Do poema à canção: música e musicalidade em 'Vou-me embora pra pasárgada'

AutorTiago Gouveia Faria
CargoDoutorando do Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas53-70
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 19, n. 31, p. 53-70, 2019|
doi:10.5007/1984-784X.2019v19n31p53 53
DO POEMA À CANÇÃO
música e musicalidade em
vou-me embora pra pasárgada
Tiago Gouveia Faria
UFSC – CAPES
RESUMO: A poesia de Manuel Bandeira, a mais musicada de sua geração, deu origem, de 1920 até
os nossos dias, a mais de 140 canções. A maior parte dessa produção, entretanto, restringe-se ao
universo da canção de câmara, um dado que suscita questões a respeito da musicalidade de seus
versos e de seu respectivo potencial para o canto. Nessa linha de investigação, o presente artigo
oferece uma comparação entre duas canções que tiveram por base o célebre poema “Vou-me em-
bora pra Pasárgada”, incluído no livro Libertinagem. Uma breve análise do poema de Bandeira e o
confronto entre as versões de Guerra-Peixe e Gilberto Gil – levando em conta o modo como os dois
artistas adaptaram os versos do poema à estrutura musical – têm por meta aprofundar o conceito
de musicalidade na obra do escritor.
PALAVRAS-CHAVE: Manuel Bandeira; Vou-me embora pra Pasárgada; Canção.
FROM POEM TO SONG
music and musicality in
vou-me embora pra pasárgada
ABSTRACT: The poetry of Manuel Bandeira, object in his generation of the greatest number of musical
settings, originated, from 1915 until today, more than 140 songs. Most of this production, however,
is restricted to the universe of art song, a fact that raises questions about the musicality of its verses
and its respective potential for singing. Following this perspective, this article offers a comparison of
two songs that were based on the famous poem “Vou-me embora pra Pasárgada”, included in the
book Libertinagem. A brief analysis of Bandeira’s poem and the confrontation between the Guerra-
Peixe and Gilberto Gil versions — taking into account the way the two artists adapted the verses
of the poem to the musical structure — aim to deepen the concept of musicality in the work of the
writer.
KEYWORDS: Manuel Bandeira; Vou-me embora pra Pasárgada; Song.
Tiago Gouveia Faria é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade
Federal de Santa Catarina.
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 19, n. 31, p. 53-70, 2019|
doi:10.5007/1984-784X.2019v19n31p53 54
DO POEMA À CANÇÃO
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Tiago Gouveia Faria
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O estudo das adaptações musicais de que foi objeto a poesia de Manuel
Bandeira é um convite irrecusável à reflexão sobre as fronteiras do binômio
envolvendo o erudito e o popular. Com efeito, a lógica dessa cisão, embora
já cristalizada no imaginário cultural, perde o sentido quando contraposta à
figura conciliadora do poeta pernambucano, responsável direto por estimular
o encontro entre a palavra prosaica, realidade de todos, e as manifestações da
música erudita, privilégio artístico, pelo menos no Brasil, ainda de um escol.
Do próprio Bandeira nasceu a vontade, a partir de determinado estágio de
seu percurso criativo notadamente com a publicação de Libertinagem (1930),
de fazer dessa problemática o seu ideário, não se escusando de registrá-la sob
o signo de sua verve. São famosas, nesse sentido, as linhas adiante: “Todas as
palavras sobretudo os barbarismos universais/ Todas as construções sobre-
tudo as sintaxes de exceção/ Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis”1.
Como se vê, trata-se de um manifesto firmado pelo artífice pronto a enfren-
tar os obstáculos impostos à poesia do seu tempo, num esforço notável para
liberar a palavra dos rigores passadistas, bem como para conceber um projeto
artístico em que as exceções se integrem às regras da criação.
Bandeira, desse modo, não se furtou ao desafio autoproposto e aceitou as
formas do cotidiano como matéria-prima construtiva, insuflando-lhes a irre-
gularidade, a cadência, o ritmo e a musicalidade, aspectos hoje imanentes à
sua produção. O resultado desse processo logo serviu como aguilhão para que
diversos músicos – em sua maioria provenientes das academias musicais ou
devedores de uma instrução considerada clássica – abordassem a sua poesia
sem nenhum tipo de preconceito ou presunção; pelo contrário, não obstante
a imposição do verbo cotidiano, reconheceram nela características novas e
reveladoras, que não quedaram indiferentes e nem passaram despercebidas
ao leitor arguto e ao músico sensitivo.
1 BANDEIRA, Manuel. [Poética]. Poesia e prosa completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993. p.
207.

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