Do Trabalho (art. 38 ao art. 42)

AutorEduardo Azadinho Ramia
Páginas223-261

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Art. 38. A implementação de políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho será de responsabilidade do poder público, observando-se:

I - o instituído neste Estatuto;

II - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965;

III - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção nº 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da discriminação no emprego e na profissão;

IV - os demais compromissos formalmente assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional.

Art. 39. O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.

§ 1º A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra.

§ 2º As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos.

§ 3º O poder público estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado.

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§ 4º As ações de que trata o caput deste artigo assegurarão o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários.

§ 5º Será assegurado o acesso ao crédito para a pequena produção, nos meios rural e urbano, com ações afirmativas para mulheres negras.

§ 6º O poder público promoverá campanhas de sensibilização contra a marginalização da mulher negra no trabalho artístico e cultural.

§ 7º O poder público promoverá ações com o objetivo de elevar a escolaridade e a qualificação profissional nos setores da economia que contem com alto índice de ocupação por trabalhadores negros de baixa escolarização.

Art. 40. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) formulará políticas, programas e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho e orientará a destinação de recursos para seu financiamento.

Art. 41. As ações de emprego e renda, promovidas por meio de financiamento para constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e de programas de geração de renda, contemplarão o estímulo à promoção de empresários negros.

Parágrafo único. O poder público estimulará as atividades voltadas ao turismo étnico com enfoque nos locais, monumentos e cidades que retratem a cultura, os usos e os costumes da população negra.

Art. 42. O Poder Executivo federal poderá implementar critérios para provimento de cargos em comissão e funções de confiança destinados a ampliar a participação de negros, buscando reproduzir a estrutura da distribuição étnica nacional ou, quando for o caso, estadual, observados os dados demográficos oficiais.

COMENTÁRIOS

1 inclusão no mercado de trabalho

É consenso na literatura técnica que o fenômeno da pobreza está diretamente relacionado aos níveis e padrões de emprego e às desigualdades existentes na sociedade. Nesse sentido, o trabalho é

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meio fundamental para a superação da pobreza e da inclusão social das classes minoritárias.

De se ver que não se trata de qualquer trabalho, mas de trabalho com condições de labor, remuneração e segurança decentes.

Nos últimos dez anos a sociedade, em seus diversos seguimentos, vem reconhecendo cada vez mais que as condições e causas da pobreza são diferentes tanto para mulheres quanto para os homens, inclusive entre os negros e brancos. Gênero e a raça/etnia são fatores que determinam, em grande parte, as possibilidades de acesso ao emprego, assim como as condições em que este se exerce.

A criação da Lei 12.288 (Estatuto da Igualdade Racial), de 20 de julho de 2010, mostra que o Governo Federal tornou-se um grande parceiro e aliado do Programa de Fortalecimento para a Igualdade de Gênero e Raça, Erradicação da Pobreza e Geração de Emprego (GRPE), concebido pela OIT.

O Brasil, ao perceber que uma das alternativas para a erradicação da pobreza e a geração de emprego é incorporar às suas políticas públicas o fortalecimento das dimensões de gênero e raça, busca fazer isso por meio de estratégias que priorizem atentar para a desigualdade racial/ étnica, melhorando assim as condições de trabalho e diminuindo a exclusão social daqueles que ficam à margem de um trabalho decente.

Para a OIT, trabalho decente é um trabalho produtivo, adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, e que seja capaz de garantir uma vida digna. Trata-se, portanto, do trabalho que permite satisfazer as necessidades pessoais e familiares de alimentação, educação, moradia, saúde e segurança. É também o trabalho que garante proteção social nos impedimentos de seu exercício (desemprego, doença, acidentes, entre outros), bem como respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores (OIT, 1999).

A análise de um conceito para o trabalho decente não pode limitar-se ao concebido de forma simples pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), mas deve tal conceito ser analisado sob um prisma mais amplo, em que a igualdade de gênero e raça/etnia, ou seja, grupos

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discriminados, possam optar e assumir e gerir suas próprias vidas, adentrar no mercado de trabalho em pé de igualdade com qualquer trabalhador ou trabalhadora, empresário/empresária. Trata-se de capaci-dade pessoal para competir no mercado de trabalho, desenvolver as qualificações empresariais ou trabalhos manuais, técnicos, intelectuais, etc., e receber uma parte equitativa da riqueza pelo trabalho exercido, no qual esse trabalhador ou empresário de forma simples ajuda a criar, e não ser apenas objeto de discriminação por parte da sociedade ou mesmo do próprio governo. É o poder de se expressar e ser ouvido no lugar de trabalho e na sua comunidade, fazer-se existir pelo seu trabalho decente.

Assim, o estudo do Capítulo V do Estatuto da Igualdade Racial, no que diz respeito ao trabalho, deve ser analisado sob a ótica da otimização do trabalho decente, fazendo com que a inclusão da população negra ao mercado de trabalho seja um fator determinante para exclusão e erradicação da pobreza.

2 Políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho

Até a publicação da Lei 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial), o ordenamento jurídico brasileiro não tratava de forma específica sobre a inclusão da população negra no mercado de trabalho.

A tutela do trabalhador negro no Brasil sempre decorreu da aplicação de regras dirigidas ao combate de outras formas de discriminação: o art. 5º da CLT, por exemplo, que veda a discriminação em razão do gênero (sexo), ignora a distinção pela cor/etnia. A Lei 5.473/68, que trata do provimento de cargos públicos, por seu turno, omite a discriminação da raça/etnia, abordando tão somente a discriminação em razão de gênero. Também o art. 461 da CLT, que trata da isonomia salarial, não menciona de forma clara a isonomia em relação aos trabalhadores negros.

O presente Estatuto, se não é o mais completo, ao menos estabelece normas sobre o trabalho com o intuito de combater a pobreza e fazer com que o negro tenha melhores e mais oportunidades no mercado de trabalho.

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2. 1 Do Mercado de Trabalho do Negro e Políticas Públicas

É inegável que a pobreza no Brasil está intimamente ligada à questão da desigualdade étnico-racial. Dados fornecidos pelo IBGE informam que: de cada dez pessoas em situação de pobreza, oito são negras; daí a necessidade de se elaborar, implantar e avaliar as políticas públicas no Brasil, no que tange à marginalização do negro e a sua exclusão do mercado de trabalho.

Alguns dados se fazem necessários para demonstrar e compreender a necessidade de se elaborar o presente...

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