUE, apresentado pelo Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona (Espanha), por decisão de 19 de julho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de agosto de 2011, no processo

Mohamed Aziz contra Caixa d’Estalvis de Catalunya, Tarragona i Manresa (Catalunyacaixa),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção), composto por: A. Tizzano (relator), presidente de secção, A. Borg Barthet, M. Ileši?, J.J. Kasel e M. Berger, juízes, advogadogeral: J. Kokott, secretário: M. Ferreira, administradora principal, vistos os autos e após a audiência de 19 de setembro de 2012, vistas as observações apresentadas:

- em representação de M. Aziz, por D. Moreno Trigo, abogado,

- em representação da Caixa d’Estalvis de Catalunya, Tarragona i Manresa (Catalunyacaixa), por I. Fernández de Senespleda, abogado, em representação do Governo espanhol, por S. Centeno Huerta, na qualidade de agente, - em representação da Comissão Europeia, por M. OwsianyHornung, J. Baquero Cruz e M. van Beek, na qualidade de agentes, ouvidas as conclusões da advogadageral na audiência de 8 de novembro de 2012, profere o presente

Acórdão

1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/ CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29, a seguir «diretiva»).

2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre M. Aziz e a Caixa d’Estalvis de Catalunya, Tarragona i Manresa (a seguir «Catalunyacaixa»), a respeito da validade de algumas cláusulas de um contrato de empréstimo hipotecário celebrado pelas referidas partes.

Quadro jurídico

Direito da União

3 O décimo sexto considerando da diretiva enuncia:

Considerando [...] que a exigência de boafé pode ser satisfeita pelo proissional, tratando de forma leal e equitativa com a outra parte, cujos legítimos interesses deve ter em conta;

4 O artigo 3° da diretiva dispõe:

1. Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boafé, der origem a um desequilíbrio signiicativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

2. Considerase que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e,

Page 260

consequentemente, o consumidor não tenha podido inluir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

[...]

3. O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.

5 Nos termos do artigo 4°, n° 1, desta mesma diretiva:

Sem prejuízo do artigo 7°, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

6 O artigo 6°, n° 1, da diretiva tem a seguinte redação:

Os EstadosMembros estipularão que, nas condições ixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um proissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.

7 O artigo 7°, n° 1, da diretiva enuncia: «Os EstadosMembros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos proissionais concorrentes, existam meios adequados e eicazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um proissional.»

8 O anexo da diretiva enumera, no seu n° 1, as cláusulas previstas no artigo 3°, n° 3, desta última. Compreende, designadamente, as cláusulas seguintes:

1. Cláusulas que têm como objetivo ou como efeito:

[...]

e) Impor ao consumidor que não cumpra as suas obrigações uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado;

[...]

q) Suprimir ou entravar a possibilidade de intentar ações judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor, nomeadamente obrigandoo a submeterse exclusivamente a uma jurisdição de arbitragem não abrangida por disposições legais, limitando indevidamente os meios de prova à sua disposição ou impondolhe um ónus da prova que, nos termos do direito aplicável, caberia normalmente a outra parte contratante.

Direito espanhol

9 No direito espanhol, a defesa dos consumidores contra cláusulas abusivas era inicialmente garantida pela Lei Geral 26/1984, relativa à defesa dos consumidores e dos utentes (Ley General 26/1984 para la Defensa de los Consumidores y Usuarios), de 19 de julho de 1984 (BOE n° 176, de 24 de julho de 1984, p. 21686).

10 A Lei Geral 26/1984 foi, em seguida, alterada pela Lei 7/1998, sobre condições contratuais gerais (Ley 7/1998 sobre condiciones generales de la contratación), de 13 de abril de 1998 (BOE n° 89, de 14 de abril de 1998, p. 12304), que transpôs a diretiva para o direito interno espanhol.

11 Por último, o Decreto Real Legislativo 1/2007, que aprova o texto reformulado da lei geral de defesa dos consumidores e utentes e outras leis complementares (Real Decreto Legislativo 1/2007 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y otras leyes complementarias), de 16 de novembro de 2007 (BOE n° 287, de 30 de novembro de 2007, p. 49181), adotou

Page 261

o texto consolidado da Lei 26/1984, conforme alterada.

12 Nos termos do artigo 82° do Decreto Real Legislativo 1/2007:

1. Consideramse cláusulas abusivas todas as estipulações não negociadas individualmente e todas as práticas não expressamente consentidas que, contra os ditames da boafé, criem em detrimento do consumidor e utente um desequilíbrio signiicativo dos direitos e obrigações que decorram do contrato para as partes.

[...]

3. O caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato ou de outro de que este dependa.

4. Não obstante o previsto nos números anteriores, são sempre consideradas abusivas as cláusulas que, nos termos do disposto nos artigos 85° a 90°, inclusive:

a) vinculem o contrato à vontade do proissional,

b) restrinjam os direitos do consumidor e utente,

c) determinem a falta de reciprocidade no contrato,

d) exijam garantias desproporcionadas ao consumidor e utente ou sobre ele façam recair indevidamente o ónus da prova,

e) sejam desproporcionadas relativamente à celebração e execução do contrato, ou

f) sejam incompatíveis com as regras relativas à competência e ao direito aplicável.

13 Relativamente ao procedimento de injunção de pagamento, o Código de Processo Civil (Ley de Enjuiciamiento Civil), na sua versão em vigor à data em que foi iniciado o procedimento que deu origem ao litígio no processo principal, regula, no seu capítulo V do título IV, livro III, intitulado «Particularidades da execução de bens hipotecados ou penhorados», designadamente nos seus artigos 681° a 698°, o processo de execução hipotecária que se encontra no cerne do litígio no processo principal.

14 O artigo 695° do Código de Processo Civil enuncia:

1. Nos processos a que se refere este capítulo só será admitida a oposição do executado quando baseada nos seguintes fundamentos:

(1) Extinção da garantia ou da obrigação garantida, sempre que resulte de certidão do registo que certiique o cancelamento da hipoteca ou, se for caso disso, do penhor sem entrega do bem empenhado ou de escritura pública que certiique o pagamento da dívida ou o cancelamento da garantia.

(2) Erro na determinação do valor exigível nos casos em que a dívida garantida corresponda ao saldo de encerramento de uma conta entre exequente e executado. O executado deverá juntar o seu exemplar do extrato de conta e apenas se admitirá a oposição nos casos em que o saldo do referido extrato divirja do apresentado pelo exequente.

[...]

(3) [...] a sujeição [...] a novo penhor, hipoteca [...] ou penhora registados anteriormente ao ónus que deu origem ao processo, [...] comprovada pela correspondente certidão de registo.

2. Se for formulada a oposição nos termos do n° 1, o secretário suspenderá a execução e convocará as partes para comparecerem perante o órgão jurisdicional que ordenou a execução, devendo entre

Page 262

a citação e a data da audiência mediar pelo menos quatro dias; nesta audiência, o tribunal ouvirá as partes, admitirá os documentos apresentados e proferirá a decisão que considere adequada, mediante despacho, no prazo de dois dias [...]

15 O artigo 698° do Código de Processo Civil dispõe:

1. Qualquer reclamação que o devedor, o terceiro executado e qualquer interessado formulem e que não esteja abrangida pelos artigos anteriores, incluindo as que digam respeito à nulidade do título ou ao vencimento, à certeza, à extinção ou ao valor da dívida, será resolvida no processo pertinente, sem nunca produzir efeito suspensivo nem interromper o processo previsto no presente capítulo.

[...]

2. Ao formular a reclamação a que se refere o parágrafo anterior ou no decurso do processo a que esta der lugar, poderá requererse que a eicácia da sentença que venha a ser proferida no mesmo seja garantida mediante a retenção da totalidade ou de uma parte do valor que deva ser restituído ao credor no âmbito do processo regulado no presente capítulo.

O tribunal, mediante...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT