Do procedimento administrativo para caracterização dos acidentes de trabalho

AutorCláudia Salles Vilela Vianna
Ocupação do AutorAdvogada, Mestra pela PUC/PR, Conferencista e Consultora Jurídica Empresarial nas Áreas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, Coordenadora dos cursos de pós-graduação da EMATRA/PR e PUC/PR
Páginas60-88

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6.1. Requerimento do Benefício de Incapacidade junto ao INSS

Como na esfera administrativa somente o perito médico do INSS tem competência legal para atribuir natureza acidentaria a uma determinada ocorrência, e como o perito só tem contato com o segurado se requerido por esse um benefício previdenciário (em face da incapacidade laborativa), o processo administrativo desse benefício é que será, também, o processo administrativo que reconhecerá (ou não) a existência do acidente de trabalho que, como já observado no Capítulo 2 desta obra, encontra-se conceituado nos arts. 19 a 21-A da Lei n. 8.213/91 e requer, para sua caracterização, os seguintes e concomitantes requisitos:

  1. que o trabalhador esteja a serviço de uma empresa (ou entidade a ela equiparada) ou de seu empregador doméstico;44

  2. que o trabalho (ou seu ambiente) tenha sido a causa;

  3. que o trabalhador tenha sofrido lesão corporal ou perturbação funcional; e

  4. que exista incapacidade laborativa, ainda que temporária.

Até la.6.2015 a legislação excluía desse conceito os empregados domésticos e, com isso, deixava tal categoria de trabalhadores de ter direito às proteções previstas na Lei n. 8.213/91, inclusive a estabilidade no emprego . A Lei Complementar n. 150/2015 (publicada em 2.6.2015), contudo, alterou a redação da Lei n. 8.213/91 e passou a estender aos domésticos o conceito e os direitos referentes ao acidente de trabalho.

Assim, os segurados descritos no próprio dispositivo (art. 19) é que poderão solicitar ao INSS a natureza acidentaria da ocorrência, sendo eles os empregados, , os empregados domésticos, os trabalhadores avulsos e os segurados especiais.45 Referidos trabalhadores, quando vítimas de um acidente de trabalho, devem solicitar ao empregador (se empregados), ao tomador dos serviços, sindicato ou órgão gestor de mão de obra (se avulsos) ou a qualquer pessoa autorizada no § 2a do art. 19 da Lei n. 8.213/91,46 o formulário CAT - Comunicação de Acidente de Trabalho. Esse documento é indispensável para a caracterização do acidente por parte do INSS e, assim, deve ser obrigatoriamente preenchido, ainda que pela própria vítima ou seus familiares. Nesses termos, confira-se a redação do art. 327,1, da IN INSS n. 77/2015:

Art. 327. O acidente de trabalho ocorrido deverá ser comunicado ao INSS por meio da CAT, observado o art. 328, e deve se referir às seguintes ocorrências:

I - CAT inicial: acidente do trabalho típico, trajeto, doença profissional, do trabalho ou óbito imediato;

Se a doença que acomete o trabalhador estiver relacionada com a atividade económica do empregador (NTEP, conforme Lista C do Anexo II do Decreto n. 3.048/99),47 não será obrigatória a apresentação da CAT. Nessas hipóteses é suficiente apresentar ao perito do INSS o atestado médico

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com o código CID, independentemente de ter sido emitido pelo médico assistente do trabalhador (particular ou não) ou médico da empresa. Eis a redação da IN INSS n. 77/2015, art. 33148:

Art. 331. A empresa deverá comunicar o acidente ocorrido com o segurado empregado, exceto o doméstico, e o trabalhador avulso até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa aplicada e cobrada na forma do art. 286 do RPS.

§ 5° Não caberá aplicação de multa, por não emissão de CAT, quando o enquadramento decorrer de aplicação do NTEP, conforme disposto no § 5e, art. 22 da Lei n. 8.213, de 1991, redação dada pela Lei n. 11.430, de 2006.

Quando a vítima do acidente estiver desempregada (mas ainda na qualidade de segurado empregado, em razão do período de graça constante do art. 15 da Lei n. 8.213/91), ou quando se tratar de segurados especiais, deverá ser requerida ao INSS a concessão do benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, com entrega da CAT (ou atestado, no caso do NTEP) ao perito médico no dia designado para a perícia.

Para os segurados empregados (de empresa ou entidade equiparada), caso a incapacidade laborativa possua duração de até 15 (quinze) dias, caberá à própria empresa a remuneração dos dias de afastamento, conforme previsão do art. 60 da Lei n. 8.213/9149.

Quando a empresa tiver médico próprio ou em convénio, caberá a esse profissional examinar o trabalhador (e a documentação médica por ele apresentada), confirmando ou não a necessidade do afastamento (e qual o período) e, consequentemente, o abono das faltas pelo empregador.

É possível e aconselhável, portanto, que em caso de dúvida o médico da empresa (ou conveniado) solicite informações e esclarecimentos ao médico assistente do trabalhador (que emitiu o atestado médico), bem como solicite exames complementares, desde que estes sejam totalmente custeados pelo empregador ou plano de saúde fornecido.

A decisão final sobre a existência da incapacidade e o número de dias correspondente cabe, pois, ao médico da empresa, e não ao médico assistente do empregado.50 Essa é a disposição constante na lei e, também, o entendimento da mais prestigiosa jurisprudência pátria, conforme ilustram as Súmulas ns. 15 e 282 do TST,51 bem como o seguinte julgado:

RECURSO ORDINÁRIO. ATESTADO MÉDICO DA EMPRESA. SÚMULA N. 282 DO TST. PREVALÊNCIA. MUDANÇA DE FUNÇÃO NÃO CONFIRMADA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. Conforme as Súmulas ns. 15 e 282, ambas do TST, o atestado médico da empresa tem prevalência sobre o atestado de médico particular da obreira. No caso, o médico da empresa não confirmou o atestado médico particular que opinava pela mudança de função da obreira, mas concluiu que a reclamante estava apta para o trabalho. Pelo exposto, de se afastar o dano moral, visto que a empregadora observou os ditames legais. Recurso ordinário conhecido e provido. (TRT 7- Região, ROPS 0000576-37.2014.5.07.0016, 2â Turma, Des. Francisco José Gomes da Silva, Publicação em: 11.2.2015)

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A CAT (ou o atestado, no caso do NTEP), nesses afastamentos com duração de até quinze dias, poderá ser utilizada como prova pelo trabalhador em eventual ação judicial, mas nunca como prova plena, porque a competência administrativa para caracterizar a natureza acidentaria é exclusiva da perícia do INSS, principalmente se emitida por outro que não o empregador.

Nas hipóteses em que o afastamento ultrapassar quinze dias consecutivos, o trabalhador deverá ser encaminhado ao INSS a contar do 16a dia de incapacidade, para percepção de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Esse "encaminhamento" de que trata o § 4a do art. 60 refere-se, tão somente, ao preenchimento e entrega, ao trabalhador, do formulário denominado "Requerimento de Benefício por Incapacidade", cujo modelo encontra-se disponível no link , podendo ser visualizado também no Capítulo 14 desta obra, subitem 14.4.

De posse desse formulário, deve o trabalhador solicitar o benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez ao INSS, utilizando a internet () ou o telefone 135 para essa finalidade. Em qualquer das modalidades, será agendado dia e hora para que o trabalhador compareça à perícia médica, oportunidade em que deverá levar consigo toda a documentação que possuir a respeito do acidente (CAT, inclusive) e da incapacidade (atestados, exames etc).

Note-se que o requerimento do benefício e a escolha da agência do INSS onde será efetuada a perícia médica cabem ao próprio trabalhador, e não à empresa. Não tem o empregador, ao contrário do que observo ser o entendimento do senso comum, qualquer gerenciamento sobre o INSS, sobre datas de perícia ou sobre decisões administrativas.

Por óbvio que o empregador pode auxiliar, se quiser e se com isso concordar o trabalhador, no requerimento pela internet ou pelo telefone, mas trata-se apenas de auxílio, sendo a solicitação efetuada em nome do empregado (e não da empresa).

A única hipótese em que a empresa pode requerer em seu próprio nome o benefício de seus trabalhadores refere-se à possibilidade de um convénio, a ser firmado entre ela e o INSS para essa finalidade, hipótese em que a solicitação deve ocorrer pela internet, no link . Ou seja, somente as empresas que tiverem firmado convénio com o INSS é que possuem autorização para requerer benefício em nome de seus trabalhadores. Ainda assim, trata-se apenas do requerimento inicial, já que o empregado é quem deverá comparecer à perícia agendada e já que a decisão sobre a incapacidade52 e sobre a natureza acidentaria caberá, com exclusividade, ao perito do INSS.

Por fim, cumpre esclarecer que o fato de o INSS, porventura, entender pela inexistência do nexo acidentário não retira do trabalhador o direito de receber o benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez que lhe sejam cabíveis em face da incapacidade existente, desde que cumprido o requisito da carência. De igual forma, não é a simples existência do nexo acidentário que, por si, acarretará o direito à percepção do benefício, já que se faz necessária a presença da incapacidade. Confira-se, nesse sentido, a regra disposta no art. 10 da IN INSS n. 31/2008:

Art. 10. A existência de nexo de qualquer espécie entre o trabalho e o agravo não implica o reconhecimento automático da incapacidade para o trabalho, que deverá ser definida pela perícia médica.

Parágrafo único. Reconhecida pela perícia médica do INSS a incapacidade para o trabalho e estabelecido o nexo técnico entre o trabalho e o agravo, serão devidas as prestações acidentarias a que o beneficiário tenha direito.

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6.2. Processo legal administrativo
6.2.1. Partes interessadas e intimação dos atos

Como a caracterização de um acidente de trabalho traz consequências gravosas ao...

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