Do Processo Penal Eleitoral

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas481-492

Page 481

1 Fontes do processo

Não existe propriamente um Código de Processo Eleitoral, havendo apenas poucas normas processuais junto com normas de direito material. Por isso, as regras do processo por crime eleitoral são as que constam dos arts. 355 a 364, mas se admite a aplicação subsidiária das regras do Código de Processo Penal: “Art. 364 No processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na execução, que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal. Com isso, em síntese pode-se dizer que o procedimento no processo por crime eleitoral é o mesmo do processo comum, salvo pelas regras próprias constantes do Código Eleitoral. Aliás, Joel José Cândido548sustenta ser o mesmo o procedimento até nos tribunais, onde devem ser observadas também as disposições regimentais próprias.

2 Natureza jurídica da ação penal
2. 1 Noções

A ação penal por crime eleitoral é sempre pública incondicionada549, embora conste do art. 356 do Código Eleitoral regra parecendo exigir a requisição judicial, o que caracterizaria ação penal pública condicionada:

Art. 356 Todo cidadão que tiver conhecimento de infração penal deste Código deverá comunicá-la ao juiz eleitoral da zona onde a mesma se verificou.
§ 1º Quando a comunicação for verbal, mandará a autoridade judicial reduzi-la a termo, assinado pelo apresentante e por duas testemunhas, e a remeterá ao órgão do Ministério Público local, que procederá na forma deste Código.

Comentando o dispositivo, Joel José Cândido550anota ter sua redação dado margem a equívocos, conforme explica:

(...) Foi tão minudente o Código nessa parte que ensejou algumas conclusões equivocadas a respeito das comunicações.

A primeira, no sentido de que não seria possível a abertura de inquérito policial, de ofício (art. 5°, I, CPP), ou flagrante, nesses crimes, só sendo possível investigá-los através dessas comunicações judiciais. A segunda, consistindo na afirmação de que a ação penal somente poderia ser intentada se baseada nessas comunicações e, a terceira, principal afirmação que sobre esse artigo se fazia, consistia em afirmar que a comunicação do crime eleitoral só poderia, para ter alguma validade, ser canalizada via Juiz Eleitoral.

Page 482

Nada mais equivocado. Sendo os crimes eleitorais de ação pública, podem e devem as autoridades policiais instaurar inquérito de ofício, independentemente de qualquer providência ou determinação, mesmo judicial, porquanto a polícia judiciária não se subordina ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público. Crimes de ação pública são investigados, a princípio, por inquérito policial instaurado de ofício, conforme o que há de melhor na doutrina.

Por outro lado, se o próprio inquérito pode ser dispensado pelo Ministério Público (CPP, art. 46, § 1°), não sendo imprescindível ao oferecimento da denúncia (STF, RTJ 64/343; RT 517/305), não se pode compreender como e por que teria o Ministério Público que depender dessas comunicações judiciais.

A melhor interpretação a esse artigo do Código Eleitoral e seu parágrafo é que ali está regulada apenas uma forma de se noticiar o crime eleitoral, comunicação essa que é, nada mais, nada menos, do que uma notícia-crime, igual a qualquer outra. Por notícia-crime haverá de se entender toda e qualquer comunicação de fato em tese delituoso, sua auto-ria e circunstâncias, tal como existe e ocorre no Direito Penal comum. O Código indicou, apenas, a forma e o destinatário dessa notícia-crime, o que nem seria necessário já que jamais se poderia considerar inaproveitável uma comunicação que não preenchesse alguns daqueles requisitos, como, por exemplo, o endereçamento dos fatos a outra autoridade que não o Juiz Eleitoral. O crime não deixaria de ser crime só por isso e nem a investigação só por isso seria proibida. Prevalece o interesse social sobre o apego à forma. Trata-se, então, aquela comunicação, de uma notícia-crime apenas, e assim como pode ser levada ao Juiz, pode ser endereçada a outra autoridade, como o Delegado de Polícia ou o Promotor de Justiça Eleitoral, que, se for o caso, será aproveitada do mesmo modo. O legislador, para não deixar de indicar algum para receber as comunicações de crime, indicou a autoridade judiciária, mais conhecida nos municípios, mormente na época da edição do Código, figura central e convergente dos assuntos.

Como ação penal pública incondicionada não depende e não admite a participação da vítima, cabendo a titularidade ao Ministério Público Eleitoral, cujo representante deve agir de ofício:

EMENTA: Recurso especial. Crime eleitoral. Ação penal privada subsidiária. Garantia constitucional. Art. 5º, LIX, da Constituição Federal. Cabimento no âmbito da Justiça Eleitoral. Arts. 29 do Código de Processo Penal e 364 do Código Eleitoral. Ofensa. 1 A ação penal privada subsidiária à ação penal pública foi elevada à condição de garantia constitucional, prevista no art. 5º, LIX, da Constituição Federal, constituindo cláusula pétrea. 2 Na medida em que a própria Carta Magna não estabeleceu nenhuma restrição quanto à aplicação da ação penal privada subsidiária, nos processos relativos aos delitos previstos na legislação especial, deve ser ela admitida nas ações em que se apuram crimes eleitorais. 3 A queixa--crime em ação penal privada subsidiária somente pode ser aceita caso o representante do Ministério Público não tenha oferecido denúncia, requerido diligências ou solicitado o arquivamento de inquérito policial, no prazo legal. 4 Tem-se incabível a ação supletiva na hipótese em que o representante do Ministério Público postulou providência ao juiz, razão pela qual não se pode concluir pela sua inércia. Recurso conhecido, mas improvido.551

Page 483

Esse julgado é claro ao expressar a natureza púbica incondicionada da ação penal por crime eleitoral, inclusive admitindo a ação privada por parte da vítima subsidiária se o Ministério Público não tomar a iniciativa no prazo legal. Mas, a jurisprudência entende que mesmo em caso de flagrante a autoridade policial deve comunicar o fato em vinte e quatro
(24) horas ao juiz eleitoral para prosseguimento dos trabalhos, considerando-se a tentativa de apuração da infração à revelia da Justiça Eleitoral como grave ofensa ao ordenamento jurídico:

EMENTA: Processo de consulta. Prática de infrações penais definidas no Código Eleitoral (lei 4.737/65). Inquérito policial de oficio. Descabimento. O processo das infrações penais definidas no Código Eleitoral (lei 4.737/65) obedece ao disposto nos seus arts. 355 e seguintes, mas não refoge às normas do processo comum, pela aplicação subsidiária e complementar do Código de Processo Penal. Assim ocorre, por exemplo, com os arts. 4º, 5º e 6º, quando houver necessidade de inquérito policial, excetuada, porém, a sua instauração de oficio (art. 5º, inciso I). Nos casos em que couber, a polícia federal (res. TSE n.
8.906, art. 3, e DL. 1064/79, art. 2º) poderá prender em flagrante o infrator, comunicando o fato a autoridade judicial em 24 horas e prosseguindo-se, a partir daí, de acordo com o processo previsto no Código Eleitoral.552A despeito de repelir a instauração do inquérito policial de ofício, ponto desamparado de melhor doutrina e jurisprudência, importa a parte final da ementa onde afirma que o flagrante deve ser comunicado à autoridade judicial em vinte e quatro (24) horas, prosseguindo-se a partir daí de acordo com o processo previsto no Código Eleitoral.

2. 2 Polêmica Resolução nº 23 396 do Tribunal Superior

Para aumentar a controvérsia, invocando o art. 105 da Lei das Eleições553e o art. 23, IX, do Código Eleitoral, que o investem de competência normativa, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou a Resolução nº 23.396, de 17 de dezembro de 2013, contendo quatorze artigos para disciplinar a apuração de crimes eleitorais. Composta de três Capítulos, a Resolução dedica o primeiro para elevar essa atribuição à condição de prioridade da Polícia Federal, embora “limitada às instruções e requisições dos Tribunais e Juízes Eleitorais554.

O segundo capítulo nada trás de novo, limitando-se a reproduzir dispositivos do Código Eleitoral (art. 356) e do Código de Processo Penal relacionados à verificação da incompetência do juiz eleitoral (art. 69) e ao flagrante (arts. 306, 310 e 321. Quanto ao último capítulo, voltado para o “inquérito policial eleitoral”, pelo menos um dispositivo suscitou polêmica555,

Page 484

embora os arts. 12 e 13 tenham pretendido garantir a supremacia da lei processual556. Com efeito, assim consta do polêmico dispositivo:

Art. 8º O inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral, salvo a hipótese de prisão em flagrante.

Literalmente, esse dispositivo não deixou meias palavras, instituindo, claramente, a “condicionalização” da ação penal por crime eleitoral. Nem mesmo no próprio Tribunal a questão está pacífica. Em entrevista publicada pela imprensa557, o ministro Marco Aurélio disse acreditar “na sensibilidade do relator e do colegiado quanto ao acolhimento do pedido de reconsideração, feito pelo Ministério Público, evitando-se um desgaste maior, considerada a possível ação por inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal558.

3 Polícia competente para instaurar o inquérito

O inquérito policial se insere no rol de atribuições da polícia federal por se tratar de crime contra a ordem política. Segundo noticia Tito Costa559...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT