Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

AutorSerra Baptista
Páginas285-298

Page 285

2565/10.0TBSTB.S1

2ª SECÇÃO SERRA BAPTISTA

CONTRATO DE COMPRA E VENDA VENDA DE COISA DEFEITUOSA BEM IMÓVEL

DEFESA DO CONSUMIDOR DIREITOS DO CONSUMIDOR CADUCIDADE

PRAZO DE CADUCIDADE

PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO

DIRECTIVA COMUNITÁRIA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO RETROACTIVIDADE DA LEI ALTERAÇÃO DO PRAZO

Data do Acordão: 24-05-2012

Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: REVISTA

Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Área Temática: DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO

- RELAÇÕES JURÍDICAS- DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

Doutrina: - Alessandra da Silveira, Princípios de Direito da União Europeia, pág. 115 e ss..

- Aníbal de Castro, a Caducidade, pág. 25.

- Armando Braga, A Venda de Coisas Defeituosas no C.C., A Venda de Bens de Consumo, pág. 47.

- Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, págs. 77, 172; Venda de Bens de Consumo, p. 122 e 123.

- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, págs. 149 e 150, 176/177.

- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 606; O Direito, 121º, pág. 292.

- Nuno M. Pinto de Oliveira, Contrato de Compra e Venda, Almedina.

- Oliveira Ascensão, Direito Introdução e Teoria Geral, pág. 405.

- Pereira Coelho, RLJ, Ano 118º, pág. 50, nota (2).

- Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, págs. 153 a 156, 170, 413.

- Pires de Lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, vol. II, pág. 228.

- Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 1º vol., págs. 263/264. Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12º, Nº2, 297º, 879º, AL. B), 913º, 914º, 916º, 917º, 1225º.

D.L. Nº 67/03, DE 8-4 (VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS).

D.L. Nº 68/04, DE 25-3.

D.L. Nº 24/08, DE 21-5 (ALTEROU E REPUBLICOU A LDC).

D.L. Nº 84/08, DE 21-5 (ALTEROU E REPUBLICOU O DL 67/03, E ENTROU EM VIGOR EM 20 DE JUNHO DE 2008): - ARTIGO 5º-A.

LEI Nº24/96, DE 31-7 (LEI DE DEFESA DO CONSUMIDOR).

Legislação Comunitária: DIRECTIVA Nº 1999/44/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 25/5/1999.

Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

Page 286

- DE 3/4/98, BOL. 476, 289;

- DE 15/6/2000, PROCESSO Nº 443/00, EM WWW.DGSI.PT;

- DE 18/2/2003, PROCESSO Nº 4587/02, EM WWW.DGSI.PT;

- DE 18/10/2007, PROCESSO Nº 2467/07, EM WWW.DGSI.PT;

- DE 13/12/2007, PROCESSO Nº 3944/07, EM WWW.DGSI.PT;

- DE 29/1/2008, PROCESSO Nº 4592/07, EM WWW.DGSI.PT;

- DE 29/4/2008, PROCESSO Nº 367/08, EM WWW.DGSI.PT;

- DE 12/1/2010, PROCESSO Nº 2212/06.4TBMAI.P1.S1, EM WWW. DGSI.PT;

- DE 11/10/2011, PROCESSO Nº 409/08. 1TBVIS.C1.S1, IN WWW.DGSI. PT,

- DE 13/10/2011, PROCESSO Nº 1127/07.3TCSNT.C1.S1, EM WWW. DGSI.PT;

- DE 24/4/2012, PROCESSO Nº 904/06. TBSSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT;

- DE 19/4/2012, PROCESSO Nº 9870/05.STBBRG.G1.S1, EM WWW. DGSI.PT.

Sumário :

(art. 713º, nº 7 ex vi art. 726º, ambos do CPC)

  1. O promotor imobiliário é aquele que constrói, por conta própria ou mediante contrato de empreitada, o prédio e promove a sua venda, antes ou depois da respectiva construção.

  2. O art. 917º do CC deve ser interpretado extensivamente, no sentido de abranger todas as acções baseadas no cumprimento defeituoso, tendo o prazo de seis meses aí aludido sido substituído pelo prazo de um ano, quando o vendedor do imóvel tenha sido também o seu construtor.

  3. O regime civilístico tradicional relativo às perturbações na prestação no contrato de compra e venda tem vindo sucessivamente a perder aplicação no âmbito das relações de consumo, nas quais a tutela do consumidor é assegurada de uma forma distinta da que corresponde ao modelo clássico do cumprimento defeituoso (cfr. Directiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/5/1999, Lei 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), DL 67/03, de 8 de Abril (Venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas) e DL 24/08, de 21 de Maio, que alterou (e republicou) este último e a LDC).

  4. Sendo menor o prazo concedido pelo DL 67/03 para o exercício dos direitos por banda do comprador de imóvel (no âmbito das relações de consumo), pode o mesmo intentar a acção na medida em que o direito comum lhe seja mais favorável, pela previsão de prazo mais longo para esse efeito, como acontece na empreitada (art. 1225º do CC).

  5. Mesmo entendendo que a Directiva comunitária nº 1999/44/CE tem aplicação directa na nossa ordem jurídica interna, mesmo entre os particulares (efeito horizontal), prescreve a mesma apenas quanto aos móveis (com excepções).

  6. O DL 84/08, que alterou e republicou o DL 67/03, e que entrou em vigor em 20 de Junho de 2008, cujo art. 5º-A estabelece prazos mais longos de caducidade, em conformidade com a Directiva comunitária, não é de aplicação retroactiva - está aqui em causa a compra e venda de um imóvel com alegados defeitos - quanto ao prazo de caducidade do exercício de direitos por banda do comprador, não se aplicando, assim, aos

    Page 287

    contratos celebrados antes do início da sua vigência.

  7. Com efeito, ao não regular só para os móveis, mas também para os imóveis, a alteração do citado DL 84/08 deve ser considerada inovadora e não correctiva relativamente ao disposto na Directiva.

  8. O art. 297º do CC, que prescreve sobre a alteração de prazos, consagra uma regra de direito transitório que visa esclarecer a lei aplicável aos prazos em curso, sempre que estes sejam alterados. Sendo o prazo relevante o novo prazo mais longo, desde que o antigo não esteja transcorrido à data da entrada em vigor da nova lei.

    Decisão Texto Integral:

    ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

    AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB - INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S. A., pedindo que: a) seja a ré intimada a proceder às intervenções correctivas de que necessita o imóvel do autor (de acordo com o descrito no art. 45º da p. i.), no prazo máximo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da decisão; b) seja a ré condenada, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento de quantia pecuniária, em montante a determinar pelo Tribunal, por cada dia de atraso, e depois disso de interrupção, no cumprimento da intimação que, nos termos da alínea anterior, lhe seja dirigida pelo Tribunal; c) seja a ré condenada no pagamento de indemnização ao autor por danos patrimoniais por este sofridos, no montante de € 3 600, acrescida de juros de mora vincendos, desde a data da citação até integral pagamento, bem como nos custos com o patrocínio; d) seja a ré condenada no pagamento de indemnização ao autor por danos não patrimoniais por este sofridos, no montante de € 5 000, acrescidos de juros de mora vincendos, desde a data da sentença que o determine, até integral pagamento.

    Alegando, para tanto, e em suma:

    No exercício da actividade comercial da ré, vocacionada que está para a promoção imobiliária, foi entre ela, na qualidade de vendedora, e o autor, na qualidade de comprador, celebrado um contrato de compra e venda, em 31 de Maio de 2007, de um prédio urbano melhor descrito na p. i..

    A partir de Outubro de 2008 começaram a surgir no imóvel algumas patologias (defeitos), que também melhor descritos são no petitório inicial, tendo o autor solicitado a eliminação dos mesmos, em 18 de Janeiro de 2009.

    A ré não procedeu às reparações devidas. A descrita situação causou ao autor despesas, que ora reclama.

    Bem como danos de carácter não patrimonial, que também melhor descreve, tudo nos montantes peticionados.

    Citada a ré, veio contestar, defendendose por excepção, invocando a caducidade da acção e a inadmissibilidade legal dos pedidos formulados atinentes aos gastos com o patrocínio e com o engenheiro contratado, e por impugnação.

    Replicou o autor quanto à matéria das excepções arguidas.

    Foi proferido o despacho saneador, que, julgando procedente a excepção da caducidade do autor, absolveu a ré do pedido.

    Inconformado, veio o autor interpor recurso de revista per saltum para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo

    Page 288

    formulado, na sua alegação, as seguintes conclusões:

    1. - Aos presentes autos aplica-se não só o disposto nos artigos 914.2, 916.2 e 917.2 do Código Civil e na Lei da Defesa do Consumidor, como também o disposto no Regime da Venda de Bens de Consumo e das Garantias a Ela Relativas (criado através do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril).

    2. - Estabelece a primeira parte do número 2 do artigo 12.2 do C. C. que "Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos".

    3. - No caso concreto, o facto jurídico em causa - o aparecimento dos defeitos do imóvel é posterior à entrada em vigor da redacção trazida pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio, sendo que o acto jurídico de denúncia desses defeitos também o é.

    4. - No mais, dispõe a segunda parte do citado número 2 do artigo 12º do C. C. que "quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor".

    5. - Precisamente a ratio legis que está na base desta regra da aplicação imediata é: por um lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas naturalmente em conta pela lei nova, o interesse no ajustamento às novas concepções e valorações da comunidade e do legislador, bem como a existência de unidade do ordenamento jurídico (...); por outro lado, o reduzido ou nulo valor da expectativa dos indivíduos que coniaram, sem bases, aliás, na continuidade do regime estabelecido pela lei antiga, uma vez que se trata de um regime puramente legal, e não de um regime posto na dependência da vontade dos mesmos indivíduos" (in Parecer da Procuradoria Geral de República, de 21 de Dezembro de 1977, publicado na IIª Série do Diário da República de 30 de Março de 1978, pág. 1804).

    6. - Também a jurisprudência se pronunciou quanto a esta...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT