Do Processo Judicial

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas481-608

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33 Juízo prévio de admissibilidade

Nos processos que envolvem apuração e punição de infrações relacionadas com a função pública, é comum existir uma fase denominada de preliminar, instalada entre a propositura da demanda e o seu recebimento. É assim com a responsabilidade penal dos funcionários públicos (CPP, arts. 513-518), como também na responsabilidade pelas infrações consideradas ímprobas (LIA, art. 17, § 7º). Esse período ou momento recebe o nome de “Juízo Prévio de Admissibilidade”, em contraposto ao juízo de recebimento da ação propriamente dito, chamado simplesmente de Juízo de Admissibilidade. Tais procedimentos especiais partem de uma premissa única: a condição de funcionário como inerente à prática da infração.

Tal prescrição tem dupla função: 1) proteger o interesse público; 2) assegurar ao agente público uma análise prévia da viabilidade da acusação antes de recebida a demanda. É muito mais garantia do funcionário que do Estado, isso porque são inúmeras as denúncias infundadas somente pelo fato de o sujeito exercer uma função pública.

O art. 513 do CPP, tal como o § 7º do art. 17 da LIA, exige que a acusação esteja lastreada de elementos fortes (CPP, art. 513): “Os crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, cujo processo e julgamento competirão aos juízes de direito, a queixa ou a denúncia será instruída com documentos ou justificação que façam presumir a existência do delito ou com declaração fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas”.

É premissa idêntica (LIA, art. 17, § 6º): “A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil”. Tal remissão refere-se a dispositivos do antigo código de processo, já que o atual (Lei nº 13.105/15) disciplina a matéria nos arts. 79 e 80.

Diante disso, a Lei nº 8.429/92 cria um dever ao magistrado, qual seja, analisar a inicial e verificar se estão presentes os requisitos reclamados pelo § 6º do art. 17.

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O magistrado deverá verificar se a petição inicial encontra-se em devida forma. O que é isso? Devida forma significa a confirmação de que a petição inaugural está de acordo com os requisitos de forma previstos pelo Código de Processo Civil (CPC, arts. 319 e 320 – requisitos gerais) e pela legislação especial (LIA, art. 17, § 6º – requisitos especiais).

Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la. Autuação, em sentido jurídico-processual, representa o ato pelo qual se inicia a formação de uma relação processual. Em um sentido material, a autuação “consiste em se dar uma capa à primeira peça processual apresentada, com as indicações relativas à ação, nomes do autor e réu, e data de sua apresentação em cartório para esse fim, o que tudo consta de um termo na fase inicial desta capa”613. É o que regulam, em caráter geral614, os arts. 206 a 211 do CPC615.

Constatando o magistrado algum defeito na petição inicial e sendo ele sanável, esse é o momento de determinar ao autor emendá-la (CPC, art. 321)616.

É, aliás, o primeiro momento, mas não o único, porque o juiz poderá, a qualquer momento, reconhecer a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo (CPC, art. 485, IV).

Em ato contínuo o magistrado determina a notificação do acusado para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias, consoante disposição expressa prevista no § 7º do art. 17:

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§ 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.

Até o presente momento, muito embora exista processo, a demanda ainda não foi recebida. E não foi recebida pelas razões expostas, porque se busca a proteção do serviço público e do próprio funcionário que, por exercer função pública, é alvo de inúmeras denúncias infundadas e perseguições desonestas. Fala-se até que o juízo prévio de admissibilidade é uma condição de procedibilidade da ação de improbidade administrativa, ou seja, uma condição necessária para que o processo seja inaugurado.

33. 1 Possibilidade de sua inclusão por medida provisória

A inclusão desse procedimento preliminar ou prévio, idêntico ao previsto pela legislação penal, veio por meio de medida provisória. Inicialmente, portanto, não tínhamos essa manifestação preliminar.

Em razão de sua inclusão por medida provisória, parte da doutrina começou a questionar a sua constitucionalidade de tal inclusão. Essa tese teve início no Ministério Público de São Paulo, entendimento que restou adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Segundo o parquet, padecia a Medida Provisória de vício formal e material de constitucionalidade617. Esses questionamentos nasceram em razão da EC nº 32/01, que alterou as regras sobre edição de medidas provisórias.

Na doutrina, o membro do Ministério Público paulista Wallace Paiva Martins Júnior intitulou a referida medida provisória de “AI05”. Segundo o autor, essas exigências seriam privilégios incluídos com o objetivo de corresponder a um antídoto no combate à improbidade618.

Sob o rótulo de inconstitucionalidade formal, é apontada ausência de urgência. Que urgência haveria para a edição dessa medida? O conceito de urgência é abstrato e relativo. Era urgente alterar o procedimento, instituindo um procedimento preliminar ao recebimento, já que as ações de improbidade administrativa estavam sendo propostas de forma irresponsável. Aliás, para alguns membros do Ministério Público, a via de improbidade passou a ser a regra, quando deveria ser a exceção.

Sobre a limitação material criada pela EC nº 32/01, assinalou Michel Temer:

Para as medidas provisórias não havia qualquer limitação, antes da aludida Emenda Constitucional 32/01. Agora há em razão dessa Emenda.

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A Emenda Constitucional n. 32 de 11.9.2001 modificou...

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