Do transporte

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28. 1 Considerações introdutórias

O médico tem o dever de agir com diligência no exercício de sua profissão. Sua obrigação não é a cura do doente. Deve empregar o tratamento adequado segundo orienta a ciência. Tem ele uma obrigação de meio, de diligência e não de fim ou resultado. Já o transportador tem a obrigação de resultado. Somente há o cumprimento da obrigação quando a pessoa ou a mercadoria transportada chega ao seu destino. A ementa do acórdão que segue coroa bem essa exposição: "Nos termos do art. 101 do CCo251, o transporte de mercadorias é uma obrigação de resultado, incumbindo à transportadora zelar para que o bem seja entregue nas mesmas condições em que carregado. Tal responsabilidade objetiva do transportador somente é afastada na ocorrência de caso fortuito ou força maior, circunstância que não se verifica no furto de carga durante transporte noturno, fato corriqueiro e previsível, mormente se a transportadora não tomou os cuidados necessários à preservação do patrimônio transportado" (in RT 793/255).

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Concluindo, o contrato de transporte contém obrigação de resultado que somente se conclui quando a pessoa ou mercadoria chega ao destino. Por oportuno, merece transcrição o seguinte aresto do 1ºTACivSP: "Conforme se depreende da leitura do art. 17 do Dec. 2.681/12, a partir do momento em que o usuário adquire um bilhete ferroviário e tem acesso à plataforma da estação, a ferrovia passa a ser responsável por sua incolumidade física até o instante em que o transportado chegue a seu destino, razão pela qual é devida pela transportadora indenização por danos morais e materiais aos familiares da vítima, atingida por uma bala de revólver enquanto aguardava o trem na plataforma de embarque, não havendo falar em caso fortuito ou força maior, de maneira a excluir o nexo de causalidade" (in RT 795/228).

O Código Civil traça normas sobre o transporte em geral, de pessoas e de coisas, nos artigos 730 a 756.

28. 2 Conceito de contrato de transporte -espécies

O renomado jurista Pontes de Miranda, discorrendo sobre o contrato de transporte, assim o definiu: "Contrato de transporte é o contrato pelo qual alguém se vincula, mediante retribuição, a transferir de um lugar para outro pessoas ou bens"252. O Código Civil, com base nessa definição, define essa espécie de contrato no seu art. 730, in verbis:

"Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas".

O transportador desloca de um local para outro pessoas, ou transporta coisas. Portanto, o transporte ou é de pessoas, ou de coisas. O objetivo do contrato de transporte, por conseguinte, é o traslado de uma pessoa ou coisa ao seu destino.

O contrato de transporte é bilateral por envolver duas partes que possuem obrigações contratuais; é comutativo por serem equivalentes as obrigações para ambas as partes; é oneroso por pressupor o pagamento ou contraprestação; é de adesão por não haver a possibilidade de negociar as cláusulas do contrato, ou seja, o passageiro ou remetente de coisas adere às cláusulas pré-estabelecidas ao contratar o transporte.

Diante do preceito constante no art. 732 do Código Civil, teleologicamente e em uma visão constitucional de unidade do sistema, quando o contrato de

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transporte constituir uma relação de consumo, aplicam-se as normas do Código de Defesa do Consumidor que forem mais benéficas a este253.

28. 3 Transporte cumulativo

Antes de adentramos no estudo específico do transporte de pessoas ou coisas, vejamos o problema do transporte cumulativo.

Ocorre o transporte cumulativo quando vários transportadores efetuam, sucessivamente, o deslocamento de pessoas ou coisas, seja por terra, água ou ar. É, pois, realizado por vários transportadores através de um único bilhete, como se fosse uma única empresa. O art. 733 dá a idéia de que cada transportador se obriga a cumprir o contrato no que se refere ao seu percurso, sendo responsabilizado, também pelos danos causados às pessoas e às coisas. Analise seu conteúdo, in verbis:

"Nos contratos de transporte cumulativo, cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoa e coisas".

Sílvio Venosa, discorrendo sobre o assunto em tela, com a lucidez costumeira, preleciona que tendo em vista "a obrigação de resultado que encarta o contrato de transporte, essa modalidade exige que todas as empresas que participam do percurso contratado respondam solidariamente"254. Segundo esse jurista, não há fracionamento da responsabilidade em função de cada trecho dos transportadores. Todos são responsáveis solidariamente pelo cumprimento do percurso. Colabora para esse entendimento o princípio constante no § 2º do art. 733, in verbis:

"Se houver substituição de algum dos transportadores no decorrer do percurso, a responsabilidade solidária estender-se-á ao substituto".

Colabora também para esse entendimento o princípio previsto no artigo 756 do CC ao tratar especificamente do transporte de coisas. Eis seu conteúdo: "No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem solidariamente pelo dano causado perante o remetente, ressalvada a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido o dano". Esse é o princípio que se ajusta à realidade de todos tipos de contrato de transporte cumula-

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tivo entre todos os participantes do deslocamento das pessoas ou coisas, havendo a possibilidade de ação regressiva de um transportador contra o transportador culpado.

28. 4 Transporte de pessoas

Conforme se depreende da leitura do art. 17 do Dec. 2.681/12, - decidiu o tribunal - a partir do momento em que o usuário adquire um bilhete ferroviário e tem acesso à plataforma da estação, a ferrovia passa a ser responsável por sua incolumidade física até o instante em que o transportado chegue a seu destino, razão pela qual é devida pela transportadora indenização por danos morais e materiais aos familiares da vítima, atingida por uma bala de revólver enquanto aguardava o trem na plataforma de embarque, não havendo falar em caso fortuito ou força maior, de maneira a excluir o nexo de causalidade" (in RT 795/228).

Na ementa do acórdão destacado notamos a presença do Decreto nº 2.681, de 1.912. Foi o primeiro normativo introduzido na nossa legislação sobre a responsabilidade do transportador, dizendo, no seu art. 26, que as "estradas de ferro responderão por todos os danos que a exploração de suas linhas causarem aos proprietários marginais". Estava introduzida a responsabilidade objetiva, aquela que independe de culpa, situação que veio a ser adotada pelo Código Civil, no seu art. 734 do CC, in verbis:

"O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade".255

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O transportador tem o dever de levar o passageiro vivo e incólume a seu destino. Havendo dano pessoal ou econômico durante a viagem, o transportador responderá pelo respectivo ressarcimento, independente de culpa pelo evento, sendo suficiente apenas a comprovação da relação de causalidade. Contudo, pelo que se vê do artigo supratranscrito, admite-se que o transportador se exima da responsabilidade em caso de força maior, nunca admitindo a hipótese de culpa exclusiva da vítima. Portanto, somente se o acidente for ocasionado por motivo de força maior o transportador se libera do dever de indenizar. Mesmo se...

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