Do transporte aéreo de carga - Da convenção de Montreal e da cláusula limitativa de responsabilidade: inoperância da limitação de responsabilidade à luz do ordenamento jurídico brasileiro e da tradicional interpretação do Superior Tribunal de Justiça

AutorPaulo Henrique Cremoneze
CargoMestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos
Páginas249-302
249
Revista Judiciária do Paraná – Ano X – n. 10 – Novembro 2015
Do transporte aéreo de carga – Da convenção
de Montreal e da cláusula limitativa de
responsabilidade: inoperância da limitação de
responsabilidade à luz do ordenamento jurídico
brasileiro e da tradicional interpretação do Superior
Tribunal de Justiça
Paulo Henrique Cremoneze
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Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos
U        de transporte
aéreo de carga e da responsabilidade civil do transportador aéreo é a
Convenção de Montreal, fortemente inuenciada pela antiga Convenção
de Varsóvia.
A Convenção de Varsóvia, base da Convenção de Montreal, foi assi-
nada pelo Brasil em 1929 e raticada no dia 2 de maio de 1931, ingressan-
do no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 20.704, de 24
de novembro de 1931. Durante muitos anos vigeu e foi argumentada nas
lides forenses, gerando debates acalorados.
Essa convenção, assim como todas as outras que tratam do transpor-
te aéreo, cedeu lugar à Convenção de Montreal, e ambas sempre foram
e ainda são alvo de especial interesse do Superior Tribunal de Justiça e,
mesmo, do Supremo Tribunal Federal, já que muitas das suas normas
batem de frente com o sistema legal brasileiro, a começar por seu funda-
mento de validade, a Constituição Federal.
A Convenção para a Unicação de Certas Regras Relativas ao
Transporte Aéreo Internacional (Convenção de Montreal), assinada pelo
Brasil em 28 de maio de 1999, raticada pelo Congresso Nacional e inse-
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rida no direito brasileiro pelo Decreto 5.910, de 27 de setembro de 2006,
repetiu em muitos aspectos a Convenção de Varsóvia, reforçou o conceito
de a responsabilidade civil do transportador aéreo ser de índole objetiva,
mas, infelizmente, manteve em seu corpo de normas a gura da limitação
de responsabilidade, ainda que em patamares menos indignos do que os
sustentados pela Convenção de Varsóvia.
Talvez o hábito no uso frequente da antiga Convenção de Varsóvia
justique a força que ela ainda goza em meio aos prossionais do direito.
Falamos isso porque, não raro, ainda hoje, decorridos muitos anos do in-
gresso da Convenção de Montreal, ainda se recorda muito da Convenção
de Varsóvia, sendo, inclusive, alvo de argumentos em peças forenses e de
fundamento de decisões judiciais.
A Convenção de Varsóvia sempre foi muito criticada – porque apre-
sentava muitas causas legais excludentes de responsabilidade e porque
reconhecia a validade e a ecácia das chamadas cláusulas limitativas de
responsabilidade, esta última gura dissonante do direito brasileiro como
um todo.
Do mesmo modo, a Convenção de Montreal é criticada porque auto-
riza o dirigismo contratual, o que é expressamente vedado pelo ordena-
mento jurídico brasileiro, e mantém em seu bojo o conceito de indeniza-
ção tarifada, ou seja, limitação de responsabilidade, embora em patamares
mais respeitáveis do que os da Convenção de Varsóvia.
A Convenção de Varsóvia, por ser do início do século passado, en-
contrava-se desatualizada em relação ao direito empresarial e às realida-
des poliédricas do mundo contemporâneo, as quais suscitaram e susci-
tam constantes respostas por parte do direito. Melhor sorte, contudo, não
ocorre relativamente à Convenção de Montreal, porquanto ainda injusta
e promotora do desequilíbrio entre as partes envolvidas no contrato de
transporte aéreo de carga, lembrando sempre que este é um contrato de
adesão.
Uma das críticas feitas à Convenção de Montreal, convém repetir, é
que ela prevê a limitação tarifada nos sinistros provocados pelo transpor-
tador aéreo.
Consta no artigo 22, item 3, da Convenção de Montreal, a seguinte
estipulação em favor da limitação:
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Transporte aéreo de carga - Convenção de Montreal e a cláusula limitativa de responsabilidade
Artigo 22 – Limites de Responsabilidade Relativos ao Atraso da Ba-
gagem e da Carga
3.No transporte de carga, a responsabilidade do transportador em
caso de destruição, perda, avaria ou atraso se limita a uma quantia de
17 Direitos Especiais de Saque por quilograma, a menos que o expe-
didor haja feito ao transportador, ao entregar-lhe o volume, uma de-
claração especial de valor de sua entrega no lugar de destino, e tenha
pago uma quantia suplementar, se for cabível. Neste caso, o transpor-
tador estará obrigado a pagar uma quantia que não excederá o valor
declarado, a menos que prove que este valor é superior ao valor real
da entrega no lugar de destino.
O valor de cada direito especial de saque é delineado por outra fonte
normativa, passível de alterações regulares. De qualquer modo, é um va-
lor baixo e que pode ser insignicante dependendo da carga avariada ou
extraviada.
E em razão da previsão convencional, os conhecimentos aéreos de
transportes de cargas, todos eles, contêm cláusulas limitativas de respon-
sabilidade.
A limitação de responsabilidade, seja de natureza convencional,
seja por meio de cláusula contratual (cláusula limitativa de responsabi-
lidade) é equiparada à cláusula de não indenizar, portanto, inoperante.
Entendemos rmemente isso, mesmo que vozes respeitáveis da doutrina
se posicionem em sentido contrário, assim como algumas correntes ju-
risprudenciais.
O tema, limitação de responsabilidade à luz da Convenção de
Montreal, é polêmico e muito instigante, merecendo especial atenção.
Aproveita dizer, desde logo, que são muitos os que entendem que essa
convenção não pode mais ser aplicada porque contrária à inteligência
sistêmica do direito brasileiro; igualmente, outros tantos defendem que
ela até pode ser aplicada, mas com ressalvas em relação às disposições
contrárias ao sistema legal pátrio, notadamente a parte que trata da limi-
tação de responsabilidade. E há uma corrente que diz que a limitação é
cabível apenas nos casos de grandes sinistros, os acidentes aéreos expres-
sivos e que podem comprometer a saúde nanceira do transportador
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